Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota
O Popload Festival já se tornou uma espécie de reduto indie: é o encontro de diferentes gerações em torno da música alternativa, por isso mesmo a 7ª edição do festival atraiu 15 mil pessoas para o Memorial da América Latina, em São Paulo, em mais de 10 horas de evento, que culminou em apresentação histórica de Patti Smith, a musa punk pela primeira vez na capital paulista (em 2006, apenas Rio de Janeiro e Curitiba tiveram a honra de vê-la dentro do Tim Festival 2006). Em março deste ano, a plataforma Popload foi comprada pela T4F (Time For Fun), uma das gigantes do entretenimento, o que significou mudanças e um crescimento para o festival, mas que não necessariamente se refletiu de forma necessariamente positiva para o público.
O Popload 2019 começou com chuva que ia e vinha na manhã de São Paulo, em dia que parecia ser cinza e nada convidativo ao espaço do Memorial da América Latina, com seu concreto nada amigável. Uma parcela do público chegou cedo para a retirada dos ingressos do show do norueguês Boy Pablo, que se apresentou em um side show ao final da noite. Os relatos dessa retirada de ingressos demonstram desorganização e confusão para a distribuição, em um processo que duraria boa parte do dia, com filas no estande de retiradas ainda no meio da tarde. O show de Boy Pablo ainda renderia mais confusão à noite, quando pessoas relataram informações desconexas e até mesmo a não possibilidade de assistir a apresentação. Quem conseguiu entrar no Auditório Simón Bolívar para ver o show, por sua vez, foi só elogios.
Voltando ao início da manhã, o grupo Ilê Ayê, teve problemas com seu vôo por causa da chuva, e seu show atrasou. Por isso, o dia foi aberto com show de Luedji Luna debaixo de chuva. Com a chuva dando uma trégua, foi a vez da britânica Little Simz subir ao palco em show enérgico, divertido e que aqueceu o público, dando enfim o clima de festa que o evento precisava. Little Simz tem presença de palco, tem força e carisma e merecia estar em horário mais tarde no line-up.
O melhor teria sido inverter as ordens, pois o trio seguinte, Khruangbin, tem público cativo, porém um show que não funciona em todos os momentos para um público grande de festival. Quase experimental, o show de Khruangbin tinha mais cara dos Popload Gig do que do festival em si, tanto parecia deslocado entre Little Simz e Tove Lo.
A sueca Tove Lo, aliás, foi responsável por levar um mar de jovens para o evento, que andavam com suas camisetas com o nome da cantora pop. Tove Lo apresentou no show seu novo disco, “Sunshine Kitty”, lançado esse ano. No palco, ela mostrou os seios, dançou com todo o ritmo sueco e até convidou o funkeiro MC Zaac, com quem lançou a faixa “Are U Gonna Tell Her?”. Um show divertido, porém esquecível.
A tarde se manteve completamente cinza, variando entre o vento frio de chuva e o mormaço do concreto, porém isso não diminuiu a animação de quem esperava o retorno do Cansei de Ser Sexy. No palco, Lovefoxxx desejou “feliz 2004”, enquanto no telão passavam vídeos de fãs, imagens da banda e memes da internet, como Xuxa Verde e Lasier Martins tomando choque na Festa da Uva.
Divertido e bem menos caótico que muitos shows antigos da banda, o CSS mostrou que segue como uma lufada de energia. Tocando especialmente os hits mais antigos, a própria banda problematizou suas canções e ainda deu tempo de fazer protestos políticos, incluíndo aí um look de Lovefoxxx com a sigla do MST e um pedido pela revolução agroecológica. Showzaço para quem foi indiezinho nos anos 2000.
Já no final da tarde, o Hot Chip trouxe para o palco o seu mais recente disco, o bom “A Bath Full of Ecstasy”. As faixas do novo trabalho apareceram, mas também deram espaço para clássicos como “Ready for the floor” e “Over and Over”, assim como covers de “Sabotage”, dos Beastie Boys, e “Everywhere”, do Fletwood Mac. Hot Chip no palco parece ser uma banda que cresce, que cativa e que funciona mais uma vez muito bem para os indies nostálgicos, já que fez um passeio por todas as nuances do indie eletro dos anos 2000.
Falando em nostalgia dos anos 2000, logo no início da noite, o The Raconteurs subiu ao palco para apresentar seu novo disco, “Help Us Stranger”. Jack White, Brendan Bensson e companhia (incluindo Dean Fertita) fizeram um setlist bastante baseado no trabalho novo, mas não faltaram os clássicos como “Steady As She Goes” e “Broken Boy Soldier”. Com doze músicas, o show foi redondinho para nenhum roqueiro reclamar, mesmo assim os fãs da banda ainda ficaram no sonho de um sideshow, como o bem comentado espetáculo que a banda fez alguns dias antes na Argentina (com um set list que bateu a apresentação brasileira por 22 a 12).
O grande show da noite, no final das contas, foi o da deusa Patti Smith, que as 72 anos fez sua primeira apresentação em São Paulo, acompanhada por seu escudeiro Lenny Kaye e uma banda afiada. Oscilando entre certa doçura e uma violência punk, Patti cuspia pelo palco, cantava com passionalidade encantadora e clamava em discursos ativistas. Clássicos como “Because The Night”, “Land”, “Pissing in a river” e “Gloria” fizeram lado aos covers de “Beds Are Burning”, do Midnight Oil, e “After The Gold Rush”, de Neil Young. Patti quebrou uma guitarra no palco e pediu respeito às populações indígenas, mesmo assim certa parcela do público ainda reclamou de problemas no som (baixo demais) durante a atração principal.
As reclamações do público ainda se estenderam a outros pontos: informações desencontradas e atendimento confuso foram pontos repetidamente citados, mas nada se compara as filas nos banheiros, tanto o masculino quanto o feminino, que foi a reclamação mais ouvida durante e depois do festival. Todas essas questões organizacionais parecem latentes dentro de uma movimentação que o próprio Popload tem passado nos últimos anos (relembre 2018, 2017, 2016 e 2015): o festival cresce, mas o espírito indie ainda é o que move e aí sempre há essa dicotomia entre ser alternativo e ser cada vez maior. Uma caminhada complicada, numa eterna faca de dois gumes. De todo modo, o futuro nos dirá o que acontecerá, mas por enquanto ainda podemos celebrar os encontros da edição de 2019 e todas as alegrias que a música pode nos proporcionar. É sempre bom ouvir boa música e se irmanar em coro à plenos pulmões em refrões que amamos.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
Bando de filho da puta que botaram Raconteurs pra tocar apenas 1h. QUE PORRA FOI ESSA?