Entrevista: Ride

entrevista por Cristiano Castilho

Mark Gardener, vocalista e guitarrista da banda Ride, já em São Paulo no escritório da gravadora ForMusic, atrasou em 10 minutos a entrevista que deu por telefone ao Scream & Yell. “Chuva absurda. Chove em todo lugar em que vamos. Parece que carregamos a Inglaterra com a gente o tempo todo”, disse o britânico, bem-humorado e animado com a primeira e histórica apresentação na América Latina da banda definidora do shoegaze.

Formada em Oxford em 1988 por Mark, Andy Bell, Laurence Colbert e Steve Queralt, o grupo realmente carregou boa parte da música da Inglaterra consigo durante quase 10 anos, até 1996, depois de lançar a obra-prima “Nowhere” em 1990. Peso, fúria, complacência, melancolia, virtuose e camadas arrebatadoras de guitarra influenciaram tanto o britpop quanto o grunge e atingiram um equilíbrio inédito nas mãos e cabeças do quarteto, que voltou à ativa em 2014 e lançou “Wheater Diaries”, último disco de estúdio, em 2017.

“Estou realmente emocionado em pisar no Brasil pela primeira vez. Tentamos marcar shows antes, mas a conversa não andou. Quero conhecer vocês de perto”, diz Mark, citando Elis Regina (“adorável”) como parte de seu conhecimento musical do país.

No já citado “Nowhere”, e nos subsequentes “Going Blank Again” (1992), “Carnival of Light” (1994) e “Tarantula” (1996), a estética, ainda muito autoral e original, se sobressaiu à questões políticas. Os temas, retalhados num diálogo incessante de barulho e remanso, se atentavam a relacionamentos, à fugacidade da vida e à passagem do tempo. Em “Wheater Diaries”, produzido por Erol Alkan, a banda sinalizou mudanças, tanto na sonoridade, agora mais “fresca” e eletrônica, quanto na temática, que trata inclusive do Brexit – a saída do Reino Unido na União Europeia. Para compor as músicas, inspiração na obra do artista visual Jean-Michel Basquiat e no som de bandas como The Fall e Sonic Youth.

“Há muitos problemas na Inglaterra e o Brexit é simplesmente um retrocesso ridículo. Já li coisas sobre o momento do Brasil, mas quero entender mais e melhor, sentir ao vivo. Uma coisa que podemos fazer juntos é se mexer para sair deste lugar em que estão nos metendo. É preciso mudar de dentro para fora, e a música ainda tem esse poder”, diz Mark, de 49 anos.

No último dia 23 de abril, o Ride lançou o single “Future Love”, que trabalha as dinâmicas do shoegaze com pitadas de psicodelia e harmonias diversas. Ainda há um clima “nebuloso”, mas é, em suma, uma música otimista. A faixa fará parte do álbum “This is Not a Safe Place”, previsto para 16 de agosto. A capa do single expõe novamente o mar, o mesmo mar presente na icônica capa de “Nowhere”.

“Não creio que seja uma volta ao passado. Mas alguns ecos do que um dia já fomos. Apesar de sua plenitude, o mar nos lembra que somos volúveis, estamos em constante transformação. Estamos ouvindo novas músicas, temos novas influências, principalmente da música eletrônica, e estabelecemos novas maneiras de cantar. O tempo faz isso conosco”, conta o músico. Sobre o título do álbum (“este não é um lugar seguro”), Mark diz que ele surgiu a partir da reflexão sobre um aviso em um muro. Sob ele, pessoas dormiam na rua. “Mas é verdade que o mundo está mais perigoso e desafiador”.

O Ride tem uma legião de fãs no Brasil, embora nunca tenha sido uma banda pop ou mainstream. Para o vocalista, o segredo é a honestidade artística e o bom senso. “Este é sempre o desafio para se manter criativo”, diz. “Não fazemos rock tradicional, entendo isso. Ao mesmo tempo ouvimos outras coisas que não são exatamente cabeçudas ou atmosféricas demais. Nenhum rótulo define uma banda. O tempo, sim. E o fato de não usar a música para satisfazer seu próprio ego”.

Como era de se esperar, o setlist da apresentação no Brasil será especial. Muitas músicas do álbum “Nowhere” e de “Going Blank Again” estão previstas, além do single mais recente, faixas do último disco e talvez surpresas ainda inéditas. O tempo está a favor do Ride hoje, como sempre esteve.

– Cristiano Castilo (@criscastilho) é jornalista do Portal Bem Paraná e colaborador do Chicken or Pasta e da Folha de São Paulo.

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