Balanço: Cultura Inglesa Festival 2019

Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota

Surgido em 1996, o Festival Cultura Inglesa já se tornou data importante do calendário de shows de São Paulo, trazendo apresentações gratuitas de artistas britânicos, incluindo aí uma lista boa, com Gang of Four em 2011, The Horrors em 2012, Jesus and the Mary Chain em 2014, Johnny Marr em 2015, Kate Nash e Kaiser Chiefs em 2016, Charli XCX em 2017, entre outros. Esse ano as atrações eram a brasileira Duda Beat e a estrela pop Lily Allen, retornando ao Brasil depois de 10 anos de seu último show. A 23ª do festival aconteceu neste domingo (09/06), no Memorial da América Latina, reunindo cerca de 20 mil pessoas.

O domingo de sol começava a se despedir e dar espaço a uma fria noite quando Duda Beat pisou no palco. Em retrospecto, há um ano, também no mês de junho, Duda fazia seu primeiro show em São Paulo, no Mini Meca, realizado no Meca Spot, para um público pequeno, de no máximo cem pessoas, que lotaram a calçada do espaço. De lá pra cá, ela fez alguns dos principais festivais brasileiros e se tornou nome comum na boca do público, por isso não deixa de ser mais uma vez apoteótico ver o desenvolvimento da artista no palco e como as suas canções cresceram e ganharam quase vida própria.

“Derretendo”, “Todo Carinho” e “Back To Bad” fizeram o público dançar e se entregar ao universo quase kitsch de Duda. Ela ainda apresentou seus singles mais recentes, como a excelente e pegajosa “Meu Jeito de Amar”, bem como “Só Eu e Você na Pista”, com direito a participação de Illy (na foto acima), e a mediana “Chega”, apresentada ao lado de Mateus Carrilho e Jaloo. O hit alternativo “Chapadinha na Praia”, uma versão não autorizada de “High By The Beach”, de Lana del Rey, levantou o público, assim como a contagiante “Bixinho”.

Como desafio tradicional do festival, Duda ainda arriscou covers em inglês, todos com releituras dentro do universo brega da cantora: “Thank You”, de Dido, “Careless Whisper”, de George Michael e “Say You’ll Be There”, das Spice Girls, ganharam contornos de forró em versões divertidas, porém a surpresa ficou por conta de uma chamegada versão de “Every Breath You Take”, do The Police, com direito a sopros e uma sensualidade cativante. Como já havíamos dito no Lollapalooza Brasil deste ano, “Duda Beat já é uma artista pronta para o sucesso” e segue provando isso.

O Cultura Inglesa desse ano estava sendo oficialmente transmitido pelo canal Multishow, porém Lily Allen não autorizou a transmissão de seu show, que se iniciou pouco após as 7 da noite. Com luzes extremamente fortes, Lily subiu ao palco com um vestido quase de gala bem solto e tênis esportivos – seu look clássico – e fez um show basicamente baseado em seu mais recente disco, “No Shame”, do qual ela cantou 12 músicas (de 14). O disco é bastante baseado nas relações íntimas e familiares de Allen, especialmente seu divórcio e sua relação com suas duas filhas, ambas questões citadas diretamente pela cantora no palco.

Há muita melancolia nas canções de “No Shame”, assim como baladas bastante pungentes, por isso faixas como “Apples” e “Family Man” foram belos momentos, mesmo assim, não é de se negar que a quantidade de efeitos colocados na voz de Allen em algumas canções soava incômodo. Acompanhada de apenas dois músicos, que se revezavam entre aparatos eletrônicos, um baixo e um teclado, o show funcionava quase como uma performance eletrônica, o que era sintetizado pelas luzes também incômodas do palco – em alguns momentos, era preferível assistir o show do telão para evitar o desconforto nas retinas.

Apesar de seu novo repertório bem quisto pelos fãs, o público em geral se animou para valer mesmo com canções clássicas, como “LDN” e “Smile”, do disco “Alright, Still” (2006), e “The Fear” e “Not Fair”, de “It’s Not Me, It’s You” (2009). Allen, em sábia escolha, ignorou no show o repertório do desastroso disco “Sheezus” (2014). O balanço geral é um bom show, que tira a marca dos shows bagunçados e alcoolizados que Lily já havia apresentado por aqui – seu show no Festival Planeta Terra, em 2007, é até hoje lembrado pelo nível alcóolico da cantora, que mal lembrava as letras de suas canções.

No bis do show, Lily resolveu cantar a excelente faixa “Fuck You”, porém antes fez uma introdução em que dizia: “Quando eu escrevi essa música foi pensando em George W. Bush, porque eu achava que não dava para ficar pior que aquilo. Passaram-se 10 anos e hoje eu a canto para o Trump. Mas hoje, no mês do orgulho LGBT, no país de vocês, eu vou dedicar para outra pessoa. Talvez eu nunca mais vou poder fazer um show no Brasil, talvez eu seja presa, mas tenho que dizer: fuck you, Bolsonaro!” (assista no vídeo mais abaixo).

Depois disso, claro, o público cantou em coro junto com ela, em um momento catártico que nos faz pensar que é uma pena que a cantora não deixou isso ser transmitido pela televisão. Com organização exemplar e tranquilidade em seu desenrolar, o Cultura Inglesa Festival segue sendo um espaço para se celebrar em São Paulo: que os eventos culturais gratuitos sigam existindo aos montes! Além dos shows, o Cultura Inglesa Festival ainda segue com outras atividades pela cidade de São Paulo, como a exposição “I, Game: Interpretar, Investigar, Imaginar”, em cartaz no CCSP até dia 16 de junho e a exposição tripla “Artes Visuais: Notas de um Sonho, Tiger, Tiger e Tudo é dissimulado”, no Centro Brasileiro Britânico também até o dia 16 de junho.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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