entrevista por Bruno Lisboa
Teago Oliveira é conhecido por ser a voz da Maglore, banda baiana que atualmente está rodando Brasil numa turnê que celebra os 10 anos de atividade e de bons serviços prestados à música brasileira. Porém, desde 2014 Teago tem projetado se lançar em formato solo (mantendo a banda em atividade, importante frisar). E agora, passados cinco anos, eis que temos, finalmente, o aguardado rebento.
Produzido por Leonardo Marques e o próprio músico no estúdio Ilha do Corvo, em Belo Horizonte, o álbum “Boa Sorte” (2019) traz Teago passeando por uma sonoridade próxima as matrizes da MPB e apostando em letras esperançosas que funcionam como contraste a dura realidade em que vivemos.
Na conversa abaixo, Teago fala sobre o processo de criação deste debute solo, a parceria com a Natura Musical e as leis de incentivo à cultura, o conteúdo otimista das letras, o fato de ver/ouvir sua voz ecoar no repertório de outros artistas, preconceito aos nordestinos, a atemporalidade das composições da Maglore, o trabalho junto à Leonardo Marques, a parceria com Hélio Flanders (Vanguart), planos futuros e muito mais.
Em entrevista aqui para o Scream & Yell na época do “Todas as Bandeiras” você já comentava sobre o processo de preparação do seu primeiro disco solo que, na época, seguiria uma ambiência próxima ao que o Tim Bernardes fez com “Recomeçar”. Você sinalizou que talvez seguisse outros caminhos. Afinal o resultado final de “Boa Sorte” difere da projeção daquela época?
Acho que eu nem me dei conta disso. Acabei fazendo o que tinha que fazer sem desviar de nada que eu queria. Muitas coisas hoje possuem conexões de alguma forma, pela quantidade de referências que tão no ar. Bicho, a coisa mais inusitada foi que antes da primeira ida pra BH pra gravar o disco, uma das músicas que eu achava que ia ser single era “Superstição”, eu tinha combinado com o Leonardo Marques que esse seria um disco cheio de congas, então eu iria lançar o primeiro single com uma foto das congas. O estúdio dele é bem vintage e bonito, estava tudo certo pra quando eu voltasse pro estúdio, em abril, fazer essa foto aqui:
Curiosamente o Tame Impala lançou um single de “Patience” com uma foto quase igual a essa (e fizeram antes de eu retornar a BH). Obviamente eu fui chorar as pitangas pro Leo.
Eu decidi fazer a foto depois mesmo assim. Mas no final do disco, “Superstição” acabou não saindo de single. Eu acho que vários músicos e diretores de filme devem passar por essa sensação bizarra de ter uma ideia e dias depois verem alguém executar (risos). No caso do Tim, acho que temos coisas em comum (fato de ser cancioneiro pop), mas também muitas diferenças, e como tinha falado isso pra você há muito tempo, acabei não me apegando. Fiz do jeito que queria mesmo. Até mixei o disco com o Gui Jesus, que é o camarada do Terno, que sempre fez o som e mixou alguns dos discos. No final fiquei bem feliz com a onda toda.
O disco foi viabilizado via parceria com o Natura Musical. Como se deu a aproximação do selo? Em tempos onde o discurso contrário às leis de incentivo tem crescido como é de ter o seu nome vinculado a uma marca?
O disco saiu via Natura Musical por meio de seleção via edital. No meu caso, fui selecionado pela curadoria da Natura pra artistas da Bahia. Ah, cara, eu acho uma imundice que as ideologias fundamentalistas de direita tenham chegado na cabeça das pessoas com tanta força assim. Elas reproduzem um monte de babaquice, se contradizem. Olavo de Carvalho estava outro dia dizendo que quem dá dinheiro é a empresa, por meio de isenção fiscal, então não é o dinheiro do povo que está indo pra artista. Eu ri muito, porque se tratava de um filme sobre Bolsonaro, então nesse caso, ele acabou defendendo. A seletividade dos argumentos das pessoas é realmente muito constrangedora. Eu não tenho nenhum problema em ter meu nome vinculado a uma marca. Aliás, tenho o maior orgulho do disco ter saído pela Natura e pela Deck. O Natura Musical revela artistas anualmente no Brasil inteiro, fomenta cultura, isso gera aquecimento na economia, renda, emprego, além de muitos outros benefícios. No meu edital mais de 40 pessoas trabalharam indiretamente. Ou mais. Ainda não fiz o balanço. Mas através dessa oportunidade, produzi um disco, vou realizar dois shows, e produzi dois videoclipes. Essa coisa de criticar leis de incentivo é mais uma das maluquices desses tempos e de pessoas ignorantes que não sabem como as coisas funcionam. As pessoas querem matar uma mosca com uma bala de canhão. Tive toda liberdade e suporte pra fazer o disco do jeito que eu queria. Agradeço profundamente pela oportunidade.
Neste trabalho, de certa forma, você opta por uma aproximação sonora das matrizes da MPB. Como foi a experiência de seguir este caminho e de que maneira este repertório se distancia das produções do Maglore?
Esse disco é onde estou mais solitário com as canções. A Maglore tem um processo muito coletivo e as músicas tem uma vida e um corpo que não resultam apenas de mim, mas sim de um criador coletivo. É uma vontade coletiva de se comunicar. Meu disco foi muito bem aproveitado no sentido oposto. Eu tomei o controle de algumas decisões, de arranjos, de estética, e junto com Léo fui criando esse universo mais próprio. Não que seja ruim criar com a banda, eu adoro que seja tudo coletivo porque eu amo ter banda, mas eu tinha a necessidade artística de fazer algo direcionado mais pra mim. E acabou rolando. Isso também me jogou mais pras minhas raízes, e acho que isso faz todo sentido sendo um disco de estreia. A Maglore tem um núcleo “rock” (duas guitarras, baixo e bateria) e no meu disco eu não tinha uma banda. Chamei alguns músicos incríveis pra executar alguns instrumentos que eu não tinha habilidade, mas que tinha criado os arranjos. Felipe Continentino tocou bateria em algumas faixas, Helton Lima também (apenas em “Corações em Fúria”) e Thiago Melo e Rodrigo Garcia executavam o que eu cantava de violino e violoncelo, na boca, mesmo. Foi como se eu fosse montando um quebra cabeça enquanto me dividia com Léo pra gravar as percussões. Acabei gravando os baixos, violões, guitarras do disco também. Isso me deixou mais perto de uma MPB naturalmente, porque eu não me via com a guitarra dentro de uma banda e sabia que não queria repetir aquilo num disco solo, principalmente porque construí uma linguagem de guitarra pra Maglore, junto com Lelo Brandão, que me é muito satisfatória e me diverte bastante, ali é o meu momento pra me aproximar das minhas referências mais rock.
Se em “Todas as Bandeiras” você apostava numa visão de mundo temerária quanto a realidade, em “Boa Sorte” é possível perceber um ponto de vista mais otimista quanto aos nossos tempos. Mesmo ante a tantos retrocessos é possível manter viva a esperança?
Eu sempre fui pessimista. Uso isso como estratégia pra não gerar expectativas e muitas vezes isso me cai bem, me mantem no chão. Nesse disco eu resolvi ter um discurso contrário. O “Todas as Bandeiras” é um disco doído pra caramba, eu estava doído, os caras da banda também, de certa forma. Então a gente transformou isso em disco e apesar dele ser esperançoso ele também é bem caótico e fatalista. No meu disco eu escolhi olhar pro outro lado. Porque quanto mais apertada a coisa fica, mais a gente precisa de válvula de escape pra enfrentar as coisas. Não é fugir da realidade. Não é isso que o disco propõe. É manter o sonho vivo. É por isso que o disco se chama “Boa Sorte”, também. Além de toda luta real, é o que precisamos no momento. Agir, mas também sonhar, porque agir somente nesse mundo do jeito que está, cansa. É preciso acreditar nas coisas, nas pessoas, no amor. Eu nunca na minha vida achei que eu usaria essas palavras: “Acreditar no amor”, mas é o que está acontecendo. A gente vive num momento tão grotesco que se a gente desacreditar a gente azeda pra sempre. Aí é uma chance a mais pra você virar tudo aquilo que você temia.
Você tem se firmado cada vez mais como compositor, tendo a sua voz ecoada (e recriada) por artistas variados como Pitty, Erasmo Carlos e Gal Costa. Como tem sido esta experiência? Consideraria um dia agir como produtor/compositor de outro artista?
Um dos meus grandes objetivos é produzir artistas também. Quero e sinto necessidade artística de fazer isso. Eu enxergo o produtor como um professor, e dizem que é dando aula que se aprende também. Pois bem, tô aí pra jogo, pra produzir coisas e pra aprender. Esse meu disco me trouxe mais essa possibilidade de estar ao lado de Leo sozinho no estúdio, e Leo é um cara que apesar da personalidade musical muito forte, te deixa livre, então eu também produzi esse disco, de certa forma. E foi um aprendizado gigantesco. Ter minhas músicas na mão de Erasmo e de Gal e Pitty pra mim soa como uma grande conquista que jamais imaginei. Jamais imaginei Pitty lotando a Audio e “Motor” ter um coro de 3 mil pessoas. Nessas horas a música não tem dono, você só se orgulha de fazer e jogar no mundo. Ao mesmo tempo, é incrível ver como Priscila é dona da porra toda quando tá no palco. Uma energia absurda. Sempre fico chocado quando vejo ao vivo. Gal Costa é minha inspiração no canto, na interpretação, é uma das minhas artistas favoritas da vida, eu ouvi tanto Gal que acho que furei discos literalmente (na vitrola é mais comum). Eu chorei real quando Helinho, que tinha ido ao show dela, me mandou um vídeo (pois eu não sabia) de Gal cantando “Motor”. Eu estava prestes a entrar no palco do Festival BR135, em São Luís. Lembro de cada segundo daquela noite. Erasmo é minha inspiração no universo da canção. Hoje eu sou cancioneiro porque Erasmo existiu e influenciou um monte de artistas no Brasil. Pra mim, foi uma responsabilidade incrível ver um cara como ele colocar minha música como single do um disco que ele fez parcerias com Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhoto, Emicida, Nando Reis, Marcelo Camelo. Nando Reis, bicho. Nando Reis é um mago das canções inesquecíveis. Quem é que não sente aquela nostalgia com “Resposta”, do Skank? Pra mim foi incrível.
Após as eleições presidenciais do ano passado o Brasil viu ressurgir, de forma execrável, o discurso de ódio direcionado ao Nordeste. Por outro lado, no disco temos faixas como “Longe da Bahia”, que é um poema de amor ao seu Estado e toda sua diversidade. Você já sofreu algum insulto devido as suas origens? Prestar uma homenagem a sua origem pode ser lido como um ato de recriminação a quem insiste neste discurso?
Eu acho que o discurso de ódio se dá em todas as coisas que não se encaixam em padrões aceitos. Nordestinos sempre foram “esquecidos” e “discriminados” pelas elites e por parte da sociedade por várias razões, pela pobreza e falta de desenvolvimento do lugar, pelo sotaque e o jeito simples de viver, que aos olhos de uns é fora dos padrões da “alta civilidade”. Acontece que de um tempo pra cá isso se intensificou tanto que hoje nosso processo é de muita luta pra tentar dialogar com pessoas e fazerem elas mudarem o pensamento agressivo, pois muitas vezes o pensamento agressivo vira discurso de ódio, e discurso de ódio é um emaranhado de fios soltos que, a qualquer curto, gera violência física e psicológica. Nosso tempo é urgente e acho que nesse meu disco eu fiz questão de trazer uma leveza sem desprezar as reflexões que esse tempo nos impõe, até como responsabilidade como indivíduo e por ter uma certa chegada no ouvido das pessoas. Já sofri MUITO preconceito por ser nordestino, principalmente pelo meu sotaque e por ter nascido no Nordeste, mas isso nunca me afetou dentro do contexto social que vivo porque sou um homem branco, só isso já te coloca numa posição de privilégio enorme e pra mim seria uma desonestidade intelectual muito grande usar os preconceitos que sofri pra tentar gerar “frissom”. Para cada paulista otário que me discriminou, 10 me deram a mão. Essa é a verdade. É por isso que eu acredito sim nas pessoas. São Paulo me deu uma chance de melhorar de vida e também de ser uma pessoa melhor. E eu agradeço isso, paradoxalmente morando na cidade que vivi preconceito. Acho que temos que exaltar o que há de melhor nas coisas, e é por isso que temos que batalhar tanto por esse diálogo, que até eu muitas vezes peco muito em perder a cabeça nessas discussões, mas o caminho, por enquanto, é lutar pra que esse pensamento tacanho não engula a maioria das pessoas. Eu sei que não vai. Pra cada passo de retrocesso, o futuro traz dois de avanço. Eu fiz “Longe da Bahia” porque sempre tenho a maior nostalgia e remorso de ter saído de lá há oito anos e não ver as transformações reais da cidade. Visito Salvador com muita frequência, mas não vivo mais a cidade, e isso me dá saudade, me deixa agoniado, e acabei fazendo essa música que é pra lembrar que eu sou de lá.
Estive dias atrás numa apresentação do Maglore em BH, desta tour com metais que celebra os 10 anos de estrada. Não sei se você vê desta maneira, mas parece que as canções da banda (de ontem e de hoje) soam um tanto quanto atuais para os nossos tempos de retrocesso. Olhando para trás, você acreditava que o repertório da banda seria, de certa forma, atemporal?
Nunca imaginei que as letras da Maglore fossem ser atemporais, porque sou apegado demais no mundo de hoje, nas coisas que vivemos. Nunca tive a pretensão de fazer algo assim, prefiro ir devagarinho. Sou muito fixo na ideia de se observar e enxergar os erros e tentar não repeti-los e isso também se dá na música, apesar deu fazer a música de forma mais natural possível, quando acho que estou me repetindo dou uma refletida e penso se estou sendo sincero comigo mesmo ou fazendo música apenas pra lançar algo. Esse é o meu norte pras coisas em que trabalho.
Leonardo Marques atua, novamente, como produtor do disco, parceria esta firmada desde o “III” do Maglore. Quais contribuições ele traz para a sua sonoridade e para o resulto final do disco?
Leonardo Marques é um grande amigo, foi ele que aplicou em mim um mundo de referências novas quando nos conhecemos em 2010. Leo tem um senso estético muito charmoso enquanto produtor e músico e eu adoro essa visão de música que ele tem. Ele é o responsável pelo disco ter essa coisa lo-fi bem definida (às vezes brinco com ele que ele pesa a mão nas coisas antigas, mas eu acabo adorando). Usamos microfones de fita antigos em quase todos os instrumentos e na voz, e fomos driblando as dificuldades e os ruídos, porque o som dos mics é lindo, fica tudo mais macio e do jeito que a gente curte. Ele foi o responsável por essa amarra estética do disco. Fiquei bem satisfeito com a sonoridade. Pra terminar, levei o disco pra Gui Jesus (SELO RISCO) mixar e masterizar, que acabou evidenciando e respeitando esses toques mais orgânicos do disco.
Acabo de ler o belíssimo release feito pelo Hélio Flanders para “Boa Sorte” e isto me fez lembrar de um sonho que tive no qual você e ele saíram em tour conjunta, com só vocês dois no palco, o tempo todo. O repertório girava em torno de covers (que vocês alternavam a cada noite), canções do Maglore e do Vanguart e dos trabalhos solos de cada um. Se um dia isso sair do papel quero uma nota de rodapé em algum lugar (risos). Como se deu a aproximação de vocês?
Hélio acabou virando um amigo de verdade, não só um colega da música. A gente se vê com frequência e troca muita ideia sobre música e sobre a vida um do outro, dá conselhos, quebra uns galhos um do outro. Seria surreal sair em turnê conjunta com ele. Adoraria fazer isso na Europa também, já que ele tem ido bastante. Já tocamos juntos com a Maglore e Vanguart e seria legal demais fazer isso também em formato solo. Tá aí uma ótima coisa a se pensar. Eu amo Helinho. É um cara fantástico que me ajudou muito nos momentos mais difíceis da banda. Segurou a peteca, tocou junto, e hoje quando quer aparece nos shows pra dar uma canja, tocar teclado, gaita, violão, e abrilhantar nossas apresentações com aquela voz linda que ele tem.
Quais são os planos futuros? Você pretende conciliar a carreira solo e as apresentações da Maglore?
Pretendo conciliar sim, já que o volume de shows inicialmente não é tanto quanto o da Maglore. Não sei ainda se vou fazer uma turnê extensa desse projeto solo. Tô naquelas de dar um passo de cada vez, mas minha vontade real era lançar um disco, trabalhar essas músicas novas e explorar essa sonoridade nova pra mim. Acredito que não afete em nada a agenda da banda, que ano que vem já começa a produzir músicas novas.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Azevedo Lobo / Divulgação
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