Boteco: 11 países, 11 cervejas

por Marcelo Costa

Começando um novo passeio por países com uma cervejaria escocesa que fazia tempo não dava as caras por aqui, a escocesa Brewdog, que retorna com a Jack Hammer, uma American IPA lançada originalmente em 2014 e cuja receita combina malte Extra Pale com os lúpulos Centennial e Columbus mais dry hopping de Citra, Amarillo e Simcoe atingindo teóricos 200 IBUs (sic). De coloração amarela meio dourada com creme branco de boa formação e longa retenção, a Brewdog Jack Hammer apresenta um aroma que combina com intensidade notas cítricas (maracujá, mais suave) e herbais (pinho intenso) além de percepção resinosa e doçura na base, distante. Na boca, herbal no primeiro toque e na sequencia e por todos lados acompanhado de resina e de amargor… potente, mas bem longe dos 200 IBUs exagerados pela casa (mas a metade, 100, é bem justa). A textura é cremosa e picante e, dai pra frente, segue-se uma American IPA escocesa porrada, com amargor marcante (mesmo), resina, herbal e um pouquinho de cítrico. No final, amargor e resina. No retrogosto, amargor, resina e herbal. Porrada!

Da Europa para a América Central com a terceira da panamenha Casa Bruja a passar por aqui – a cervejaria fundada em 2013 na Cidade do Panamá já havia marcado presença com a Gose Limón Kaffir e com a Talingo Milk Stout. Desta vez quem enche a taça é a Tres Tristes Tigres, uma Witbier tradicional cuja receita recebe adição de casca de laranja e semente de trigo. De coloração amarela (mais para Blue Moon do que para Hoegaarden) com creme branco de média formação e retenção, a Casa Bruja Tres Tristes Tigres apresenta um aroma bastante suave que destaca cítrico (derivado da casca da laranja), doçura de trigo e condimentação suave. Na boca, doçura rápida de trigo seguida de frutado cítrico intenso, que domina o conjunto, e leve condimentação. O amargor é baixinho, não passa dos 20 IBUs, e a textura, leve. Dai pra frente segue-se um conjunto um tanto apagadinho, ainda que traga todas as principais características do estilo. No final, secura e casca de laranja. No retrogosto, leve doçura, laranja e refrescancia.

Do Panamá retornamos para as Ilhas Britânicas com a londrina Fourpure Brewing Co., que marca presença com sua Indy Lager, uma cerveja estilo Dortmunder que apresenta uma coloração dourada cristalina com creme branco de ótima formação e longa retenção. No nariz, notas bem suaves sugerem tanto herbal (grama cortada) quanto floral e doçura de cereais. Há, ainda, percepção leve de casca de pão. Na boca, doçura rápida no primeiro toque seguida de cereais, herbal e floral, tudo bem sutil. O amargor é mais baixo que os 25 IBus que a casa adiante, e a textura é levemente picante e metálica. Dai pra frente surge uma conjunto bem abaixo do padrão do estilo alemão Dortmunder, com todas as características do estilo apresentadas de maneira superficial e distante. No final, secura e amargozinho fraco. No retrogosto, refrescancia.

Da Inglaterra para Bad Köstritz, pequena cidade alemã de 4 mil moradores a cerca de duas horas e meia de Berlim que abriga a cervejaria Köstritzer, responsável pela cerveja escura mais popular do país, a Köstritzer Schwarzbier. Além dela, a Köstritzer produz uma Meisterwerke Pale Ale, uma Kellerbier e essa Red Lager, uma cerveja de coloração âmbar acastanhada com creme bege de ótima formação e média alta retenção. No nariz, malte tostado em destaque sugerindo caramelo, tosta e leve chocolate. Na boca, caramelo tostado no primeiro toque com leve chocolate na sequencia e amargor bem baixo logo depois. A textura é leve e, dai pra frente, surge uma Red Lager que paga tributo ao estilo com respeito, mas pouco acrescenta juntando muito malte tostado com sugestões distantes de chocolate. E só. No final, maltadinho tostado. No retrogosto, amargor distante e malte tostado.

Da Alemanha para Porto Alegre, com mais uma da premiada Tupiniquim a passar por aqui, desta vez a Daily APA, uma American Pale Ale com lúpulos norte-americanos (a casa não divulgou quais). De coloração dourada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Tupiniquim Daily APA apresenta um aroma que combina notas herbais (pinho) com notas cítricas (destaque para laranja), com leve predomínio da primeira. Há, ainda, leve doçura maltada na base. Na boca, doçura maltada no primeiro toque seguida de uma pancadinha suave herbal, com sugestão de pinho, seguida de um amargor bem suave, 38 IBUs caprichadinhos. A textura é levemente picante e, dai pra frente, surge uma boa APA, levemente amarga, mas maltada, herbal e também um pouco cítrica, com final seco e suavemente amargo. No retrogosto, pinho e laranja (com predomínio do primeiro) e refrescancia. Boa!

De Porto Alegre para a sul-coreana The Booth Brewing Co., cervejaria fundada em 2015 em Seoul, mas que aqui, no entanto, surge com uma receita produzida na (mais ativa) fabrica californiana da marca, em Eureka (além das duas localidades, a The Booth ainda produz receitas na belga De Proefbrouwerij e na Brew Hub, na Flórida). A EurekaSeoul é uma New England IPA Single Hop que já teve edições com Citra, Mosaic, Loral, Lemondrop e Huel Melon, e aqui surge com o lúpulo Idaho7. Trata-se de uma NE de coloração amarela turva, tal qual um suco, e creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, uma pancada de frutas tropicais (tangerina, melão) além de damasco e leve (bem leve mesmo) resina e herbal (pinho). Na boca, o frutado se sobrepõe ao herbal no primeiro toque, mas ambos dividem igualitariamente a sequencia, com cada um alternando brilho segundo a segundo. O amargor é suave (36 IBUs, mas parece até menos), a textura, levemente picante. Dai pra frente, uma baita NE, frutada e herbal e picante e refrescante, que finaliza com picância e sugestão de casca de laranja. No retrogosto, laranja, tangerina, mamão, pinho e muita refrescancia.

Da Coreia do Sul para Copenhague, na Dinamarca, casa da To Øl, cigana que produz grande parte de suas receitas (esta inclusa) na fábrica da De Proefbrouwerij, em Lochristi, na Bélgica. A To Øl Session Raid é uma Session India Pale Lager cuja receita blenda maltes Cara Pils, Melanoidin, Munich e Pilsner com os lúpulos Amarillo, Mosaic e Tettnanger. De coloração dourada, cristalina, com creme branco de boa formação e retenção, a To Øl Session Raid apresenta um aroma que combina notas herbais e florais com bastante leveza, leve doçura e refrescancia. Na boca, doçura rápida e floral e herbal na sequencia, bastante leves, mas a ponto de dar um sutil colorido para essa Session Lager que não apresenta quase nada de amargor (a casa fala em 45 IBUs, mas não parece ultrapassar 20). A textura é leve e, dai pra frente, segue-se um conjunto bastante simplista, mas colorido delicadamente com lúpulo, o que o torna mais interessante do que as Standarts Pale Lagers regulares. No final, leveza e refrescancia. No retrogosto, leveza, refrescancia e um sutil floral.

Da Dinamarca para Toledo, na Espanha, casa da Domus Craft Beer, cervejaria aberta em 2007 que surge por aqui com a Regia Pale Ale, uma English Pale Ale que apresenta coloração âmbar acastanhada com creme bege claro de boa formação e retenção. No nariz, o aroma traz notas derivadas da malteação (doçura de caramelo em destaque, mas também pão e biscoito) além de leve frescor de lúpulo herbal e um discreto floral. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque seguida de sugestão de biscoito e pão doce. O amargor é delicado, 28 IBUs que parecem 8, enquanto a textura, suave, mantém o padrão de elegância do estilo. Dai pra frente, a Regia mantém-se como uma boa releitura do estilo britânico, com a doçura maltada cativando. No final, doçura maltada novamente. No retrogosto, o herbal se intromete com leveza, mas quem ainda dá as cartas é o malte, com doçura e sugestão de pão doce.

Da Espanha para Parma, na Itália, com mais uma da cervejaria Del Ducato, uma das favoritas da casa. Em 2013, no aniversário de 200 anos de Giuseppe Verdi, os italianos da Del Ducato decidiram recriar a Russian Imperial Stout com pimenta chilli que homenageia o compositor blendando a versão original com outra que recebeu cacau, baunilha de Madagascar e foi maturada por 12 meses em velhos barris que antes maturaram uísque escocês da Ilha de Islay. O resultado é uma cerveja de coloração marrom bastante escura com creme bege de boa formação e retenção que apresenta um aroma intenso, com notas de turfa e de fumaça violentas, sensação de azedume e também de acidez atropelando tudo e não deixando o mínimo espaço para uísque, baunilha ou cacau, os três completamente apagados. Na boca, o azedume já bate ponto no primeiro toque, e a RIS esperada se transformou em uma Sour arisca e tensa, provavelmente por contaminação. O azedume domina tudo no paladar apagando qualquer traço do estilo da versão original. A textura é picante e acética e, dai pra frente, só a pimenta aparece para dar um oi. No final, picância condimentada e azedume. No retrogosto, azedume e pimenta.

Da Itália para a Sérvia, com a quinta da Kabinet Brewery a passar aqui, e desta vez com uma provocação interessante, afinal a Loco About Coco é uma Black (!) New England IPA cuja receita combina os lúpulos Centennial e Mosaic com coco queimado. De coloração marrom translucida com creme bege clarinho de boa formação e longa retenção, a Kabinet Loco About Coco apresenta um aroma incrível e delicioso que combina coco queimado com chocolate amargo sobre um base de malte tostado. Há, ainda, algo que remete a tutti-frutti no conjunto. No paladar, doçura de tutti-frutti no primeiro toque seguida de forte presença de malte tostado e de coco queimado além de suave frutado cítrico. O amargor é baixo, a textura é suave e, dai pra frente, segue-se o perfil de uma Coconut Black IPA deliciosa, uma surpresa bastante agradável da Kabinet, que finaliza com suave cítrico e amargor de tosta. No retrogosto, coco, café e cacau.

Fechando essa seleção de países por Olmue, uma pequena cidade de 14 mil habitantes na região de Valparaiso, no Chile, que abriga a cervejaria Granizo, nascida em 2011. Aqui ela chega representada por sua Russian Imperial Stout, uma cerveja de coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege escuro de boa formação e média retenção. No nariz, café e chocolate amargo num primeiro momento, mas assim que a cerveja se acalma na taça, surge apenas malte torrado, que é interessante. Na boca, amargor de torra leve no primeiro toque seguido de sugestões de café, chocolate e mais torra. O amargor, no entanto, não é tão intenso (50 IBUs bem honestos) e duradouro. Já a textura é suave, caminhando para o sedoso. Dai pra frente, o conjunto exibe o perfil de uma Stout bem caprichada, potente, mas que não chega a ser uma “Russian Imperial” porrada como o estilo ficou conhecido, ainda que cumpre bem o seu papel com os 8% de álcool muito bem inseridos. No final, amargor leve e torra. No retrogosto, mais torra, amargor leve, café e chocolate meio amargo. Boa.

Balanço
Abrindo pela Escócia com a danada Brewdog e sua exagerada Jack Hammer, uma American IPA de 100 IBUs fáceis para amargar a vida de todos. Bem boa! Terceira da Casa Bruja, do Panamá, a passar por aqui, a Tres Tristes Tigres decepciona um tiquinho com uma receita bem básica de Witbier. Esperava mais. E também esperava mais da Fourpure Indy Lager, que se revelou uma grande decepção. Quarta da alemã Köstritzer a passar por aqui, a Red Lager é mais simplesinha da linha, e sem graça. Indicada apenas para quem gosta do estilo. A Tupiniquim Daily APA entrega um belo custo beneficio enquanto a The Booth EurekaSeoul Idaho 7 capricha numa receita deliciosa de NE IPA. A The Booth EurekaSeoul Idaho 7 é uma NE deliciosa, bem fresca, que repete com garbo o que outros já fazem a mais tempo. Já a To Øl Session Raid é um Session India Pale Lager graciosa. A espanhola Domus Regia English Pale Ale desceu suave e elegante. Gostei (da doçura e da remissão a pão doce). Já a italiana Del Ducato Verdi Imperial Stout 200 era bastante esperada, porém o conjunto parece ter sofrido contaminação, tornando-se azedo, acético e impossível de beber. Pena. Já a Kabinet Loco About Coco é um baita surpresa da Sérvia, uma deliciosa Black New England IPA! Uou! Fechando com uma boa Stout chilena, da Granizo, que entrega torra, chocolate meio amargo, café e 8% de álcool.

Brewdog Jack Hammer
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Escócia
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3.56/5

Casa Bruja Tres Tristes Tigres
– Produto: Witbier
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 4.6%
– Nota: 2.88/5

Fourpure Indy Lager
– Produto: Dortmunder
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 2.74/5

Köstritzer Red Lager
– Produto: Red Lager
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2.90/5

Tupiniquim Daily APA
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.22/5

The Booth EurekaSeoul Idaho 7
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.66/5

To Øl Session Raid
– Produto: Session India Pale Lager
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3.08/5

Regia Pale Ale
– Produto: English Pale Ale
– Nacionalidade: Espanha
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.01/5

Del Ducato Verdi Imperial Stout 200
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: ___/5

Kabinet Loco About Coco
– Produto: Black New England IPA
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 3.58/5

Granizo Imperial Stout
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Chile
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.37/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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