(In Memorian) Keith Flint – Três discos fundamentais do Prodigy

por Bruno Leonel

O Prodigy é um caso raro na música popular. Criado em Braintree, Essex, a partir do encontro de artistas que frequentavam raves e festas em galpões do Reino Unido na virada dos anos 80/90, o Prodigy surgiu com uma proposta de som pesada e alternativa, cujo sucesso parecia improvável. Mas a história sempre surpreende, e após lançarem alguns ótimos singles, álbuns com produções de alto nível e aliarem o visual alternativo com uma grande sensibilidade para as pistas, se tornaram um verdadeiro fenômeno ao ajudar a popularizar o techno e a música eletrônica em todo o mundo durante os anos 90.

No total, o grupo lançou sete álbuns de estúdio, sendo que seis deles bateram no topo da parada britânica – apenas o disco de estreia, “Experience”, não alcançou o primeiro lugar no Reino Unido, parando numa honrosa 12ª colocação em 1992, ainda que antecipasse todo o poderio do grupo (nos EUA, apenas o icônico “The Fat of The Land”, um dos discos mais importantes dos anos 90, alcançou o primeiro lugar do ranking da Billboard). Além dos discos oficiais, a banda lançou um disco ao vivo (“World’s on Fire”, de 2011), uma compilação (“Their Law: The Singles 1990–2005”, de 2005), cerca de 30 singles e, ainda, remixes para nomes como Oasis, Jay Z, Front 242, Iggy Pop e Foo Fighters, entre outros.

Em tempos de futuro incerto da banda, após a morte inesperada do carismático vocalista Keith Flint em março de 2019 (por suicídio), apenas dois meses antes de seguirem com a turnê (agora cancelada) do sétimo álbum de estúdio – o bom “No Tourists” de 2018 – aproveitamos para prestar respeito ao grupo e ao artista. Iremos relembrar aqui, alguns dos discos mais notáveis da banda, que conseguiu como poucos rachar barreiras musicais num crossover que levou a cultura do eletrônico aos grandes palcos do mundo todo, unindo a energia do rock com uma estética peculiar. Junto de nomes como Fatboy Slim, Chemical Brothers e Daft Punk o Prodigy se consolidou como um dos grandes pioneiros do big beat para as massas. Vamos lá!

“Experience” (1992)
LP responsável por várias linguagens e elementos que viriam a ser clichês da dance music nos anos seguintes. Logo na estreia, o Prodigy conseguiu apresentar uma sonoridade sofisticada e urgente, com samplers obscuros de funk e reggae, junto de vocais manipulados de R&B, beats acelerados e linhas melódicas que dão um inteligente clima pop ao conjunto (cortesia do produtor/compositor Liam Howlett). Faixas como a claustrofóbica “Music Reach (1,2,3,4)”, a melódica “Your Love (Remix)” e o hit “Everybody in the Place” (número 2 nas paradas do Reini Unido e da Irlanda) já exibiam uma grandeza digna de trilhas sonoras pra cinema, além de anteciparem em anos coisas que nomes como LCD Soundsystem fariam no futuro. “Experience” foi bem sucedido comercialmente (já na onda do lançamento anterior, o EP “What Evil Lurks” de 91) e, ao longo dos anos, se estabeleceu como uma importante influência para a cena eletrônica do Reino Unido. Keith Flint e Maxim Reality, na época, apenas performavam nos shows, não tendo participação das gravações – exceto pela última faixa, “Death of The Prodigy Dancers” (que conta com vocais de Maxim). Artistas notórios como Moby já citaram o álbum como importante influência. Clássico total!

Nota: 8

“The Fat of the Land” (1997)
Desde “Thriller” (1982), provavelmente, o mundo não via um disco com tantos grandes hits para a pista! O terceiro álbum do Prodigy foi antecipado pelo poderoso single de “Firestarter” (1996) – estreia vocal de Flint na banda, e que também eternizou um visual cyberpunk no clipe icônico (o single foi número 1 no Reino Unido, na Noruega e na Finlândia). O LP catapultou o grupo para todo o globo, transformando a cultura ligada às raves em fenômeno mundial. A banda soube ainda tirar proveito dos clipes que chamavam atenção com imagens agressivas e inovadoras em filmes como o do megasucesso “Breathe” e o controverso “Smack My Bitch Up” (de Jonas Åkerlund), que marcaram época. As colagens sonoras são insanas; reunindo samples de Art of Noise, Kool & the Gang, Randy Weston e outros. O álbum reúne momentos de puro groove “Diesel Power”, “Funky Shit”), climas introspectivos (“Mindfields”), e até temas épicos como a porrada “Climbatize” e uma cover do L7, “Fuel My Fire”.

Um daqueles discos que definem épocas, “The Fat Of The Land” conseguiu a proeza de mostrar uma banda pesada e experimental, e que, ao mesmo tempo, conquistava unanimidade de público e crítica. As apresentações enérgicas em festivais (incorporando instrumentos de verdade) durante a turnê ajudaram a consolidar a reputação do Prodigy como grupo ao vivo. Com poucos meses de lançamento, o disco bateu a marca de mais de 2 milhões de cópias vendidas – chegando a 10 milhões anos mais tarde. O álbum foi capaz de cravar uma marca no Guinness Book pela vendagem rápida, e ainda foi indicado ao Grammy de melhor álbum de música alternativa em 1998 (perdeu para o “Ok Computer”, do Radiohead). Frequentemente, “The Fat Of The Land” é mencionado em listas de álbuns mais importantes da década 1990, e até, em listas de álbuns mais influentes da história, e que história! Quem viveu viu…

Nota: 11

“Invaders Must Die” (2009)
Depois do estouro mundial e de um disco nem tão bem aceito pelo público (“Always Outnumbered, Never Outgunned”, de 2004), o Prodigy dedicou quase dois anos à produção de seu quinto álbum de estúdio, o pesado e eclético “Invaders Must Die”. Convocando vários agregados de peso – incluindo aí Dave Grohl (que tocou bateria em duas tracks), James Rushent (do Does It Offend You, Yeah?) e a vocalista Amanda Ghost – o álbum revisita sonoridades do começo da banda ao mesmo tempo em que aponta novas direções para o trio. É um dos trabalhos da banda que mais reúne faixas com sintetizador em destaque (como “Take Me to the Hospital” e “Colours”), além de ser também um dos mais diretos, com músicas urgentes como “Piranha”, a industrial “Run With The Wolves” e o grande hit “Omen”, número 4 nas paradas do Reino Unido. Keith Flint aparece em cinco faixas do trabalho (além de ser coautor de três), que foi muito bem aceito pelo público, e ainda ajudou a apresentar a banda a novas audiências, através de músicas como a faixa título – que foi incluída na trilha sonora de filmes como “Scott Pilgrim Contra o Mundo” e “Repo Men” e também dos games “Duke Nukem Forever”, “DJ Hero 2”, “WipEout 2048” e “Crysis 2” além de séries de TV (“Doctor Who”) e até peça da Broadway (“Jerusalém”, de Jez Butterworth). Como o término de uma grande rave, o disco finaliza com a instrumental “Stand Up”, faixa animada, que funciona quase como uma chamada de levante para um novo dia, após uma grande noite de agitação. Excelente disco.

Nota: 9

– Bruno Leonel (fb/silva.leonel.900) é blogueiro e integra a banda Crappy Jazz

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