Ao vivo: Karina Buhr distribui ensandecimentos e afagos em novo show

Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota

Karina Buhr é artista combativa, em que as palavras marcam uma carreira sólida e independente, de alguém que assume com gana as escolhas que faz. Isso é mais uma vez reverberado no lançamento do disco “Desmanche”, seu quarto disco, apresentado ao vivo pela primeira vez no dia 03 de agosto, no Teatro do Sesc Pinheiros, em São Paulo. Acompanhada por Regis Damasceno na guitarra, Maurício Badé na percussão e Charles Tixier no mpc e teclado, o que se viu nessa noite foi um show em que a força e o amor eram jogados na plateia em mesma intensidade, mostrando mais uma vez que precisamos e muito de Karina no hoje, no agora.

“Desmanche”, o disco, é fortemente calcado na percussão (em seu disco de estreia, “Eu Menti Pra Você”, de 2010, ela já cantava “Mas eu não sei negociar / Eu só sei tocar meu tamborzinho e olhe lá”), com batuques que assumem uma força praticamente punk, para que Karina verse sobre a violência, o medo e os assombros do nosso tempo. Mesmo assim, se por um lado ela cutuca feridas, por outro ela também nos ajuda com as ataduras e os curativos, em canções de delicada beleza. Os primeiros singles lançados do disco não deixavam ver, mas há muito amor, muita ternura dentro de “Desmanche”.

Karina sabe a força do que tem em mãos e, por isso, seu show não faz concessões, não é reunião de hits, nem nada disso. No palco do Sesc Pinheiros ela tocou em sua maioria canções do novo disco, mostrando a intensidade que elas possuem, em espetáculo bastante direto. No palco, os músicos eram iluminados por Anna Turra e cercados pelos desenhos de Mag Magrela, em obras que parecem em constante construção e desconstrução, com seus traços em dissolução.

Esse caráter de construção em exposição também é ressaltado pelo figurino de Karina Buhr, construído por Gustavo Silvestre. O estilista é responsável pelo projeto Ponto Firme, no qual presos aprendem crochê e criam peças de alta costura. Esses nomes reunidos e conectados ao trabalho de Karina Buhr também são simbólicos, visto que há uma preocupação realmente artesanal de construir cada detalhe e cada ponta de um show que é, mesmo em seus momentos de agressividade, algo íntimo e delicado, de uma artista em exposição perante o público, na busca de construir algo novo.

As faixas mais fortes, como “Temperos Destruidores”, “A Casa Caiu” e “Sangue Frio” são os momentos que deixam o público sem ar, com a entrega da cantora a apontar “dedos uns p’ros outros / Outros p’ros / Uns p’ros deuses dos outros”. Em contrapartida, temos os afagos, como na lindíssima “Amora”, quando ela mesma brinca com a simplicidade do jogo de palavras “amor-amora”. Ou em “Chão de Estrelas”, com seus versos “Fome que não passa com comida / Sede que não passa com bebida / Quando o vento bate é mais forte”. A bela “Filmes de Terror”, inclusive, ganha a força da participação de Max B.O. a improvisar no palco, em parceria inusitada e interessante.

Quando a cantora retorna para algumas canções antigas, ainda assim elas aparecem relidas para o novo formato de show, se conectando de forma interessante ao universo criado aqui em “Desmanche”. De todo modo, dentre esses resgates, o grande destaque fica por conta da inclusão de “Negro Amor” no setlist: a faixa é uma versão de “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Bob Dylan, feita por Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti, que havia sido gravada por Karina na coletânea “Mulheres de Péricles” (Joia Moderna), em 2013. É simbólico o entoar de versos como “Seus marinheiros mariados abandonam o mar / Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar” quase ao final do show.

No final das contas, se há medo e desalento perante tudo, o “Desmanche” de Karina Buhr é um sopro de força, de intensidade, de ensandecimento qualquer para que se desconstrua algo e se transmute em outro. Parecem palavras complexas, quase doidas, mas é assim que se sai de um espetáculo desses: com a sensação de que as coisas ainda podem fazer sentido, desde que seja através da arte, de uma intersecção entre o descontentamento e o deslumbramento.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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