Entrevista por Homero Pivotto Jr.
O Petbrick, duo formado por Iggor Cavalera e Wayne Adams, é literalmente um projeto do barulho. Os próprios músicos, em redes de compartilhamento de áudio, afirmam criar “horrible noise” (barulho horrível). Este que vos escreve discorda, pois pensa que é um aglomerado de ruídos lindo e instigante.
O que se ouve no primeiro álbum completo do grupo, intitulado “I” (2019), é uma musicalidade extrema, um industrial capaz de sacudir pistas ou de colocar o povo de preto para banguear. Mas o som da dupla vai além de rótulos, criando climas hipnotizantes e outros perturbadores ao aglutinar elementos do noise, repetitividade, batidas nervosas, experimentalismo à la kraut rock, urgência hardcore e peso metálico.
Enquanto Iggor (ex-Sepultura / Cavalera Conspiracy / Mixhell / Soulwax) se encarrega de esmurrar o kit de bateria, Wayne (Big Lad / Death Pedals / Johnny Broke) cuida das traquitanas eletrônicas que sustentam a balbúrdia musicada. Não é um trampo simples de se digerir, pois carrega uma liberdade criativa que traz diversidade à obra. E, como sabemos, hoje em dia, o que não se enquadra em padrões incomoda.
Não bastasse a ousadia musical — sim, há certa valentia em querer se afastar da pecha de ex-integrante da maior banda de metal do Brasil e uma das maiores do mundo para procurar novas aventuras com sons que costumam se propagar melhor pelo submundo —, o debut do Petbrick ainda inclui um elenco eclético e de gabarito entre convidados especiais. Dylan Walker (Full of Hell), Dwid Hellion (Integrity), Mutado Pintado (Warmduscher e Paranoid London) e Laima Leyton (esposa de Iggor) colaboram com a balbúrdia ritmada.
Na entrevista a seguir, o mais novo dos Cavalera a fazer sucesso tocando revela como a iniciativa tomou corpo, aborda o processo de composição, explica a escolha dos convidados e compartilha algumas visões de mundo. That’s noise for music’s sake (parafraseando a maravilhosa coletânea do Napalm Death).
Vertentes menos ortodoxas da música parecem estar ganhando espaço. É o caso do noise, parte fundamental nas composições do Petbrick — embora a banda, em uma definição simplista, tenha mais a ver com o industrial. Porque acredita que esses sons, considerados por alguns como barulho, estão tendo mais aceitação atualmente?
Não sei, mas acho interessante as pessoas estarem curtindo algumas coisas mais barulhentas hoje em dia.
Aliás, apesar de, como já mencionado, a banda ir pelo caminho do industrial, o termo barulho, ou noise, é visto com frequência na descrição do trabalho de vocês. Na real, a expressão usada pelo Petbrick é horrible noise (barulho horrível). Ela aparece, inclusive, em material próprio, como redes sociais e plataformas digitais de música. É intencional? Por quê?
Acreditamos que “noise” seria um termo para determinar algo extremo, no nosso caso.
Você sempre foi eclético, com atuações que vão do metal groovado, pelo qual o Sepultura ficou conhecido, ao eletrônico do Mixhell. Por que fazer algo mais experimental como o Petbrick agora?
Sempre procurei fazer projetos com pessoas interessantes e com a mente aberta. Isso vem de anos atrás, e quero continuar nessa linha por muito tempo.
A escolha do nome Petbrick tem alguma simbologia especial?
Na verdade, tínhamos uma lista de nomes (todos com a intenção de soar não metal/hard core etc…). Petbrick foi o que ficou, mas também tinha Crackbaby, entre outros.
Acredita que trabalhar com música mais barulhenta, uma forma que ainda gera estranheza, é ir contra a maré do show business? Por que e qual a razão disso?
Apenas trabalho com música que amo, sem pensar no lado show business bullshit
Pode-se dizer que é uma forma de contestação? Vocês têm até o slogan “noise against nazi scum” em alguns materiais, o que é claramente um posicionamento antifascista. Acha importante deixar claro de que lado se está no mundo de hoje?
Sim, nunca foi hora de ficar em cima do muro. Principalmente nos dias de hoje, com essa onda de Bolsonazis e Trump right wing boomers. (Nota: o clipe de ‘Coming’, abaixo, tem inspiração em posturas autoritárias. Saiba mais).
O conceito de música extrema parece ter se ampliado. Até poucos anos atrás, esse era um rótulo que costumava estar atrelado, na maioria das vezes, a bandas de metal e/ou hardcore, bem como a seus respectivos subgêneros. Percebe que recentemente o público aceita essa definição de “extremo” como algo não só relacionado ao peso do som?
Não acho! Bandas como Throbbing Gristle e Einstürzende Neubauten faziam isso sem nenhuma conexão com metal ou hardcore.
Há uma série de participações no álbum do Petbrick, como Dylan Walker (Full of Hell), sua esposa Laima e o Dwid (Integrity). A escolha dessa galera foi mais sonora, tipo gente que curte uma doideira sonora, ou por afinidade pessoal?
Todos os escolhidos para participar do nosso disco são pessoas que amamos muito. Sou amigo do Dwid (Integrity) há muitos anos e o Dylan é um dos caras mais legais da cena americana hoje em dia. Já o Mutado Pintado é um supertalento do Warmduscher e Paranoid London. E a Laima é minha musa.
Alguém que gostaria de ter como participação no registro ficou de fora? E algum futuro colaborador para próximos lançamentos em mente?
No futuro, gostaria de trabalhar com o Aphex Twin, o John Carpenter e o Hermeto Pascoal.
Como foi o processo de composição e também o de gravação do disco? Você e o Wayne se juntavam e ficavam experimentando?
Simplesmente vamos para o estúdio, tomamos um balde de café e o Petbrick nasce.
Para você, que toca um instrumento percussivo, quais foram as diferenças e semelhanças de compor para o Petbrick em comparação ao que faz com uma banda mais tradicional (bateria, baixo, guitarra e voz)?
Trato todos os instrumentos no mundo como percussão. Não acredito em um jeito convencional de tocar.
O som do Petbrick, como já mencionado, transita pelo industrial com referências noise. Mas tem algo ali de música eletrônica, de kraut rock e até de rap. Quais aspectos desses estilos chamam sua atenção?
Eu curto bastante música variada. Atualmente tenho ouvido bastante coisas, desde Nihiloxica, da Uganda, até Shit and Shine, do Texas.
Por que esse tipo de som mais tribal e até mais repetitivo te cativa? O metal não tem muito disso, né?
Acredito que é mais como um mantra.
O que acha do revival do post-punk e do showgaze, que têm algumas características que podem ser ouvidas no som do Petbrick (como a repetitividade e passagens contemplativas, por exemplo)?
Curto algumas coisas, principalmente da cena de no wave.
E como está sendo trabalhar a divulgação, e mesmo a aceitação, da banda? Pode-se dizer que é menos complicado divulgar uma banda nos moldes tradicionais do que uma iniciativa experimental como é o Petbrick? Chegou a rolar receio de gravadora ou algo do tipo?
Trabalhamos com uma das gravadoras mais interessantes da Europa, a Rocket Recordings (adoro tudo que eles lançam). Temos uma relação muito cool.
Há uma cena, ainda não tão grande, mas fiel, de apreciadores de música livre e suas derivações. E quero considerar que o industrial do Petbrick se encaixa aí. Essa galera acaba formando uma rede de contatos. Vocês têm usado isso para divulgar o trampo, espalhar a palavra e, literalmente, fazer um barulho?
A música é livre, eu não procuro espalhar nada.
Para fins de comparação, seria acertado dizer que o Petbrick se alinha com nomes como Youth Code e alguns dos projetos do Justin Broadrick (tipo o Zonal)?
Sou muito amigo do Justin. Acho que seria interessante dividir o palco com o Zonal ou o Youth Code.
Recentemente, rolou uma colaboração entre o Petbrick e o Deaf Kids. Como surgiu a parceria e o que esperar dessa junção? Há previsão desse material sair?
Estamos mixando o “Deafbrick”, que vai sair no verão via Neurot (selo do pessoal do Neurosis) e Rocket Recordings. Vão ser todas músicas novas, compostas pelas duas bandas, e um cover surpresa.
O Petbrick deve ser seu principal projeto daqui para frente? Em quais outros está envolvido no momento?
Meu ano está bem complicado. Começo com o Petbrick, depois tem Soulwax (tour e disco novo), mais algumas giras com o “Beneath/Arise” (junto ao irmão Max, tocando parte de dois dos discos mais clássicos do Sepultura), Mixhell… e mais.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.