Teatro: “Antes que a Definitiva Noite se Espalhe em Latino América”

por Bruno Lisboa

Nome de destaque no teatro brasileiro atual, o multifacetado e prolífico Felipe Hirsch é um dos fundadores da Sutil Companhia de Teatro, que nasceu em 1993 em Curitiba trazendo à tona textos inéditos e adaptações memoráveis como “A Morte de um Caixeiro Viajante” (de 2003, com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha), “A Vida é Cheia de Som e Fúria” (2000), baseada no livro “Alta Fidelidade”, de Nick Hornby, tendo Guilherme Weber no papel principal (e eleita pela Bravo como uma das 10 peças mais importantes da década), e sua sequencia pop “Nostalgia” (2001) além da bela peça de câmara “Não Sobre Amor” (2008).

Porém, de uns tempos para cá, Hirsch tem optado por peças que de alguma forma problematizassem as dores do mundo, em âmbitos políticos/sociais, que tanto assolam a contemporaneidade. “Democracia” (2018) foi o primeiro passo, numa texto que abordava a ditadura chilena e acabava por especular a nossa era onde os governos de (extrema) direita assolam o mundo.

Inspirado nos versos de Caetano Velo presentes em “Soy Loco Por Ti América”, “Antes que a Definitiva Noite se Espalhe em Latino América” (2019) dá sequência a “Democracia”, mas opta por um escopo mais aberto e plural. Ao longo de duas horas e meia, a peça é dividida em seis atos, que carecem de certo ritmo, mas que tem como elemento comum a abordagem de temas ligados ao obscurantismo presente na sociedade.

Artistas como os chilenos Guillermo Calderón e Manuela Infante, o colombiano Rolf Abderhalden, os argentinos Rafael Spregelburd e Pablo Katchadjian, e os brasileiros Nuno Ramos e André Dahmer ficaram responsáveis pela dramaturgia, em textos que problematizam a universalidade do mundo contemporâneo, dominado pela luta de classes, o racismo, o machismo e deturpação da arte e da classe artística.

A direção de arte de Daniela Thomas (parceria da Sutil em tantas peças) e Felipe Tassara é minimalista ao utilizar apenas colchões velhos e uma luz dourada (típica dos postes) que incomoda e, ao mesmo tempo, orienta ao espectador a pensar quanto ao estado putrefato da sociedade.

O elenco é composto por Guilherme Weber (colaborador contumaz de Hirsch desde os anos 90 e também co-fundador da Sutil), Débora Bloch (com quem o diretor trabalha pela primeira vez), Jefferson Schroeder, Renata Gaspar, mais Blackyva e Nely Coelho (que surgem nos dois últimos atos). Com naturalidade os atores flutuam entre personagens, entregando um resultado que tateia o real e soa bastante verossímil.

Ousada, “Antes que a Definitiva Noite se Espalhe em Latino América” é um retrato corajoso (e dolorido) da contemporaneidade, de uma sociedade doente que insiste em atuar reprisando papéis datados. E se de um lado existem artistas que se omitem do seu (nosso) papel de discutir e problematizar os nossos tempos de caos, do outro existem personagens como Felipe Hirsch, que agem de maneira pontual, apresentando, em tom de manifesto, ações que podem ser adotadas por quem procura alguma mudança – e a mudança, a cada dia que passa, se torna mais e mais urgente.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.

Leia também:
– “Não Sobre Amor”, uma bela peça cruel e lírica, por Marcelo Costa (aqui)
– Guilherme Weber fala ao Scream & Yell sobre “Avenida Dropsie” (aqui)
– Guilherme Weber fala sobre A Vida é Cheia de Som e Fúria, por Marcelo Costa (aqui)
– “Nostalgia”, uma encantadora peça de teatro pop, por Marcelo Costa (aqui)
-“Trilhas Sonoras de Amor Perdidas”, uma das melhores peças pop da Sutil (aqui)

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