Entrevista: Dossel

por Rafael Donadio

Depois de 12 anos atuando como compositor e produtor musical, o carioca Roberto Barrucho começa a apresentar, aos 30 anos de idade, os primeiros trabalhos da carreira solo, sob a alcunha de Dossel. “Canoa Nova”, o segundo de três singles que antecedem o disco, chegou aos streamings em julho e “trata de maneira quase direta sobre a necessidade do encontro consigo mesmo através de uma observação da vida e a passagem do tempo pela mudança das marés, e os ciclos naturais que cursam nossas vidas”, diz Barrucho, que também é sonoplasta e editor de som das Rádios Mec e Nacional, desde 2013.

Gravada nos estúdios do poeta Línox, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a música é apresentada por um beat box que se funde sensivelmente aos arranjos de trombone e flauta transversa, e é conduzida pelo violão de nylon, djembê e bongô. “Canoa Nova” retrata bem esta nova fase artística do carioca, em que ele se permite ser um filtro, comunicando um olhar particular sobre a vida. De forma geral, suas novas composições dialogam com um lugar de contemplação e auto descobertas, de enfrentar os desafios, encontrar os cristais enterrados.

Composta pelo próprio Barrucho, “Canoa Nova” foi produzida e mixada por ele e Julio Raposo e masterizada por Gabriel Marinho. Os instrumentos foram gravados por Vandré Nascimento, André Simões, Cecília Salles, Diego Nunes, Línox, Cahhi Silva, Rodrigo Maré e Lucas Barata. As composições do poeta carioca ganharam maior notoriedade depois da parceria que realizou com Marcela Vale (Mahmundi) na música “Calor de Amor” (“Mahmundi”, 2017), com a qual ganhou, em 2013, como co-autor, o prêmio Multishow de Música Brasileira na categoria “Novo Hit”. Foi, então, que ele passou a dar liberdade aos seus desejos de expor os trabalhos autorais.

“O projeto (Dossel) nasce da vontade e necessidade de criar uma interface de publicações e lançamentos dos meus trabalhos autorais em música, que aqui nasce muitas vezes da poesia, uma prática mais antiga minha. É uma janela, um recorte da forma final da minha produção musical atual, onde faço apresentar o resultado de uma pesquisa estética que soe contemporânea e brasileira, que dialogue com o que está sendo produzido através de uma assinatura singular e poética, dinâmica”, explica. Por e-mails e mensagens, trocamos uma ideia com Barrucho para entendermos melhor essa nova fase da carreira, o single e futuros trabalhos.

“Canoa Nova” é o seu segundo single. Fale um pouco sobre ele.
É uma composição daquelas que você quase abandona pela dificuldade de encontrar a forma correta de passar uma mensagem. A música fala sobre seguirmos os fluxos da vida com uma maior leveza, de acreditar em nós mesmos, um misto de firmeza com ternura, de confiança em nós mesmos. Fala da compreensão dos ciclos, a partir da observação da natureza. A canoa correndo no rio é uma simbologia da vida acontecendo, seguindo seus cursos naturais, a canoa nova é renovação desse fôlego, que nos mantém despertos e conduzindo nossas vidas no trajeto desse rio, da velocidade das águas, das curvas e pedras submersas.

Qual a necessidade de se fazer um projeto solo, depois de mais de 10 anos compondo e produzindo?
Como bom capricorniano, com ascendente em Áries, fui, com o passar dos anos, sentindo a urgência de fazer algo mais meu, onde pudesse cuidar de quase todos os detalhes. Criar algo que fosse parecido comigo, que expressasse não só em conteúdo verbal, letra e poesia, mas também a face artística e musical, estética, sonora e imageticamente. Que permitisse, artisticamente, me expressar e interpretar minhas próprias criações. Ao longo desse processo, que poderia ser muito solitário, venho estabelecendo parcerias com músicos e outros compositores de minha geração, amigos ou não, partilhando a criação de arranjos e contribuindo para o desenvolvimento do trabalho. O Gabriel Marinho é um produtor musical com quem já trabalho há algum tempo e que vem fazendo coisas comigo, produzimos juntos a faixa de estreia, “AMNST”, uma composição em parceria com o Lucas Vasconcellos. A trombonista Cecília Salles contribuiu nos dois singles, gravando os arranjos de trombone. O Julio Raposo, músico incrível e também produtor musical, colaborou na produção de “Canoa Nova”. São contribuições que somam no trabalho e confirmam que a realização desse projeto é importante para mim, é potente.

De onde vem o nome o Dossel?
Dossel chega primeiro pela sonoridade e pela sua leveza. É um nome que me veio como um sopro, que fui guardando por uns tempos, onde aprofundei minha pesquisa sobre o nome em si e sobre como eu me relacionava com aquele conceito. O processo de imersão nessa produção artística e musical me revelou que Dossel era mesmo como os frutos e percepções do fazer artístico se mostravam para mim. Dossel é um ambiente de descobertas, de exploração, de mistérios a serem desvendados, um lugar suspenso sobre a floresta, biodiverso e cheio de vida, onde habitam espécies de plantas e animais específicos dessa região da floresta tropical, que está aproximadamente vinte metros do chão. Nessa região, de muita folhagem e, por isso, com pouca visibilidade, não se vê a poucos mais de alguns metros, por isso os animais que lá habitam, desenvolveram sons para se comunicarem no Dossel. Essa atmosfera real e ao mesmo tempo fantástica me encantou e a identificação com o conceito me confirmaram que essa seria a minha alcunha, epônimo (nome de animal, planta) que se acrescentava ao nome próprio como um sobrenome.

As duas músicas lançadas até agora falam um pouco da contemplação da vida e do tempo, contra a correria que vivemos. Qual a importância de se falar sobre isso atualmente, período em que nós, seres humanos, parecemos estar sempre correndo contra o tempo?
Essa temática surge para mim com certa urgência, o que também é um contrassenso, uma vez que cada um dita o ritmo de suas vidas. Mas o que venho percebendo e sentindo, e então a vontade de compartilhar, não só pelas músicas, é o fato de não estarmos atentos ao que nos é imposto pelos sistemas, ainda que de forma indireta e sutil, justamente para que não seja questionado. Vejo como seguimos, cada vez mais, caminhos pelos quais nos dizem ser os mais adequados, aqueles ‘únicos’ possíveis e por isso seriam os melhores para todos, não levando em conta, dessa forma, as individualidades inerentes a cada ser. A partir disso faço um chamado à desaceleração, um retorno ao campo do sensível, pela percepção do nosso próprio ritmo e das vozes interiores.

Já tem alguma prévia sobre o terceiro e último single a ser lançado antes do disco?
O terceiro single adentra um aspecto mais místico, também presente no disco. Ela é uma das últimas composições que vão entrar nesse primeiro disco. No que tange a sonoridade, penso ser dos três, o mais ‘pop’, apesar da letra e atmosfera que está sendo criada estar circundada nesse ambiente extranatural e simbólico. A letra foi concebida num momento de imersão em um lado mais cabalístico do universo, explorando o conceito jungiano de ‘sombra’.

Sobre o disco, que virá após o lançamento desses três singles, o que pode dizer?
O disco vem se desenhando e tomando formato aos poucos, penso ele como resultado de uma pesquisa de timbres, ambiências, sensações e ideias compartilhadas. Não é um disco de canções, ele abarca também outros formatos, vinhetas, poesias e recortes. É onde vou apresentar algumas últimas parcerias que venho realizando, com outras compositoras e músicos. Há faixas em que só faço a música, outras em que fiz somente a letra. Tem sido um processo de troca e crescimento artístico muito interessante com artistas como Fernanda Vianna, Gui Amabis, Carolina Turboli, Marcos Campello e tantos músicos incríveis como o percussionista Rodrigo Maré e o baixista Lucas Barata. A concepção do disco está terminada, mas ele está na fase final de gravações e sairá nos próximos meses, o nome, que diz muito sobre o trabalho, vai ser revelado em breve.

– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista maringaense que está sentindo na pele a  dificuldade de fazer produção cultural nos feudos paranaenses (mas não vai desistir).

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