Texto por José Augusto Bastos
Fotos: I Hate Flash
Um megaevento como o Rock in Rio, apesar de ter artistas de desempenho plástico, sempre pode causar sensações novas com os seus arredores. Presenciar Mano Brown, líder do grupo Racionais MC’s, conhecido pelas músicas pesadas sobre a periferia paulista, violência policial e crime organizado como líder de um grupo que faz o público dançar definitivamente é uma delas. Mas como diria o próprio artista: “Falo de carro caro, moto cara, mulher bonita e outras fitas”. Em papo de groove com o “Boogie Naipe”, Brown mostra que também sabe dessa “fita”.
Disputando atenções com Alok, que tocava quase na mesma hora, não fez o público pular ao som de remixes pesados, ao invés disso, mostrava todo o seu lado showman, comandando a dança dos presentes. O entrosamento com Lino Krizz, dono da potência vocal da maioria das músicas era sentido de longe, assim como toda a banda Boogie Naipe – que é enorme, com pelo menos 10 pessoas entre DJs, backing vocals, duas guitarras (uma delas com Max de Castro), piano e instrumentos de sopro – todos sincronizados em um soul contagiante.
As músicas do álbum indicado ao Grammy Latino deixam bem claro a admiração de Brown pelo baile black, que se divertia com a playlist – mesmo sem sorrir muito – e coordenava os passinhos do público, orientando o Palco Sunset no melhor estilo charme. Aproveitou para chamar convidados, iniciando com Hyldon (com Brown na foto acima), um dos precursores do soul brasileiro, que mesmo com hits do quilate de “Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)” e “As Dores do Mundo”, não era muito conhecido do público jovem que abarrotava o local. Ainda assim, mostrando energia, Hyldon fez o público se surpreender positivamente com a música “Foi Num Baile Black”, que conta com a participação dele no álbum. Depois veio Carlos Dafé, outro nome mítico do samba soul brasileiro, reverenciado por Brown, cantando “Nova Jerusalém”.
Entre cigarros, graves desnorteantes e até algumas doses de uísque – que o rapper admitiu estar burlando recomendação médica – Mano Brown revelou que estava nervoso em anunciar o próximo convidado, um ícone do soul mundial. Ao chamar o lendário baixista Bootsy Collins, o show chegou em seu ápice visual e estético. O já senhor, que tocou na banda de James Brown no fim da década de 60, e depois integrou o Parliament-Funkadelic, não poderia estar mais colorido. De cartola e roupa combinando (mas sem contrabaixo), e com os óculos com desenho de estrela, Collins conseguiu arrancar sorrisos até do rapper com fama de durão.
A partir dali, o show passou a ser totalmente de Bootsy. Mesmo com a idade (67 anos de bons serviços prestados à música negra mundial), ele mostrava muita disposição para cantar três números (“Mothership Connection”, parceria sua com George Clinton e Bernie Worrell, e “Give Up the Funk (Tear the Roof off the Sucker)”, as duas presentes no quarto álbum da Parliament, de 1975, mais “I’d Rather Be With You”, do disco solo “Blaxploitation”, de 1986), que apenas uma pequena parte dos presentes sabia a letra, mas nada disso importava. A disposição de Brown, Collins, Krizz e da banda tornaram o Sunset em uma pista de dança black. Sem falar inglês, a comunicação era feita por Lino, mas isso pouco importava na hora.
Brown fazia questão de exaltar Bootsy, a sua liberdade de figurino, entre abraços e sorrisos. Até “alfinetou” Snoop Dogg quando disse: “Eu sei de onde vem a sua inspiração, cara.” O MC não escondia a emoção daquele momento e a sintonia com o público, fechando o show com “021, Máximo Respeito”, uma surpresa para quem viu apenas os shows recentes e as polêmicas com o público carioca, mas não para quem conhece a história de um rapper que deseja falar de outras coisas, outras fitas. E ele pode.
– José Augusto Bastos é estudante do 4º período de Jornalismo da UFRJ.