Entrevista: José Teles fala sobre o livro “Da Lama ao Caos”

entrevista por Gil Luiz Mendes

O futuro da música pop brasileira era uma grande incógnita na entrada da última década do século XX. Todos os dials das FM, de Norte a Sul do país, era dividido apenas por quatro gêneros: lambada, sertanejo, pagode e a recém-criada Axé Music. Eis que em Recife, na época considerada a quarta pior cidade do mundo para se viver, segundo relatório da ONU, surge uma geração ambiciosa, que foi muito além das suas fronteiras e revolucionou a forma de como jovens passariam a consumir cultura dali por diante.

José Teles, que está prestes a completar 40 anos como repórter e crítico musical do Jornal do Commercio, viu tudo isso acontecer diante dos seus olhos. Além de ter registrado o surgimento do Manguebeat em suas matérias, coube ele fazer o Raio X do álbum “Da Lama ao Caos” (1994), disco de estreia de Chico Science e Nação Zumbi, que completou 25 do seu lançamento em 2019 – o jornalista já havia se debruçado sobre a música pernambucana no recomendadíssimo “Do Frevo ao Manguebeat”, lançado pela Editora 34 em 2000.

No livro “Da Lama ao Caos: que som é esse que vem de Pernambuco?” (Edições Sesc, 2019), Teles conta como foi o início da Nação Zumbi, que se deu da fusão da banda Loustal com o grupo percussivo Lamento Negro. O autor faz uma análise da gravação do disco no Rio de Janeiro e toda a dificuldade que Liminha teve para gravar uma banda que não tinha bateria. A obra ainda relata que nem a crítica, nem o mercado fonográfico estavam preparados para absorver tanta informação que vinha com os caranguejos, que tiverem maior aceitação do seu primeiro álbum no exterior do que no Brasil.

Este livro faz parte de uma nova coleção da Edições Sesc, intitulada Discos da Música Brasileira, com uma série de livros digitais sobre discos seminais da música brasileira, organizada pelo jornalista Lauro Lisboa Garcia. Todos os títulos da coleção poderão ser adquiridos nas principais livrarias virtuais, em aplicativos como Apple Store e Google Play e também pelo portal www.sescsp.org.br/livraria. “Da Lama ao Caos: que som é esse que vem de Pernambuco?” já está disponível em lojas virtuais, e futuramente ganhará edição física. Abaixo, José Teles conversa com Gil Luiz Mendes com exclusividade sobre o livro.

Você foi testemunha de todo o processo de nascimento do movimento manguebeat nos primeiros anos da década de 90. Escrever esse livro te fez rememorar coisas que você já havia esquecido? Quais foram elas.
Na verdade, nem esqueci, eu aprendi mais sobre aquela fase da música pernambucana, conversando com pessoas com a quais não tinha falado antes. Gente do Lamento Negro, integrantes da primeira banda de Chico, etc.

25 anos após o lançamento de “Da Lama ao Caos”, quais são os principais legados desse álbum para a cidade do Recife e para a música brasileira?
Não apenas o disco, mas aquela movimentação deflagrou uma espécie de energia criativa que nunca mais parou de funcionar, e não apenas na música, mas também no cinema, artes plásticas e literatura.

No livro fala-se muito de como o disco não foi bem recebido ou entendido pela crítica e pelo mercado fonográfico brasileiro. Ao que se deve a importância e peso histórico que ele acabou tendo com o passar dos anos?
Era uma música nova, uma banda sem bateria, com alfaias, que quase ninguém conhecia. Os críticos estranharam, obviamente, porque a música de “Da Lama ao Caos” fugia aos modelos estabelecidos, era um Nordeste inesperado, fora dos estereótipos.

Em tempos de música via streaming e a falta do disco como objeto físico, seria possível o surgimento de um novo movimento aos moldes do manguebeat?
Acho que sim, claro que de maneira diferente, que nem imagino qual seja. Será até mais fácil a música ser difundida.

Depois do movimento mangue, Recife se tornou uma espécie de meca da música pop nacional. Na sua opinião, a cidade continua com essa relevância? Por quê?
A cidade sempre foi culturalmente forte. Até o início dos anos 70, era autosuficiente. Tinha emissoras de TV com programas locais de grande audiência, uma gravadora grande, uma rede de emissoras de rádio que ia da Capital às principais cidades do interior. Então o que acontecia em Pernambuco ficava em Pernambuco. Esta coisa acabou, e voltou a funcionar depois do manguebeat, que chegou mostrando a riqueza cultural do estado mesclando isso com informações importadas, que funcionaram muito bem.

As músicas do álbum foram regravadas por diversos artistas de estilos bem diferentes. De Elba Ramalho (“Risoflora”) a Sepultura (“Da Lama ao Caos”) e Charlie Brown Jr. (“Samba Makossa”). Isso é um exemplo da grandeza e complexidade do disco?
De certa forma, sim. Mas o repertório do disco foi pouco regravado. Ele foi mais influente do que regravado.

No livro você afirma que não existe o estilo musical mangue e que os críticos internacionais enquadravam o som da CSNZ como World Music. Em que prateleira daria para colocar a música feita no Recife desde “Da Lama ao Caos”?
A rigor, mangue só Chico Science & Nação Zumbi. Houve bandas que seguiam o estilo do CSNZ, mas não tiveram vida longa. A Mundo Livre fazia um estilo bem diferente da CSNZ, outros grupos não tinham nada a ver com o manguebeat, esteticamente falando, eram muito mais contemporâneos, feito a Eddie, A Devotos do Ódio (hoje só Devotos), Querosene Jacaré, a Mestre Ambrósio, Comadre Florzinha.

O mangue surgiu com as bandas, mas você acredita que o movimento promovido pela música também ajudou a dar holofotes a outras atividades culturais do Recife, como o cinema e a literatura, que atualmente estão tão em alta em todo país?
Como falei antes, sim. O manguebeat funcionou na prática como uma cooperativa. Kleber Mendonça Filho, hoje um cineasta conhecido internacionalmente, fez os primeiros clipes de Chico Science, DJ Dolores, Fred Jordão, este um fotógrafo, trabalharam na capa do disco, até a gente da imprensa, que éramos amigos dos caras, colaboramos na divulgação.

Que tipo de música estaria fazendo Chico Science em 2019?
Boa pergunta. Chico vivia se atualizando com o que acontecia na música, aqui e lá fora. Quando morreu estava planejando um grupo com Max Cavalera, tenho uns faxes que os dois trocaram, mas infelizmente quase ilegíveis. Certamente não estaria fazendo o som de 25 anos atrás.

– Gil Luiz Mendes (https://www.facebook.com/gil.luizmendes), jornalista, viveu boa parte da vida no Recife e hoje mistura a sua loucura com a de São Paulo. Tem passagens pelas rádios Jornal do Commercio, CBN, Central3 e tem textos publicados no IG e na Carta Capital. É skatista e músico quando dá tempo. A foto que abre o texto é de Ricardo Labastier / Divulgação. 

One thought on “Entrevista: José Teles fala sobre o livro “Da Lama ao Caos”

  1. Chico Science nunca criou o Mangue Beat. Por que ele só foi convidado para ser divulgador e não criador…
    O Seu Livro está todo errado Escritor José Teles procure saber mais dessa história.
    Para que não fique por baixo e ser humilhado pela mídia nacional Brasileira.
    Me procure para saber das coisas certas que ocorreu de verdade na História do Mangue Beat…

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