Texto por Renan Guerra
Fotos por Fabricio Vianna
Oscilando entre as opções sol escaldante, temporal, garoa e mormaço, o Popload Festival celebrou no jardim de concreto do Memorial da América Latina a sua maior edição, reunindo quase 14 mil pessoas num dia com atrações diversas, que começou sob o sol do meio-dia, aberto por Letrux, transformando o palco em uma “tarde de climão”, trocadilho da própria artista em referência ao seu disco “Noite de Climão” (2017).
Com um vestido vermelho que a deixou entre uma cigana e a Kate Bush de “Wuthering Heights”, Letícia cantou sucessos como “Flerte Revival”, “Amoruim” e “Que Estrago”. A boa notícia foi que um bom público chegou cedinho para o show e Letrux fez a festa: desceu do palco e se jogou sobre a plateia, sendo carregada e tendo depois que voltar correndo para o palco para encerrar o show. Uma abertura de peso para um dia que ainda prometia muito.
Na sequência, o tempo fechou. E era hora de Tim Bernardes e Mallu Magalhães (que já havia derramado lágrimas anos atrás quando uma tempestade caiu sobre seu show no Planeta Terra) subirem ao palco para um show inédito. Os dois passearam pelas canções de Mallu, de Tim, da banda O Terno e até arriscaram um medley de “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Bob Dylan, com sua versão nacional, “Negro Amor”, de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti.
De todo modo, nada pareceu funcionar no show: a voz de Tim é muito mais forte que os murmúrios de Mallu, que em alguns momentos cantava de forma inaudível ou indecifrável; as canções pareciam desconexas e tudo muito improvisado – era desanimador olhar um palco daquele tamanho sendo usado para Mallu Magalhães ficar estalando dedos. No final das contas, o temporal que caiu durante o show ainda afastou uma parcela do público, que se escondeu sob os toldos dos bares.
Foi a dupla sair do palco e o tempo abriu. Era hora do show do At The Drive-In e uma grande parcela do público não estava preparada para o que viria a seguir. Credic, Omar e companhia fizeram um show altíssimo, cheio de porradaria e com muita energia. Credic Bixler-Zavala pulou pelo palco, subiu em equipamentos, derrubou parte da iluminação que ficava na beirada do palco, jogou o microfone para todos os lados e ainda brigou um bocado com a plateia.
Fãs dos shows posteriores estavam guardando lugar na grade e ficavam fazendo cara feia para a banda, o que não fez Cedric de rogado, já que ele mandou um bocado de “fuck you” para os jovens da frente e dedicou o show pra galera que fazia quase uma roda punk no meio da pista comum. A banda tocou canções novas de seu disco “In•ter a•li•a”, de 2017, porém a grande atração foram as faixas do clássico “Relationship of Command” (2000), como “Arcarsenal”, “Invalid Litter Dept.” e “One Armed Scissor”. Dos shows mais barulhentos do ano.
Depois da pancadaria, era a vez da melancolia do Death Cab For Cutie. A produção subiu ao palco para avisar que Ben Gibbard estava machucado, mas que insistiu em fazer o show e ficaria sentado durante toda a apresentação. Pela primeira vez no Brasil, a banda de indie rock encantou seus fãs, cantando faixas do recente “Thank You For Today” (2018) mescladas com clássicos como “Title and Registration” e “Transatlanticism”. O momento mais belo certamente foi quando Ben cantou “I Will Follow You Into the Dark” (do disco “Plans”, 2005) acompanhado apenas do violão e de um coro da plateia que arrepiava qualquer um. Certamente valeu muito a pena a espera.
Antes da chegada do MGMT no palco principal, um palco menor, chamado “Jukebox Heineken”, abriu suas portas e trouxe a vocalista Liniker ao lado de O Terno. A banda cantou “A Culpa”, de autoria d’O Terno e mais três covers escolhidos pelo público (Tame Impala, Ava Rocha e Iggy Pop) de artistas que já participaram de edições anteriores do Popload. As quatro canções provaram que o encontro de Liniker com os meninos da banda era anos-luz mais interessante que a parceria anterior de Tim que havíamos visto no palco principal – realmente uma pena que tiveram tão pouco tempo.
Retornando ao palco maior, o MGMT trouxe seu show de psicodelia, com telões e plantas pelo palco, numa mise-en-scène que soa mais interessante que o show em si. A banda parece sempre presa em alguma piada interna que não é dividida com o público e por isso parece não haver conexão alguma com a plateia, que por sua vez, também parece não se interessar por muitas das coisas mais recentes da banda e só se mostrou realmente animada ao som de clássicos como “Electric Feel”, “Kids” e “Time to Pretend” (como aconteceu em um Tim Festival uma década atrás). De todo modo, a recente “Me and Michael” (do disco “Little Dark Age”, 2018) foi um belo momento, que prova que eles poderiam ser mais divertidos no palco se fossem menos blasés.
Na sequência se retorna para o palco menor para uma apresentação curiosa: Céu e Tropkillaz. Céu no palco menor parece não fazer muito sentido. De todo modo, é nesse palco que ela apresenta um dos shows mais maravilhosos do festival: a banda abre com “Malemolência” e depois passa por covers como “New Person, Same Old Mistakes”, de Tame Impala; uma versão reggae de “Candy”, de Iggy Pop (atração do Popload Festival 2015) e uma deliciosa versão de “The Look”, do Metronomy. Porém, nada foi tão impactante quanto a versão feita para “Down By The Water”, de PJ Harvey (ela tocou no Popload Festival 2017), com ecos de um funk meio dark – releitura que merecia ser registrada em estúdio. Céu ainda comentou que não daria tempo de eles tocarem mais uma música que estava preparada, mesmo assim estava mais uma vez marcado: Céu é das maiores artistas brasileiras, ponto.
Depois de Céu, corre-se para o palco principal, pois é hora do Blondie! Era a estreia da banda no Brasil, porém sem o guitarrista Chris Stein, que não veio e nem deu motivos para a ausência; no palco, dos remanescentes, apenas o baterista Clem Burke e a deusa-vocalista Debbie Harry. A banda passeou por canções do seu recente disco “Pollinator” (2017), como a ótima “Fun” e “Doom or Destiny” – essa última era ilustrada por colagens de imagens ao telão, incluindo um maravilhoso banner em que Debbie aparece como uma lutadora, com os dizeres “Punch a Nazi”, isto é, “soque um nazista”!
Em outro momento, Debbie surgiu com uma grande capa que trazia nas costas os dizeres: “Stop Fucking The Planet” (“Parem de Foder o Planeta”), recado oportuno num momento em que o futuro presidente do país sinaliza não se preocupar nem um pouco com a Amazônia (o que poderá foder muito todo o planeta). De todo modo, foram os clássicos do Blondie que encantaram os fãs: “Call Me”, “Maria” (dedicada à todas as mulheres), “One Way It Another”, “Heart of Glass” (dedicada a Chirs Stein) e “Dreaming” tornaram a noite especial. Aos 73 anos, Debbie mostrou que continua sendo uma diva punk que merece ser ovacionada.
Na sequência a questão era: guardar lugar para o show da Lorde ou ver a superbanda no palco menor? A superbanda era formada por diferentes músicos, com cinco vocalistas cantando cinco covers. Teve direito a Jaloo e Luiza Lian no palco, mas nada muito surpreendente. Voltemos para perto do palco principal que era hora da Lorde. Antes da cantora entrar, as caixas de som ecoavam “Running Up That Hill”, de Kate Bush, para então Lorde surgir com um vestido vermelho que também remetia a cantora inglesa. Seria o “vermelho Kate Bush” a cor do dia?
Lorde, com apenas 22 anos recém-completados no início de novembro, se mostrou uma estrela pop de primeira grandeza que evoluiu bastante da postura no Lollapalooza 2014: agora ela domina o palco de forma segura, cativa o público e parece genuinamente se divertir em cada ato do show. Ancorada por um grupo de dançarinos em algumas das canções, Lorde demonstrou que esse aparato pop talvez fosse até desnecessário, já que grandes momentos do show foram feitos quando ela estava sozinha: sentadinha na beira do palco, por exemplo, ela cantou “Writer in the Dark”, enquanto o público levantava as lanternas de seus celulares, num momento de emocionante beleza.
Além disso, não faltaram hits durante o show: “Royals”, “Homemade Dynamite”, “Sober”, “Liability”, “Green Light” e até “Magnets”, sua faixa ao lado do Disclosure, formam o crème de la crème do setlist da noite. Bastante emocionada e alegre, a artista neozelandesa repetidas vezes agradeceu o carinho dos fãs brasileiros e celebrou a energia da plateia. Em determinado ponto, ela desceu para o chão, correu entre as duas pistas, abraçou fãs e retornou para o palco com uma bandeira do Brasil em uma das mãos e a bandeira LGBT na outra. Em quase uma hora e meia, Lorde fez uma celebração ao amor e às diferenças, deixando claro a beleza que há na multiplicidade. Um showzão que convenceu até os não-fãs.
No final das contas, o saldo do Popload Festival 2018 foi extremamente positivo. Apesar dos preços altos praticados dentro do festival e da estranha diferenciação entre a tabela de preços da pista comum e da pista premium, o balanço geral da organização é dos melhores: poucas filas, nenhuma confusão e cerveja sempre gelada num dia que celebrou a música em sua diversidade e que uniu um público mais diverso ainda. Que o Popload siga crescendo enquanto espaço de celebração e de boa música!
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o site A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.
– Fabricio Vianna (fb.fabricio.vianna) é o fotógrafo. Conheça seu trabalho: https://www.fabriciovianna.com.br
Em relação a parte musical, eu concordo com a análise. No entanto, em relação a organização, é necessário pontuar que a diferenciação de preços entre pista comum e Premium é ilegal – e digo mais, o festival corre risco de um consumidor entrar num juizado especial qualquer e conseguir uma liminar pra cancelar em cima da hora numa próxima. Além disto, a mesma organização quando questionada, não se manifesta. Quem teve crédito remanescente na pulseira terá que pagar uma taxa de reembolso de R$ 15. É também o banheiro era insuficiente e sem papel higiênico desde início. Por final, isto tudo demonstra que as críticas que eram feitas nas colunas da popload podem hoje ser feitas em desfavor deles.
O que aconteceu com o site ontem?, tentei acessar e me levou para um site de hotéis, prédios, imobiliária, o site foi hackeado?, quanto ao festival foi ótimo apesar de certos pesares!!
Estamos passando por alguns problemas técnicos de requisições, Henry, mas não fomos hackeados. Estamos tentando resolver.