Três discos: Onda Vaga (ARG), Crema del Cielo (ARG) e Letelefono (EQU)

Resenhas por Leonardo Vinhas e Marcus Losanoff

“Nuestras Canciones”, Onda Vaga (Leader Music)
por Leonardo Vinhas
Depois de dar dois passos à frente com seu último disco, “OV IV”, o Onda Vaga anda alguns tantos para trás com “Nuestras Canciones”, seu quinto disco. Abandonando os flertes com o som elétrico e o dub, bem como as possibilidades experimentais do álbum de 2017, o quinteto argentino assumidamente volta “aos seus tempos de tocar em volta da fogueira” e entrega um disco de regravações majoritariamente acústicas. Não seria em si um problema se a banda investigasse as canções mais profundamente, mas a maioria das versões fica no território do cover. Nos melhores momentos, consegue ser simpático, e nos piores fica entre o “gostosinho” e uma espécie de “latinidade universitária” de dar tristeza. Mercadologicamente, tudo bem: tá aí a história do Nouvelle Vague para provar que tem gente que ama uma releitura desossada de hits conhecidos – aquilo que o cartunista Ricardo Coimbra chama de “trilha sonora para a punheta desanimada”. Mas o Onda Vaga pode fazer (muito) mais do que isso, como prova sua própria discografia e seu histórico nos palcos. No cômputo final, se salvam “Sunny Afternoon” (mas até aí, só uma mão muito pesada para estragar uma canção de Ray Davies), “Noche de Acción” (Mano Negra) e “Augusta, Angélica e Consolação” (de Tom Zé, apresentada pela primeira vez em um show no finado Studio SP, em 2011). Já as recriações de Tanguito, Babasónicos e Jorge Ben (“Minha Menina”, com participação de Francisco el Hombre) são tão pobres que dá vontade de jogar a esmolinha no chapéu. E ninguém precisava de “Xuxa Park” (o fato de ela ter sido escolhida para abrir o disco diz muito). Parece que a banda escolheu o caminho mais simples para ter um novo produto a mostrar. E, realmente, “Nuestras Canciones” (título equivocadíssimo) soa mais como decisão de marketing do que resultado de uma verdade artística.

Nota: 4

Leia também:
– Tirando uma ou outra faixa chatinha, o álbum “Magma Elemental” é um primor
– “OV IV” expande as possibilidades da receita de canção violeira do Onda Vaga
– Entrevista (2016): “É difícil para a produção musical argentina chegar ao público brasileiro

“Nock Racional”, Crema del Cielo (Independente)
por Leonardo Vinhas
Os argentinos do Crema del Cielo, de La Plata, costumavam definir sua música como “britpop de periferia”, e entregavam canções de acordo: um espírito pop redondinho, oscilando entre o flerte com a arena e a delicadeza, com arranjos tão caprichados quanto o orçamento permitisse. Em seu quarto álbum, porém, voltaram-se para a herança mais reluzente entre o rico acervo do rock oitentista (e um tanto do setentista) de seu país. Filtrada pela ótica peculiar da banda, a influência, ainda que óbvia, adquire novas características, justificando o trocadilho “Nock Racional” para batizar o álbum. Assim, é possível escutar claros ecos de Charly García, Seru Girán, Los Twist e Fito Paez, por exemplo, mas sem ofuscar o senso pop e o humor mordaz de Gabriel Rulli e seus companheiros. Sobre este último: mesmo sendo kirchnerista convicto – e portanto oposto à gestão macrista – Rulli é sincero a ponto de compor uma (ótima) canção como “Queso y Nueces”, sobre o paradoxo de abominar um governo no qual a situação dele como indivíduo é bastante boa. Assim como no excelente “Apostasia” (2013), a primeira metade do álbum é mais forte que a segunda, e se não supera o antecessor no saldo final, “Nock Racional” mantém o Crema del Cielo como uma das bandas mais capazes de levar o rock além dos cômodos limites da banalidade no cenário argentino.

Nota: 7,5

Leia também:
– Crema del Cielo: “É difícil entrar no circuito seja você de Buenos Aires ou não
– Crema del Cielo regrava “Lanterna dos Afogados” para tributo ibero-americano aos Paralamas. Ouça.

“¡El Amor Existe!”, de Letelefono (PAT Records)
por Marcus Losanoff
O cenário musical independente do Equador tem crescido de forma consistente nos últimos anos, e Quito, a capital, por óbvio produz grande parte dessa nova leva de grupos – assim como Guayaquil, a cidade mais populosa, e Cuenca. Letelefono, um dos atuais expoentes, é de Cuenca, se autointitula “la banda menos bailable del Ecuador” (a banda menos dançante do Equador) e originalmente se chamaria Telephone, até descobrirem que houve o (clássico) grupo francês Téléphone nos anos 70. Nascido em 2011 (e renascido em 2015), o quinteto cuencano lançou em fevereiro de 2019 seu terceiro álbum, “¡El Amor Existe!”, onde letra e música pretendem plasmar uma atmosfera onírica, melancólica, sentimental e tal. A ver. O disco abre com “No Todos Los Peces Van al Cielo” alternando passagens intimistas e grandiosas, com explosões de guitarras estridentes e os quase sussurros do vocalista Leo Espinoza versando sobre a intangibilidade do amor. Na sequência, “Capote a Sangre Fría” (a mais dançante da “banda menos dançante”) cospe guitarras e microfonias acompanhadas de balanço pop e do manjado pianinho de uma nota só que referenciam – e reverenciam – The Stooges. Além de Iggy Pop, Letelefono faz chamadas a cobrar para outros artistas do passado, com citações musicais de Charly García, Bowie e St. Vincent, além dos temas de abertura da série de TV Twin Peaks e do jogo de video game Final Fantasy VII. São destaques ainda as espectrais ‘baladindies’ “Cara de Titán”, “Demasiado Tarde” e “El Día de Los Enamorados” (uma das melhores do disco), onde Espinoza lamenta a tamanha dificuldade que é “ter tanto amor para dar em um mundo assim”. Pois é, não tá fácil pra ninguém. Já em “Mi Último Año” e “Horas Laborales” a banda cuencana injeta doses da estética loud-quiet-loud e noise safra 90. “La Favorita” é chapada e “maluquinha”, com vocais em espanhol e japonês, e pode agradar tanto fãs menos puristas do Weezer antigo quanto os mais psicodélicos do Flaming Lips recente. E de certo modo é como se “¡El Amor Existe!” fosse uma resposta (ou ponte) equatoriana involuntária aos irmãos Nicolás e Sebastian Kramer, mentores de projetos como Jaime Sin Tierra e El Robot Bajo el Agua, cultuados no underground argentino – e altamente recomendados. Letelefono aposta em um indie pop agridoce e onírico, saudoso de tempos que não existiram, e materializado em melodias e arranjos bem combinados e resolvidos.

Nota: 9

Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) e colabora com o Scream & Yell desde 2003!
Marcus Losanoff é jornalista, DJ, pesquisador musical e podcaster. Eventualmente, comanda o programa Camb¡o, dedicado ao rock ibero-americano, na Rádio Graviola.

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