Festival MADA 2.1 celebra a cultura nordestina diante de 20 mil pessoas

Texto por Dri Cruxen
Fotos por Luana Tayze / Festival MADA

A 21ª edição do festival “Música Alimento Da Alma” – MADA – na capital Natal/RN movimentou e iluminou a cena independente musical brasileira no meio de um outubro sombrio (de um ano tão sombrio quanto). Na lista de atrações escaladas para os dois dias de evento na Arena das Dunas, mais da metade era nordestina ou radicada na região.

O Nordeste está salvando o Brasil e eu posso provar. Seja com a população retirando “no braço” petróleo das praias, consequência do mais recente desastre ambiental que assolou o litoral nordestino, seja na resistência cultural, exportando tudo que há de melhor qualidade na cena musical. Com cartaz majoritariamente formado com artistas nordestinos, o MADA 2.1 cultuou uma das regiões brasileiras mais ricas em cultura e povo.

Mad Dogs

A tarefa de abrir o festival na sexta-feira ficou com a banda local Mad Dogs, que mostrou um pouco dos seus 25 anos de rock num set curto. Em seguida, também tocando para poucas pessoas, Junior Groovador fez show cheio de suingue e irreverência, com suas versões forró de grandes hits internacionais. O baixista recentemente virou sensação da internet ao tocar no Rock in Rio 2019 junto com a banda Tenacious D, do ator e músico Jack Black.

Junior Groovador

A missão de iniciar os trabalhos nos festivais pode ser um tanto ingrata, já que o público ainda está chegando e tende a passear pelos ambientes. Foi assim na sexta e no sábado, onde quem abriu os palcos foram DJ Tyuri, Ouen e Zé Caxangá E Seu Conjunto, todos da cena potiguar. A Arena das Dunas, estádio onde foi realizado o evento, estava repleta de espaços a serem explorados. Ao entrar no local, foram montados alguns estandes de pequenas marcas e lojinha do próprio MADA, vendendo o trabalho dos artistas que passariam por lá.

Os festivais independentes brasileiros, além do intercâmbio de bandas, trazem consigo a responsabilidade de movimentar o comércio local. Outra forma de gerar entrosamento é entre o público e as marcas patrocinadoras, as chamadas “ativações culturais”, que fazem sucesso. O MADA 2.1 teve desde as tradicionais áreas de descanso, até muro de escalada e studio de tattoo. No quesito bebida, os preços estavam bem praticáveis (em comparação com os impraticáveis preços de festivais no Sudeste): cerveja Itaipava, refrigerante, suco, água e água de coco por R$ 5. A dose da vodka saia por R$ 10 e do Ballantines Finest, R$ 15.

Potyguara Bardo

Era 20h30 em ponto quando Potyguara Bardo subiu ao palco. Todo mundo que estava distraído com as ativações culturais se achegou. Foi um “ribuliço” só! A Drag Queen natalense, que é muito bem falada por Duda Beat, estreou ano passado no MADA, e foi tão solicitada que teve que fazer dobradinha esse ano. A artista apresentou músicas de seu disco “Simulacre”, lançado em 2018. No final do show rolou cover do hino “I Will Survive”, mandando recado para os homofóbicos: “Parem de nos matar”!

Teto Preto

Outra banda que também mandou um BASTA para os preconceituosos foi a paulistana Teto Preto, que têm sonoridade incomum e é mais performance que banda. Com estética ritualística, gritos e pegada eletrônica lado B, a vocalista Carneosso se apresentou seminua, algo recorrente em suas apresentações cênicas. Sempre transgressora, a banda luta contra a objetificação do corpo feminino e contra a violência sofrida pelas mulheres, principalmente as negras e trans. Saudaram Matheusa e Marielle.

Luiza Lian

Consagrada na melhor safra de novas cantoras da música brasileira, Luiza Lian trouxe seu muito elogiado “Azul Moderno” (o disco que ela mandou destruir para reconstruir) pela primeira vez a Natal, num show místico, dedicado a Oxum, com identidade visual lindíssima, cheio de efeitos celestes. Infelizmente o público esteve disperso na maior parte, somente alguns fãs interagiram com os hits “Pomba Gira do Luar” e “Tucum”. A voz de Luiza se perdeu um pouco com a falação da multidão. É um show lindo, mas requer silêncio. Funcionaria melhor em espaço fechado.

Assim que finalizou Luiza Lian, no palco ao lado, outra cantora surgia, deusa, também evocando orixás, com seu “Rito de Passá” (disco début), tambores de umbanda, percussionista mulher, dj mulher trans, que revezou as picapes e a guitarra, mistura de funk com mpb. O nome dela é Thais Dayane da Silva, MC Tha, e ela é o grande nome da música brasileira em 2019.

MC Tha

Sua apresentação foi um enaltecimento da mulher como um todo, um ser divino, espiritual. A artista falou da solidão que é ser mulher negra e periférica na canção “Oceano”, sobre correr atrás dos sonhos, evoluir, sobre sincretismo religioso, e sobre signos, na música “Despedida”. O delírio dos fãs ao ouvir os hits “Clima Quente” e “Coração Vagabundo” foi contagiante, fazendo todo mundo dançar até o chão. O ápice da performance foi a versão para a música “Jorge Da Capadócia”, de Jorge Ben Jor, cantada como mantra. MC Tha surpreendeu e fez o melhor show do MADA 2.1, sendo ovacionada pela multidão.

Luedji Luna

Na mesma pegada da Tha, porém sem o batidão do funk, outra deusa tocou no mesmo palco e horário, só que no sábado, trazendo seu disco “Um Corpo No Mundo” pela primeira vez a Natal. Outra mulher negra, que enaltece sua ancestralidade africana e sua religião, o candomblé. Muito esperada pelo público, Luedji Luna fez apresentação cativante e singela, sem perder o discurso político. Na música “Cabô”, mandou recado para a polícia, principal genocida da população negra.

Antes de cantar seu grande hit, “Banho de Folhas”, Luedji contou um pouco da história da letra, que todo mundo acha que é sobre procurar um amor, mas na verdade é sobre “rodar Salvador, numa quarta-feira, vestida toda de branco, atrás de um Pai de Santo pra jogar búzios pra mim pela primeira vez”, disse a cantora. “Eu tava cheia de questões existenciais, queria saber se eu ia ficar rica, se eu ia ficar famosa, se eu ia casar, estava tão ansiosa que até bati o carro”, contou, arrancando gargalhadas dos fãs. No final ela conseguiu o jogo, mas o Pai de Santo não sanou suas perguntas, apenas passou uma lista de ervas para um “banho de folhas”, nome da canção, que encerrou o show. Luna foi muito aplaudida e prometeu voltar em breve à capital potiguar.

Baco Exu do Blues

Um artista baiano que tem uma relação muito importante com a capital potiguar e com o festival MADA, é Baco Exu do Blues, headliner da noite de sexta junto com os também soteropolitanos Baiana System. O MADA foi o primeiro festival de música que Baco se apresentou, dois anos atrás, e abriu as portas para sua carreira, que hoje está gigante. O rapper fez um show enérgico, com todos os hits do disco “Bluesman” cantados em coro pela multidão.

Fechando a noite de sexta, o sempre necessário Baiana System, que também se apresentou no MADA dois anos atrás junto com Baco, dessa vez chegou com seu “sulamericano show”, decorrente do disco “O Futuro Não Demora”, lançado este ano. Enrolado com a bandeira do MST, Russo Passapusso, com seu discurso pertinente, chamou atenção para a especulação imobiliária, crescente em Natal, e da verticalização da cidade; “tire as construções da minha praia”, (trecho da música “Lucro”) se referiu aos altos prédios que estão sendo erguidos na orla da praia de ponta negra, cartão postal da cidade.

Bule

Na noite de sábado, trazendo pitadas lisérgicas para o festival, a banda Bule soube como misturar muito bem o eletrônico com sotaque pernambucano gostosinho. Set curto, mas que atraiu olhares curiosos. A carioca radicada em Natal, Bex, soou meio “warm up”, no meio de tantas atrações grandes, mas agradou com seus vocais jazzísticos modernos.

Plutão Já foi Planeta

Quando os queridinhos potiguares Plutão Já foi Planeta tocaram, o público já era bem expressivo. Show redondinho, cheio de hits e linda versão da música “Anunciação”, de Alceu Valença, com orgulho da música e do povo nordestino. No meio da gig, a banda convidou a cantora Samara Alves, participante do The Voice Brasil, pra cantar junto, fortalecendo a cena local.

Flora Matos

Diretamente de Brasília, Flora Matos acendeu a chama do girl pwr com seu hip hop dançante, trazendo faixas do seu ótimo disco cheio, “Eletrocardiograma”, de 2017. Os sucessos “Me ame em Miami”, “Como Faz” e “Pretin” incendiaram a pista. A artista deixou claro que o rap é lugar de mulher sim e não se sentiu intimidada em tocar no mesmo palco do headliner da noite, o expoente do trap no Brasil, o rapper Djonga, que lançou um dos melhores discos da década, “O Menino Que Queria ser Deus” (2018) e chegou no MADA com a turnê do mais recente disco, “Ladrão”, show mais aguardado da noite.

Djonga

No meio da música “Bené”, Djongador soltou o verbo sobre o jargão “ei Bolsonaro, vai tomar no cú”, recorrente em shows pelo país (usado como grito de guerra) e cobrou responsabilidade do público. “Ao invés de ficarem falando, da próxima vez votem direito, pra ele não ser eleito”, completou. Com set pesadíssimo, Djonga encerrou o MADA 2.1 num nível inflamadíssimo.

Natiruts

Antes do Djonga tocar, o Natiruts elevou a vibe do festival, com seu pot-pourri de sucessos trilhados nos 25 anos de carreira, mesclando faixas de seu último lançamento, o disco “I Love”, lançado ano passado. Com banda completinha, trio de metais, trio de backing vocals, afinação perfeita, não dava para competir. Na música “Deixa o Menino Jogar”, o vocalista Alexandre Carlo chamou atenção para a política indigenista brasileira, mostrando no telão projeções de tribos ameaçadas de extinção e enaltecendo a figura do cacique Raoni, expoente da luta pacífica pela preservação da Amazônia e demarcação das terras indígenas.A entrega do público que cantou tudo tornou o show do Natiruts memorável é um dos melhores das 21 edições do festival.

Segundo a organização, cerca de 20 mil pessoas estiveram na Arena das Dunas em Natal, nos dois dias do MADA. Esse número expressivo de pessoas vivenciando a experiência de um festival musical que se mantém firme e forte, mesmo com todas as adversidades, do cenário político desfavorável com a arte e a cultura, é uma vitória não só para o povo nordestino, marcado, feliz e resistente como também para o Brasil. Obrigada por tudo, nordeste!

Dri Cruxen é uma jornalista nômade digital, que desde 2011 viaja pelo país em busca de vivenciar um pouco da cultura brasileira. Acumula festivais de música na bagagem desde o SWU e ama comer em restaurantes veganos.

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