Entrevista: “Bolsonaro é um retrocesso”, diz Setor Proibido

entrevista por Thiago Sobrinho

As vésperas do segundo turno das eleições presidenciais entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), o rap capixaba solta o seu grito de resistência. Uma voz retumbante que busca responder e contrapor as atrocidades verborrágicas do candidato de extrema direita, um cala boca ruidoso no discurso de ódio do ex-capitão do Exército que tanto ameaça a democracia brasileira. Trata-se de “Primavera Fascista”, música lançada pelo selo e produtora Setor Proibido junto ao clipe quatro dias antes da votação que acontece neste domingo (28/10) e, em poucos dias no ar, a cypher que tem mais de nove minutos de duração conta com mais de 140 mil visualizações. E muitos elogios de quem entende do métier.

Marcelo D2, por exemplo, elogiou os capixabas via Twitter: “Pedrada… O rap salva”, escreveu ele na rede social. No Instagram Stories, o também rapper carioca Black Alien compartilhou um frame do videoclipe. A mensagem vinha acompanhada dos dizeres “ou ‘quando o prego vota no martelo’”, citando um trecho da letra. Não é pouca coisa. Nascido há três meses, o selo e produtora Setor Proibido já lançou quatro músicas no Youtube e em “Primavera Fascista” reúne sete MC’s: Bocaum, Leoni, Adikto, Axant, Mary Jane (Melanina MC’s), VK Mac e Dudu. São nomes que integram a velha e a nova guarda do rap feito no Espírito Santo.

Vale lembrar que o estado capixaba conta com cerca de 3,9 milhões de habitantes, segundo recente estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e tem a maior taxa de feminicídio na região Sudeste brasileira. É o mesmo Estado que no primeiro turno teve 55% dos seus eleitores votando em Bolsonaro. Dados que contribuíram para o nascimento de “Primavera Fascista”. “Saber que nosso estado é o estado que mais mata mulheres no Brasil é triste, deprimente. Saber que 55% das pessoas daqui votam em um candidato que homenageou um torturador de mulheres em plenário e não sofreu nenhum tipo de represália, pelo contrário, é tido como ‘mito’ é aterrorizante e só reflete o quanto é necessário que a usemos nossa voz em momentos como o que estamos vivendo”, respondeu o Setor Proibido de forma coletiva em bate-papo com o Scream & Yell, que você pode conferir abaixo.

Um grito de resistência do rap capixaba. Assim vocês definem “Primavera Fascista”, faixa lançada às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. O que seria essa primavera e sobre quais pilares ela se sustenta?
Esse termo “Primavera” normalmente é utilizado para falar de mudança, renovação, surgimento do “novo”. Pensando por um lado, o discurso que o Dep. Bolsonaro utiliza para conquistar o eleitorado é exatamente esse, o de tirar a “velha política” (apesar dele mesmo ser essa velha política), o do combate à corrupção e o da necessidade de “mudança”. Ocorre que neste caso, a mudança que é pregada por ele é construída na base do desrespeito, do autoritarismo, do preconceito. É na verdade um retrocesso e não uma nova política, como querem fazer a gente acreditar. Alguns são os motivos para que essa onda tenha ganhado tanta força em nosso país. Tivemos diversos escândalos de corrupção, envolvendo grandes partidos, mas a grande mídia precisava direcionar a culpa, o que causou a divisão do país já lá em 2014. Outro ponto importante também foi a crise que nosso país passou e a falta de governabilidade que os últimos dois presidentes (Dilma e Temer) tiveram no poder, além da instabilidade política causada pelo impeachment. Por fim, também tem aquela parcela dos eleitores do Bolsonaro que realmente se identificam com o discurso dele, e a força que ele tem ganhado cada dia só os da mais legitimidade.

Até o momento, “Primavera Fascista” tem mais de 140 mil visualizações no YouTube e tem recebido reações bem positivas. Como surgiu a ideia de criar uma faixa-resposta às frases preconceituosas do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL)?
A ideia surgiu do nosso beatmaker e produtor, Pedro Tibery, que apareceu um dia no estúdio com a beat praticamente pronta e nela já tinha algumas falas do Bolsonaro. A ideia era justamente tentar responder ou contrapor o que tinha sido dito pelo Deputado na faixa antes do Mc entrar. Já tínhamos em mente alguns nomes para participarem da cypher e outros foram chegando ao ouvirem a beat, foi um momento muito incrível mesmo, clima de revolução, de luta. Cada Mc escreveu sua parte, mas, de certa forma, a música foi composta junta pois alguns dias todos estavam no estúdio trocando informação, complementando algo que faltava e foi assim que saiu “Primavera Fascista”.

Mesmo com todas essas demonstrações de ódio que ameaçam a democracia brasileira, vocês acreditam que há espaço para otimismo? Há como mudar esse cenário que está posto? Se sim, como o rap pode contribuir para isso?
É dever do rap contribuir para a mudança desse cenário. As pessoas precisam parar de achar que o movimento Hip Hop, o rock, as artes em geral não devem se envolver em questões políticas. A cultura é política. Ela foi feita para questionar as opressões impostas e o candidato em questão, sua agenda política e suas falas estão repletas de preconceitos e ódio. Não é hora de se omitir. O rap nasceu de uma minoria, pertence a ela. Esse é seu propósito. Quanto a estarmos otimistas, podemos dizer que sim. Temos vistos muitos relatos nos últimos dias – até mesmo antes da música sair – de pessoas despertando para a consciência, vendo que o discurso do candidato é um discurso raso, simplista e que tem como base o autoritarismo e o preconceito e que com esses dois “pilares” não chegamos a lugar algum.

“PRIMAVERA FASCISTA”, A LETRA

BOCAUM

Idolatrando facista, apoiando a tortura
E o povo manipulado quer te por no poder
Eu sou a guerra civil, não temo sua ditadura
E se alguém tem que morrer, então que morra você

Cês falam em nome de Deus, mas são diabo
E o seu conceito de família, anda atrasado
Sou Marielle e mestre Moa
Eu vim da lama lapidado, pique diamante de serra leoa

Eu tô aqui, meu sangue ferve na verve do caos
E a minoria que eu sou, não faz parte dos maus
Tem ódio em ver o filho do pedreiro se formar
Porque seu pai pagou 10 anos de facul particular

E você segue sendo nada, mas fala demais
Eu também luto pro passado e pros meus ancestrais
Tenho aversão à homofobia, fascismo e messias
Eu sou pequeno e na pedrada eu derrubo os Golias

Vocês mataram 30 mil e alguns deles são meus,
Cês tão profetizando votos igual fariseus
Que não acaba com esse vai e vem Sansara
E os pensamentos tão mais sujos que seu próprio pau de arara

LEONI

Querem provar do meu veneno então segura
Arregaçando mentes sem dar margem pra sutura
Cê pode ter dinheiro, mas se não tiver leitura
E só mais um cara rico cagando em nossa cultura.

Cê jura

Que a viatura me enquadra porque eu sou suspeito
Tortura é o que fazem comigo dentro dos becos
A essa altura é o diabo no divã
4 horas da manhã e a polícia injuriando mais um preto

Porra cês são fascistas, cês são racistas
Ou cês tão comendo merda pra votar nessa hiena

Pau no cu do Ibope
Foda-se a Bope
Dá o Brasil pro Hip Hop que nós resolve o problema.

Os mesmos buchas que votaram no boçal
Nunca passaram mal na mão dos verme na favela
Cê diz que preto não procria?
Respeite minhas origens, minha mulher e o filho que eu tive com ela.

Cê num sabe de economia, só racismo e xenofobia
Fechadão com ator pornô, Rita Lee te caguetou que num passado bem recente curtia pederastia

Vai acabar com a regalia?
Mano, do que que você tá falando?
Sua Marra é de ditador
Tá mais pra mamador
Mamando em nossas teta há mais de 28 anos

ADIKTO

PF7 – Primavera Fascista isso não é um teste!!!
JBS – Pagou o churrasco do PSL
PF7 – Primavera Fascista isso não é um teste!!!
JBS – Jair Bolsonaro Safado, conhece?!

Vocês tão mal de professor, de história,
As “aula” que você matou, de história,
As “fake news” do Face que tu embarcou,
Te contou K.O. e tu acreditou na história

Você acha que eu não sei, os motivos
Pelo qual você quer votar nesse cara…
Ele diz tudo que você quis dizer
Mas sua consciência dizia: “Não fala!”

Agora teu “malvado favorito”,
Tá representando bem o teu preconceito,
E pra você amigo “Bolsominion”,
Tem “17 bala” endereçada pro teu peito

Falou que a “facada” é culpa do PT ,
Mais uma teoria da conspiração,
Mas se bancada da bala liberasse as “PT”,
Teu corpo agora estaria num caixão

Acha que ser gay é coisa que se ensina,
Falou que Haddad criou até um kit,
Minha irmã é gay e me ensinou a tratar as mina
E de pequeno já brinquei de Hello Kitty

Nem por isso virei viado, viado,
Se fosse por convivência parceiro, já tinha virado
Tua homofobia não te faz mais macho
Tua heterossexualidade é frágil

A sua ignorância contamina,
Essa doença resulta em carnificina,
Fascismo é um vírus que se dissemina,
Informação é a cura e o rap a vacina!!!

AXANT

Melhor já ir se acostumando, agora é guerra porra.
Esses racista incubado dão gás pra minha luta.
A pele preta e o passado cê não enterra. Corra.
Tempos difíceis onde o amigo mostra sua conduta.

E ele disse o que você pensa e não diz né
Agora minha vez de falar o que penso.
Tá preocupado com futuro do país, né?
Vomita raiva baseado no bom senso.

Ódio gera ódio, e mais ódio,
Onde vai chegar??
A resistência ainda vive aqui gueto!
Quer minha liberdade vem aqui buscar!

To vendo o quanto você é limitado.
Pro azar desses burguês, eu to tipo Besouro.
Esquiva na ginga, corpo fechado.
E esse protesto propagado em coro.

O rap é arma cara, se depender de mim
O bozo não viverá.
Muita revolta vira,
Eu nem preciso olhar pra frente pra poder enxergar.

Não diga que não avisei, esse falso messias não é salvação…
Não diga que não avisei, quando o cenário for de revolução…

Eu fico puto, porque pra mim cê parece cego.
Essa colônia fede mais que decomposição.
Luta de classe, manipula essas peça lego.
1984 te apresento o “grande irmão”.

E a gente segue na desordem e retrocesso é fato.
A história grita a muita tempo se não quer ouvir.
Cês seguem apoiando esse capitão do mato.
Pela cultura é vida ou morte me Zumbi.

MARY JANE

Me vejo entre as multidões no fundo poço
Faço parte da maioria, mas só me resta o osso
Não põe nas nossas costas, se você só dá desgosto
Anota no seu bloco: nós somos seu melhor gozo

Educação abandonada
Quer que saúde pública seja privatizada
Vem de argumento falho, mulher mal remunerada
Homofóbico racista isso sim e fraquejada

Presente de grego
Lobo na pele do cordeiro, vão ver quem grita primeiro
Se não bota a cara pra bater
Em todo sentido é dos que pede arrego

Tempos de guerra
Ele Mussolini nos Marighella
Resistência nós somos Teresa de Benguela
fabricam armas produzem a guerra

Fala que preto não se prolifera
Desordem impera
Tamanha ignorância
Se olha no espelho e não enxerga a semelhança

Alimenta a maldade
Estatística aponta

Promete falsa segurança
Quero ver se eu tô de peça
E resolvo fazer cobrança

Promete falsa segurança
Quero ver se eu tô de peça
E resolvo fazer cobrança

VK

Meus manos morrendo e vocês não vão fazer nada até quando, hein?
Vão ignorar nós até quando, hein?
Vê o sangue de quem que tá jorrando
É… Não surpreende nem um pouco nenhum de vocês tá ligando

É o baile e as bruxa tão solta
Pro rap cês são uma vergonha
Cês ama um racista pra ficar na sombra
Pro rap cês são uma vergonha
Cês cagam na porra da história!

E cê percebe que o inferno impera
Quando a dívida história
Fica maior que a dívida interna

Me assusta de ver
Nós só se fode
Enquanto vocês
Judeus beijando o pé de Hitler

Não é a solução, é a causa fei, tá tudo errado
A corda no pescoço e cê acha engraçado
Do fundo do poço, cês vão me ouvir alto
Faltam só 2 meses pra 64

DUDU

Não vai andar comigo se apertou confirma
A renda mensal e a pele, pra vocês é o que confina
Vota em fascista e é fã de rima
As armas que nos protegem são pagas com dinheiro da sua branca fina

Sua branca fina sarrando na Glock, e cê fala
demais, então vou cuspir na sua cara
Que no fim de semana seus filhos tão na senzala
E um aviso, na ditadura não existe FP do Trem Bala

Primeiro vez que eu vejo o alvo ir de encontro a flecha
Fecha a porta e ora pra no chão não ser seu filho
Se Jesus voltasse, cês matava ele de novo
E chamavam de comunista por pensar demais no povo

Bozo, seu nome é uma piada pareada a trauma
Mas não reflete seu medo na vida dos outros
Se a nossa vida depende dele mandar ou não
Entre a escravidão e a morte, eu escolho ser morto.

– Thiago Sobrinho (fb.trsobrinho) é jornalista do A Tribuna em Vitória, Espírito Santo.

2 thoughts on “Entrevista: “Bolsonaro é um retrocesso”, diz Setor Proibido

  1. Esplendido. Um depoimento em jeito de musica, gente nova, inteligente, culta e desenvolta. Está ai o rosto do Brasil Novo. Parabéns jovens e talentosos brasileiros. Continuem, vocês são um testemunho e uma festa para quem vê, ouve e lê as vossas letras. Um desempenho notável. É de gente como vocês que o Brasil e o Mundo precisam. Obrigada, Abraço amigo a todos vocês daqui, de Portugal Pais amigo e irmão. Os portugueses acompanham, interessados e apoiantes, gente como vós!

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