Boteco: 11 cervejas nacionais

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série de cervejas nacionais com a Cervejaria Japas, cigana de São Paulo que produziu essa Brut IPA na fábrica da Cervejaria Dádiva, em Varzea Paulista. A Japas Shiso Brut IPA é fermentada com levedura de champagne e recebe adição de shiso, folha japonesa rica em cálcio, ferro e potássio cujo aroma lembra hortelã e erva-doce. Já na taça, a Shiso Brut IPA apresenta uma coloração amarela dourada muito bonita, com creme branco de ótima formação e média retenção. No nariz, notas herbais em ebulição remetem tanto a grama verde cortada quanto a erva-doce e, principalmente, manjericão. Há, ainda, leve frutado cítrico, limão e maçã. Na boca, doçura rápida no primeiro toque, depois limão, manjericão, erva-doce e secura. O amargor é baixo (28 IBUs), a textura é picante com leve cremosidade e, dai pra frente, surge um conjunto provocante, não tão Brut, mas ainda Brut, com a erva presente, mais secura, herbal e cítrico. No final, secura e um leve herbalzinho. No retrogosto, adstringência suave, manjericão, maçã e limão.

De Várzea Paulista para Campo Bom, no Rio Grande do Sul, com a segunda Barbarella a passar por aqui, fruit beer que recebe adição de suco de framboesa (a anterior era suco de morango) e semente de coentro na receita. De coloração avermelhada com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Barbarella Framboesa apresenta um aroma artificial da fruta que remete tanto a Ki-Suco quanto gelatina e outros doces infantis tradicionais. Na boca, doçura de açúcar seguido de sensação de paladar artificial de framboesa, doçura intensa e nada de amargor ou condimentação (a semente de coentro parece que ficou de fora da receita), e sim mais doçura (artificial). A textura é leve e, dai pra frente, segue-se um conjunto doce, artificial, com um tiquinho de groselha e frutas vermelhas. No final, doçura. No retrogosto, mais doçura e também frutas vermelhas e framboesa, artificiais.

Mantendo-se no Sul, mas saindo de Campo Bom para Blumenau, em Santa Catarina, para encontrar a vencedora do concurso Mestre Cervejeiro Eisenbahn 2018, a Berliner Weisse Happy’n Peace, receita desenvolvida por Anne Galdino. De coloração amarela levemente dourada com creme branco de boa formação e média retenção, a Happy’n Peace apresenta um aroma com notas frutadas sutis puxando para pêssego e combinando com a doçura do trigo e uma percepção bastante tímida de acidez (o grande Graal do estilo). Na boca, doçura rápida no primeiro toque seguida de azedume bem leve e acidez moderada, que trazem consigo um leve frutado derivado, provavelmente, da lupulagem. Aqui o amargor não brilha, é a acidez quem dá as cartas, ainda que nesta receita sejam cartas bem suaves. A textura traz leve efervescência, tradicional do estilo, e, daqui pra frente, o conjunto soa muito mais como se fosse uma Witbier alemã (com pêssego no lugar do limão) do que uma Berliner, devido a falta de radicalização (as Berliners tradicionais são tão ariscas que muitos alemães a bebem com alguma essência que a amacia). No final, secura e pêssego. No retrogosto, leve adstringência, acidez baixa, azedinho e pêssego. Ainda que fora do estilo, curti.

De Santa Catarina para o bairro do Limão, em São Paulo, com a quarta cerveja da Tarantino a passar por aqui (depois da Giramundo New England IPA, da German Pils e da Miracle IPA), a Urban Saison, lançada no final de 2018. É uma cerveja de coloração dourada cristalina com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, frutas (damasco em destaque), doçura caramelada, sugestão de frutas cristalizadas e suave condimentação que remete a cravo. Na boca, doçura condimentada no primeiro toque seguida de uma combinação de frutas cristalizadas, damasco, cravo e mel. O amargor é baixinho (25 IBUs), a textura é picante (méritos da levedura), mas vai se tornando cremosa – sem perder a picância. Dai pra frente, uma Belgian Saison com condimentação provocante, bastante doçura e muitas frutas (damasco e cristalizadas). No final, secura e doçura. No retrogosto, mel, frutas cristalizadas, damasco e cravo.

Da capital paulista com uma cigana local, a Cervejaria Jupiter, que produziu a receita desta Black IPA em Sorocaba, na fábrica RPM Indústria e Comércio de Bebidas, para os assinantes do clube Beer com malte torrado, trigo, centeio e três tipos de lúpulo (mais duplo dry-hopping). Com o nome de Gato Preto, essa Black IPA apresenta uma coloração marrom bastante escura, praticamente preta, com creme bege de média formação e retenção. No nariz, notas cítricas leves, mas facilmente perceptíveis, numa paleta que ainda abriga malte torrado (trazendo sensação de café) e sutil herbal. Na boca, torra suave no primeiro toque seguida tanto de leve cítrico quanto herbal, numa alternância agradável. O amargor é caprichado, 62 IBUs interessantes. Já a textura é suave, com leve picância. Dai pra frente, uma Black IPA que cumpre as características do estilo com capricho e sabor. No final, amarguinho cítrico e torrado. No retrogosto, mais cítrico, leve herbal, torra e café.

Voltando para o Sul, da capital Porto Alegre mais uma Seasons, essa exclusiva para o clube de bebidas Beer, uma British Golden Ale que leva o nome de The Cow is on The Table. De coloração amarela mais para o dourado do que para o palha (ainda que exiba as duas nuances de cor) e creme branco de boa formação e longa retenção, a Seasons The Cow is on The Table apresenta um aroma de Farmhouse Ale, com levedura em destaque, sutil presença de frutas cristalizadas, percepção de acidez e frutado puxado para abacaxi além de leve remissão a couro. Na boca, levedura presente no primeiro toque trazendo consigo acidez. Na sequencia, sutil percepção de couro, fazenda e celeiro. O amargor é baixo, a textura efervescente e picante. Dai pra frente, o que era para ser uma Golden Ale por algum motivo virou uma Farmhouse Ale porreta, arisca, campestre, azedinha, dando coice pra tudo quanto é lado. No final, picância e secura. No retrogosto, leve adstringência, couro, celeiro, abacaxi e frutas cristalizadas. Uou.

Do Sul para o Sudeste mineiro, mais precisamente para o polo cervejeiro de Nova Lima, casa da Verace, que marca presença com a Oroboro, uma Belgian Dark Strong Ale cuja receita recebe adição de açúcar mascavo (adaptação nacional para o candy sugar belga). De coloração marrom turva com creme bege de baixa formação e retenção, a Verace Oroboro apresenta um aroma que sugere doçura (caramelo, mel e açúcar mascavo), condimentação e frutas cristalizadas além de leve percepção funky e azeda – duas características ausentes deste estilo, mas presente em diversos outros estilos belgas. Na boca, o caramelo chega marcante no primeiro toque, e na sequencia, a sutileza de azedume percebida no aroma ganha força e profundidade no paladar, não chegando a torna-la Sour, mas tornando-a mais próxima de uma Duchesse de Bourgogne (algo que não deveria) do que de uma Trappistes Rochefort. Não há sensação de amargor, a textura é acética e picante, e, dai pra frente, o Sour predomina, de uma maneira ruim, prejudicando totalmente a degustação e a análise.

De Minas Gerais para o bairro de Perdizes, em São Paulo, casa da Cervejaria Trilha, com a segunda versão da Coffee Time, uma Coffee Stout que recebe adição de café. Na primeira versão, que já passou por aqui, o café usado era da Um Coffee, que possui fazenda na região da Mantiqueira, em Minas Gerais. Agora o café é o Arapongas, também de Minas Gerais, e o resultado é uma cerveja de coloração marrom escura translucida e creme bege de boa formação e média retenção. No nariz, café, mas não é pouco café, e sim muuuito café, com percepção de leve doçura, aroma delicioso e mesma sensação de café gelado para o verão (apesar dos 10% de álcool!) da versão anterior com Bourbon Amarelo. Na boca, café no primeiro toque seguido de doçura. O amargor é médio e impressiona como os 10% de álcool praticamente desaparecem no paladar, mas estão ali, muito bem escondidos. A textura é suave e, dai pra frente, o conjunto segue oferecendo café pra quem quiser. No final… café. No retrogosto, café bem leve. Delicinha.

De São Paulo para Fortaleza com a terceira da 5 Elementos a passar por aqui: depois de duas colabs, uma com a Trilha e outra com a Cuesta, agora surge a estrela da casa, Abyssal, uma premiada Russian Imperial Stout com malte de cevada, malte de centeio, aveia, melaço e cacau. De coloração marrom escura praticamente preta com creme bege de baixa formação, praticamente uma linha de espuma, e retenção, a 5 Elementos Abyssal apresenta um aroma com percepção de malte torrado, cacau, café distante e melaço além dos 12% de álcool (principalmente quando a cerveja aquece na taça). Na boca, doçura achocolatada no primeiro toque seguida de cacau e, dai em diante, intensidade de torra e muito amargor (a casa adianta 100 IBUs, e não dá para duvidar). A textura é sedosa, quase licorosa, e dai pra frente segue-se uma RIS… abissal! Uma porrada portentosa de deixar o caboclo virado. No final, amargor e chocolate amargo. No retrogosto, mais chocolate amargo, leve alcaçuz e álcool surpreendentemente distante. Uou!

De Fortaleza para Valinhos, no interior de São Paulo, casa da cervejaria Mafiosa, que produziu a Leave The Gun, Take the Cannoli na fábrica da Dádiva, em Varzea Paulista. O titulo desta Pastry Stout (um estilo derivado da Stout que se aproxima da confeitaria) homenageia uma das passagens icônicas de “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, tendo como grande objeto de inspiração… o cannoli, sobremesa siciliana que consiste numa massa doce frita em formato de tubo recheada com um creme. Nesta receita da Mafiosa, diversos tipos de maltes compõe o sabor de biscoito (do canudo) e também trazer um toque de frutas passas e chocolate. Os adjuntos (casca de laranja, cacau, baunilha e pistache) entram para compor o restante dos sabores característicos da sobremesa. De coloração marrom escura quase preta e creme bege de baixa formação e retenção, a Mafiosa Leave The Gun, Take the Cannoli apresenta um aroma espetacular, com um leve mentolado, café, baunilha e pistache bem evidentes – e nada dos 11% de álcool. Na boca, pistache e mentolado no primeiro toque com leve presença de café na sequencia. Incrivelmente, não há quase nada de amargor muito menos percepção de álcool. A textura é suave e vai se tornando sedosa (aqui o álcool finalmente aparece sobre a língua). Dai pra frente, uma cerveja incrível, com mentolado, baunilha, café e casca de laranja bem presentes. No final, mentolado e pistache. No retrogosto, mais mentolado, pistache, café leve, baunilha e alegria. Uou!

Fechando o time em Salvador, com a quarta da Bold Brewing a passar por aqui. Produzida na fábrica da Cervejaria Dádiva, no interior de São Paulo, a Mexican Noda foi a primeira variação da Russian Imperial Stout Noda (o Coffee Mapple Noda, outra variação, já havia passado por aqui) lançada no mercado, e trata-se de uma receita com adição de especiarias que lembram o molho mole mexicano (cacau, canela e, claro, pimenta). De coloração marrom escura e creme bege escuro de boa formação e média retenção, a Bold Mexican Noda apresenta um aroma temos torra e cacau (trazendo consigo sugestões de chocolate e de café) em destaque num primeiro momento com a canela surgindo logo depois, sem muita presença, mas perceptível. Ainda é possível notar pimenta e doçura. Na boca, doçura achocolatada no primeiro toque seguida de torra, canela bem suave e, no finalzinho, pimenta, que vai acumulando, acumulando e ampliando a picância. Não há sensação de amargor muito menos dos 12% de álcool. A textura, por sua vez, é intensamente picante sobre a língua (mais de pimenta do que de álcool, aparentemente). Dai pra frente segue-se uma RIS absolutamente brilhante, picante e adocicada. No retrogosto, calor de pimenta e de álcool, picância e chocolate. Incrivel!

Balanço
Abrindo a série com a Japas Shiso Brut IPA, uma Brut deliciosa e provocante, com o shiso, erva famosa na culinária japonesa, acrescentando um interessante diferencial herbal. Gostei. Já a Barbarella Framboesa, Fruit Beer da Cervejaria Imigração, soa ainda mais artificial do que a versão Morango. Passo. A Eisenbahn Happy’n Peace, vencedora do concurso Mestre Cervejeiro Berliner Weisse, não me pareceu uma Berliner, mas, ainda assim, achei-a bastante saborosa. A Tarantino Urban Saison é uma Belgian Saison simplinha, mas honesta. A Júpiter Gato Preto é uma deliciosa Black IPA com cítrico, torra e herbal muito bem combinados. Já a Seasons The Cow is on the Table exibe a revolta da levedura, que contaminou uma receita de Golden Ale e a transformou numa bela Saison. Curti. A nota lá embaixo, porém, é mais pelo erro, afinal comprar uma cerveja esperando algo e receber outra coisa não é legal, mas curti a “troca”. Já a Trilha Coffee Time (Arapongas) soa ainda melhor que a versão com café Bourbon Amarelo! Uma Coffee Stout incrível! Ainda mais incrível é a 5 Elementos Abyssal, uma RIS deliciosa e sem concessões.

Japas Shiso Brut IPA
– Produto: Brut IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 3.63/5

Barbarella Framboesa
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 2.10/5

Eisenbahn Happy’n Peace
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.5%
– Nota: 3.21/5

Tarantino Urban Saison
– Produto: Belgian Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3.15/5

Júpiter Gato Preto
– Produto: Black IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 3.33/5

Seasons The Cow is on the Table
– Produto: British Golden Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3/5

Verace Oroboro
– Produto: Belgian Dark Strong Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.1%
– Nota: __/5

Trilha Coffee Time (Arapongas)
– Produto: Coffee Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,99/5

5 Elementos Abyssal
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 4,03/5

Mafiosa Leave The Gun, Take the Cannoli
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4,16/5

Bold Mexican Noda
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 4,11/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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