Três livros: “Manual da Demissão”, “Bem-vindo à Casa dos Espíritos” e “A Uruguaia”

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Manual da Demissão”, de Julia Wähmann (Editora Record)
A crise que se instalou no Brasil nos últimos cinco anos causou demissões em grandes quantidades nos quatro cantos do país. Milhões de pessoas estão desempregadas. É dentro desse panorama desanimador que a escritora carioca Julia Wähmann concebeu “Manual da Demissão”, publicado em 2018 pela editora Record, com 144 páginas. Com uma pegada autobiográfica, a autora narra com muito bom humor e sarcasmo as idas e vindas ocorridas depois da demissão, o que transforma a obra em extremamente aprazível mesmo que alguns dos risos venham da tensão ou do desespero. Enquanto trata dos procedimentos normais do processo como retirar as coisas do escritório, receber a rescisão, sacar o FGTS em horas e mais horas quase intermináveis na Caixa Econômica, ainda tem que lidar com o namoro que acabou quase que no mesmo momento inserindo uma atmosfera não muita boa ao redor. Involuntariamente trazendo um leve tom político, temos um singelo retrato de uma geração que está entre os 35 e o 40 anos e fica na encruzilhada entre se dedicar a uma empresa ou meter a cara no próprio negócio, enquanto o mundo do trabalho muda constantemente e é preciso pagar as contas de qualquer jeito. Seja na hora em que precisa preencher papéis, tomar uma bebida na praia no meio da semana ou quando a depressão chega e se instala, “Manual da Demissão” apresenta o humor a que se propõe. No quarto livro (os anteriores são: “Diário de Moscou”, “André Quer Transar” e “Cravos”), Julia Wähmann diverte e ajuda de maneira simples e tocante sobre um tema complicado.

Mais sobre a autora aqui: https://medium.com/@juliaveman

Nota: 7

“Bem-vindo à Casa dos Espíritos”, de Christopher Buehlman (DarkSide Books)
O problema de se esconder do passado é que em algum momento ele bate na porta e reaparece. É o que acontece com Andrew Ranulf, protagonista de “Bem-vindo à Casa dos Espíritos” (The Necromancer’s House, no original), publicação de 2018 da DarkSide Books no Brasil com capa dura, 382 páginas e tradução de Carolina Caires Coelho. Lançado nos EUA em 2013, o livro do poeta, dramaturgo e escritor Christopher Buehlman ganha edição primorosa no país (como é costume nas publicações da editora) com uma trama que mistura fantasia com terror em doses atraentes. Ranulf é um mago, um bruxo que vive isolado em uma grande casa que, por conta das proteções, só pode ser vista por aqueles que ele definir. O lar tem praticamente vida própria e é cheio de encantos, feitiços, armadilhas e artefatos perigosos (uma espécie da “Casa dos Mistérios” de John Constantine). Com magia espalhada pelos cantos e personagens bizarros – como a sereia que é apaixonada por ele e o cachorro redivivo que serve de mordomo – leva uma vida entre seus afazeres, visitas ao Alcoólicos Anônimos e uma relação que flutua entre amizade, tesão e amor por Anneke. Quando o passado chega feito um trem desgovernando na varanda é preciso sobreviver e proteger os mais próximos de uma antiga e poderosa entidade, o que rende momentos de combate e apreensão. Para os amantes do gênero, “Bem-vindo à Casa dos Espíritos” é um livro que satisfaz e pode interessar até mesmo a leitores não tão convertidos assim a esse tipo de literatura.

Aqui um trecho disponibilizado pela editora: https://bit.ly/2SQWL2o

Nota: 7

“A Uruguaia”, de Pedro Mairal (Editora Todavia Livros)
A crise da meia-idade masculina já foi explorada em várias obras na literatura e no cinema, é aquele momento em que a juventude definitivamente ficou para trás e a velhice começa a aparecer no horizonte, o que algumas vezes gera decisões estapafúrdias e irresponsáveis, para dizer o mínimo. É nesse momento da vida que está Lucas Pereyra, o protagonista de “A Uruguaia” (La Uruguaya, no original), romance que a Todavia Livros publicou aqui em 2018 com 128 páginas e tradução de Heloisa Jahn. Sucesso nos países de língua espanhola, a obra do autor argentino Pedro Mairal absorve esse tema dando um verniz tragicômico a história. Em crise financeira, conjugal e até mesmo espiritual, Pereyra consegue – depois de um bom tempo – um adiantamento para dois novos livros. Por conta da situação econômica delicada da Argentina, ele resolve sacar os dólares provenientes do contrato no vizinho Uruguai onde aproveita para rever uma bela mulher mais nova que entrou na sua vida em uma feira literária. Casado e com um filho ainda criança, cada decisão que surge na cabeça de Pereyra é um infeliz e burlesco erro que rende a situações trágicas com um viés engraçado envolvido que apesar da gravidade da coisa torna-se permissível sucumbir as risadas. Com um protagonista que tende a não arrebatar maiores paixões pelas escolhas e alguns pensamentos, Pedro Mairal envolve o leitor nessa sequência de fatos que versam sobre o destino, a consequência dos atos de cada um e a interminável busca por uma insignificante dose de felicidade que seja.

Nota: 7,5

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop ( http://coisapop.blogspot.com.br ) e colabora com o Scream & Yell desde 2009!

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