Vitor Ramil deslumbra ao adentrar universo de Angélica Freitas em show mínimo

Texto por Renan Guerra

Vitor Ramil e Angélica Freitas são conterrâneos. Ambos nasceram em Pelotas e eram praticamente vizinhos, mas não se conheciam. Vitor primeiro saiu de Pelotas partindo para outras querências, até que retornou a residir na cidade onde mora até hoje. Angélica fez o mesmo caminho de mudar-se para outras bandas, tanto que hoje reside em São Paulo.

Vitor só foi descobrir a conterrânea por que ambos eram da mesma editora, a extinta Cosac Naify, que lhe entregou uma cópia de “Rilke Shake” (2007). Aqueles poemas mexeram com Vitor de alguma forma. Tempos depois, Angélica retornou a residir em Pelotas e Vitor descobriu que ela estava a poucos quarteirões dele. A admiração se tornou uma amizade e depois uma parceria, que levou a gravação da faixa “Stradivarius”, poema de Angélica musicado por Vitor no excelente disco “Campos Neutrais” (2017).

Em seu retorno para os palcos de São Paulo, Vitor apresentou o espetáculo “Avenida Angélica”, em que musicou diferentes poemas da amiga, de seus dois livros, “Rilke Shake” e “um útero é do tamanho de um punho” (2013). Em duas noites no Sesc 24 de Maio, Vitor mostrou ao público um processo de trabalho extremamente bem amarrado em um show mínimo e, ainda assim, deslumbrante. “Avenida Angélica” já havia sido apresentado em Porto Alegre, porém algumas canções mais recentes e inéditas foram apresentadas pela primeira vez na capital paulista.

Esse processo entre poesia & canção e show & disco não é algo novo para Vitor. Em 2005, ele apresentou o show “Borges da Cunha Vargas Ramil”, trabalho que mostrava o processo de construção de milongas sobre os poemas de Jorge Luis Borges e João da Cunha Vargas, que iriam ganhar versão em disco apenas em 2010, no álbum “Délibáb”. Há, de todo modo, uma distinção muito clara nesse universo: os poemas de Borges e Vargas eram essencialmente regionais, gaúchos, de linguagem daquelas paragens. Angélica Freitas, apesar de pelotense, tem poesia de linguagem pop e universal, que conversa bem mais com São Paulo do que com os pampas.

Essa mudança de cenários levou Vitor para além de sua “estética do frio” e nos mostra agora o músico explorando outros gêneros e outras sonoridades, flertando até mesmo com possibilidades mais pop. Poemas como “Rilke Shake”, “R.C.”, “Família Vende Tudo”, “É o Poema da Mulher Suja” e “Mulher de Rollers” são musicados de forma certeira, que preservam as sonoridades e as imagens criadas por Angélica.

As canções do rádio, as marcas publicitárias, o banal do cotidiano e a mulher são temas cerne do universo da poeta e isso ganha outros contornos quando relido pela voz de Ramil. Isso tudo fica explícito na magnitude que há em um show completamente inédito e que, ainda assim, deixa a platéia atenta, em silêncio, em absoluto respeito por aquele universo que se abre.

Acompanhado apenas de dois violões – que eram repetidamente afinados por seu roadie –, Vitor surge no palco com roupas assimétricas, de cortes volumosos, como uma espécie de mago (ou maluco?) e senta-se sobre bancos de ônibus – o cenário é formado por três dessas poltronas antigas de ônibus municipal.

O mínimo do palco é acompanhado pela iluminação e as projeções certeiras de Isabel Ramil: luzes que se acendem aos poucos, cores às vezes dominantes, projeções experimentais ou mesmo produções singelas se comunicam com a poesia de Angélica sempre de forma não óbvia. Vitor, por sua vez, canta alguns trechos a capella, faz dos bancos de ônibus sua percussão e conta histórias com o seu humor leve, de contador de causos.

“Avenida Angélica” é, em tese, um processo em construção, em que o autor ainda parece em profundo mergulho sobre a obra da autora. De todo modo, é show redondinho, com o cuidado e a delicadeza que sempre marcaram o trabalho de Vitor. É revigorante ver dois artistas tão instigantes se comunicando através da arte e, por isso, agora fica a curiosidade de ver esse projeto se tornar disco e assim levar a “Avenida Angélica” para outros tantos cantos.

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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz

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