Boteco: Cinco cervejas brasileiras e cinco made in USA

por Marcelo Costa

Começando uma nova sequencia com cinco cervejas nacionais e cinco norte-americanas pela Fazenda Santa Teresinha, em Paraisópolis, Minas Gerais, casa da Zalaz, com a Ytangá, uma Farmhouse Ale lançada em abril de 2018 que recebe adição de amora silvestre e pitanga vermelha que devido à adição de leveduras selvagens da Serra da Mantiqueira na refermentação em garrafa transforma em uma Brazilian Wild Ale de coloração âmbar avermelhada com creme bege clarinho de boa formação e média retenção. No nariz, assim que se abre a garrafa, notas frutadas (puxando para frutas vermelhas) invadem o ambiente em um primeiro momento junto a herbal para depois serem ambas sobrepostas por notas funky sugerindo couro e celeiro, que dominaram o conjunto, numa bela tradução do estilo belga Farmhouse Ale. Na boca, doçura frutada bem suave no primeiro toque, que se abre na sequencia para um perfil mais arisco, com couro, madeira e uma levíssima acidez, quase imperceptível. A textura sobre a língua é leve, com quase nada de acidez. Dai pra frente, um conjunto não tão Wild quanto o estilo desejado deseja, mas, ainda assim, uma cerveja bem interessante e rebeldezinha. No final, leve amarração frutada e couro. No retrogosto, frutas vermelhas, celeiro, azedinho e fazenda. Gostei.

Abrindo a série norte-americana com a Sierra Nevada, de Chico, na Califórnia, que marca presença com a Hazy Little Thing IPA, uma New England IPA cuja receita une os lúpulos Magnum (amargor) e Citra, Comet, Simcoe, El Dorado e Mosaic (aroma) com os maltes Two-row Pale e Munich mais aveia e trigo. O resultado é uma cerveja amarela, turva, com creme branco espesso de excelente formação e média alta retenção. No nariz, um balde de notas cítricas (melão, manga, abacaxi e laranja) com leve sugestão de picancia de levedura. Na boca, doçura cítrica com leve picância no primeiro toque seguida de mais doçura cítrica e mais picancia suave (de levedura). O amargor (40 IBUs) é discreto, e a levedura parece chamar mais a atenção. A textura é sedosa com leve picância. Dai pra frente segue um conjunto bastante saboroso, com notas cítricas em destaque e levedura provocando o paladar, até o final, com cítrico suave. No retrogosto, manga, melão e picância. Delicinha.

Da Califórnia para Jaguariuna, município da Região Metropolitana de Campinas que abriga uma grande fábrica da Ambev, para um dos lançamentos populares badalados da marca Skol em 2018: a Skol Hops. Trate-se de uma Premium American Lager “puro malte” (segundo a cervejaria) e um tiquinho mais lupulada do que a Skol tradicional. De coloração dourada cristalina com creme branco de boa formação e média retenção, a Skol Hops exibe um aroma discretamente lupulado, mas perceptível, com uma leve sugestão herbal e floral, e nada da doçura caramelada da versão tradicional. No paladar, um pouco de doçura e herbal chegam juntos ao primeiro toque abrindo-se com cítrico distante (limão) e quase nada de amargor. A textura começa leve, mas vai ficando meladinha. Dai pra frente surge uma Premium American Lager mais interessante do que a original e do que muitas Lagers importadas, mas que é bem básica. No final, leve secura, herbal e refrescancia. No retrogosto, mais refrescancia e mais herbal. Interessante.

Do Estado de São Paulo para o Iowa, mais precisamente Decorah, cidade que abriga a cervejaria Toppling Goliath, que após a Tsunami e a Golden Nugget retorna ao site com seu terceiro latão, a Pseudo Sue, American IPA Single Hop (lúpulo Citra) que exibe uma coloração amarelo turvo meio dourada com creme bege bem clarinho de boa formação e retenção. No aroma, uma bandeja deliciosa de frutas cítricas (manga, laranja, limão e abacaxi) e suave presença herbal (pinho, capim limão e grama cortada). Na boca, o cítrico e o herbal surgem equilibrados (e deliciosos) no primeiro toque com sugestões de tangerina e pinho se destacando. O amargor é suave e não parece ter os 50 IBUs que a cervejaria acusa (não diria que chega a 35). Já a textura é cremosa com leve picância e, dai pra frente, segue-se uma American Pale Ale bem cítrica e herbal, com o lúpulo brilhando e um final confortável, suave e refrescante. No retrogosto, mais refrescância além de leve tangerina e pinho. Delicinha (2).

Dos EUA para o Rio de Janeiro com a segunda versão da Yellow Cloud #2 a passar por aqui, uma New England American Pale Ale cuja brincadeira dos cervejeiros cariocas da Ocêanica é mudar a levedura. A primeira que passou por aqui estrelava a Conan e desta vez aparece a versão tradicional, com levedura London Ale III (falta só a terceira com levedura Dry English). De coloração amarela turva, juicy, com creme branco de boa formação e permanência. No nariz, a levedura salta um pouco mais à frente do que na versão com Conan acrescentando picância e condimentação, mas o perfil segue com frutas tropicais (laranja e manga) incríveis e um chulézinho. Na boca, um suco cítrico picante com leve doçura no primeiro toque seguida de condimentação e amargor limpo e comportado (35 IBUs apaixonantes). Há, ainda, leve herbal. A textura é sedosa e bastante picante e, dai pra frente, segue um conjunto foda, absolutamente apaixonante em sua composição cítrica, juicy e refrescante. No final, picância. No retrogosto, mais cítrico (além de laranja e manga, limão), mais condimentação e amor. Uou!

Do Rio de Janeiro para Chicago, no Illinois, com a primeira cerveja da Moody Tongue a passar por aqui, a Aperitif Pilsner, uma tradicional German Pilsner de coloração dourada translucida e creme branco de formação boa e alta retenção. No nariz, notas derivadas de malte (cereais, pão francês – a cervejaria diz “baguete francesa”) além de leve frisante que (surpreende e) remete tanto a sidra francesa quanto a salgado e mineral. Na boca, acidez e azedinho leves no primeiro toque com refrescancia maltada na sequencia e, novamente, percepção de sidra, mineral e salgado, tudo bem suave, mas também distante de uma German Pilsener tradicional. A textura traz secura e leve picância azedinha. Dai pra frente, um conjunto que lembra uma Sour bem leve e com muita refrescancia. No final, azedinho. No retrogosto, maçã.

De Chicago para o bairro de Perdizes, em São Paulo, casa da cervejeira Trilha, aqui representada pela TropiCAOS, uma Double Juicy IPA com adição de polpa manga e de maracujá, em versão crowler do bar Âmbar, na Vila Madalena. De coloração dourada levemente turva, mas nada juicy, e creme branco de boa formação e permanência, a Trilha TropiCAOS exibe um aroma com frutado cítrico intenso puxado mais para a maciez da manga do que para a acidez do maracujá, também presente no conjunto. Na boca, doçura cítrica deliciosa no primeiro toque que abre com maior percepção das frutas adicionadas (manga e maracujá e equilibrados) e amargor marcante, mas suave. A textura é suave e levemente piciante. Dai pra frente, doçura cítrica, bastante manga e maracujá, amargor sutil, leve álcool (8.9%) e muito amor. No final, cítrico bem leve. No retrogosto, mais cítrico, doçura e leve calor alcoólico.

Do Perdizes para o Colorado com um clássico da Molson-Coors Brewing Company, a Blue Moon Belgian White, uma Witbier (com adição de casca de laranja e semente de coentro) que é um enorme sucesso na América. De coloração amarela (ou seja, nada White como a Hoegaarden, benchmarking do estilo no Velho Mundo) levemente turva com creme branco de boa formação e permanência, a Blue Moon traz um aroma com destaque para o frutado cítrico derivado da casca de laranja e também para a semente de coentro adicionada na receita. Na base, doçura maltada e trigo. Na boca, doçura cítrica (laranja) no primeiro toque seguida de baixo caramelado mais coentro e refrescancia. A textura é leve e, dai pra frente, o conjunto reafirma a presença dos dois ingredientes extras (casca de laranja e coentro) e promove bastante refrescancia. No final, leve secura. No retrogosto, refrescancia, laranja e coentro. Boa!

Retornando a São Paulo com uma banda, a Lloyd, que no embalo do lançamento do álbum “Rendering the Corners Ahead” (2017) também preparou (com ajuda da cervejaria caseira Hop Brau) uma cerveja, a Lloyd Berliner Weisse, que recebe adição de amora, limão rosa e abacaxi. O som dos caras é um indie rock meio experimental, meio eletrônico, com bons refrães, e a escolha do estilo casou bem com a sonoridade efervescente da banda (algo raro nessas “harmonizações”, vide a Sepultura Weiss, equivoco clássico do estilo). De coloração meio alaranjada, meio avermelhada, e creme de media formação e curta retenção, a Lloyd Berliner Weisse exibe um aroma com notas cítricas azedinhas puxando para o limão rosa e sugerindo ainda coquetel na balada. Na boca, a acidez leve domina o primeiro toque aliada a um leve salgadinho. Na sequencia, doçura frutada trazendo algo de pêssego e mais salgadinho (até fiquei na dúvida se pode ser uma Gose). A textura na língua é efervescente e, dai pra frente, surge um conjunto delicioso, praticamente o de uma Kettle Sour frutada, azedinha, refrescante e com bastante acidez. No final, leve adstringência e refrescancia. No retrogosto, pêssego, limão e amora, bem sutil, além de azedinho e refrescancia. Belissima cerveja caseira!

De São Paulo para San Diego, fechando a série com a minha quarta Modern Times no Untappd, e a primeira a passar por aqui, Space Ways, uma New England IPA com três lúpulos (Nelson Sauvin, Simcoe e Motueka) mais malte 2Row, trigo e aveia. De coloração amarela, tão juicy que remete a um suco de laranja, e creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Modern Times Space Ways exibe um aroma deliciosamente cítrico: remissão a suco de laranja na cor não é à toa, mas ainda é possível perceber manga, toranja e pêssego no conjunto. Na boca, a mesma sensação deliciosa de frutas cítricas (manga, pêssego e toranja e tangerina) no primeiro toque abrindo na sequencia para mais frutado, leve doçura e quase nada de amargor (a lata informa 50 IBUs, mas, para mim, é algo em torno dos 25 IBUs). A textura começa e vai ficando suave, com picância bem baixa (são 6.7% de álcool imperceptíveis). Dai pra frente segue-se um conjunto absolutamente delicioso, cítrico, leve, com doçura e amargor baixos, e extremamente refrescante. No final, tangerina. No retrogosto, doçura discreta, mais cítrico e felicidade. Uou!

Balanço

A primeira desta série é a Zalaz Ytangá, uma Wild Ale mineira com amora e pitanga refermentada na garrafa com levedura selvagens: nem tão Wild assim, mas boa, bem boa. Começando o passeio pelos Estados Unidos por Chico, na Califórnia, casa da Sierra Nevada, que marca presença com a Hazy Little Thing, uma New England IPA correta, mas sem nada demais. A tentativa lupulada da Skol, a Hops, tem realmente mais lúpulo do que outras Premium American Lagers nacionais (e, parece, menos malte), e surpreende se saindo melhor do que muitas fracas importadas representantes do estilo (Budweiser e Miller, por exemplo), mas é uma cerveja bem basiquinha. Enorme sucesso nos EUA, a Toppling Goliath Pseudo Sue é uma APA de respeito. Já a NE APA da Oceânica é algo para se apaixonar: se você ver uma Yellow Cloud na sua frente, não perca a chance: beba e se apaixone. Já a Moody Tongue Aperitif Pilsner parece mais uma Kettle Sour levezinha do que uma German Pilsner. Ainda assim, boa. A Trilha TropiCAOS é uma Juicy tão bem equilibrada que não parece uma Double IPA. A Blue Moon Belgian White, por sua vez, é um clássico do estilo Belgian White made in USA (prefiro a Belgian Witte original, a Hoegaarden). Fechando o passeio do lado brasileiro com uma bela Kettle Sour caseira nacional, a Lloyd Berliner Weisse, bastante cítrica, azedinha, refrescante e salgadinha. Surpresa boa! Fechando a série com chave de ouro: a Modern Times Space Ways é um suco de tangerina alcoólico, uma incrível New England IPA. Apaixonado.

Zalaz Ytangá
– Produto: Wild Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,63/5

Sierra Nevada Hazy Little Thing
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 3,60/5

Skol Hops
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 2.45/5

Toppling Goliath Pseudo Sue
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3,60/5

Oceânica Yellow Cloud London III
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,96/5

Moody Tongue Aperitif Pilsner
– Produto: German Pilsner
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,29/5

Trilha TropiCAOS
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.8%
– Nota: 3,71/5

Blue Moon Belgian White
– Produto: Witbier
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,50/5

Lloyd Berliner Weisse
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.1%
– Nota: 3,34/5

Modern Times Space Ways
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 4.01/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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