Entrevista: de Lisboa, Iguanas

por Pedro Salgado, de Lisboa

Banda seminal do selo Cafetra Records, o Iguanas editou em 2013 o seu primeiro álbum (“Doce”) apostando na experimentação, apresentando temas de várias texturas e evidenciando uma perspectiva onírica. Quando me encontro com a dupla Lourenço Crespo e Leonardo Bindilatti numa esplanada do Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, domina a boa disposição, bem como a vontade de dar a conhecer a música do grupo a mais leitores e em particular o novo disco, “Lua Cheia”, que tem sido elogiado pela mídia portuguesa, representando um ponto de virada relativamente ao trabalho anterior.

O percurso de ambos foi decisivo para chegar ao nível qualitativo de “Lua Cheia”. Leonardo aperfeiçoou a sua capacidade como beatmaker no seu projeto RabuMazda, produziu os discos “Alfarroba” e “Casa de Cima”, do Pega Monstro, bem como o álbum “Orgulho de Ex-Buds”, do Putas Bêbadas (no qual também toca bateria). Enquanto Lourenço foi tecladista na banda de Éme, evoluindo como cantor e compositor e destacando-se no seu primeiro disco solo (“Nove Canções”). Para além da ligação forte à Cafetra Records, os dois integrantes subscrevem a mesma visão sobre a essência do Iguanas: “A nossa música é pop e curtição de lágrima no olho”.

Concretamente, no novo disco, o duo aposta num pop eletrônico urbano, em que a amizade e a vida noturna, num ambiente multicultural, visam o combate ao tédio. “Lua Cheia” é um trabalho sólido e diversificado, beneficiando da produção e dos beats adequados de Leonardo Bindilatti, das letras irônicas de Lourenço Crespo e da masterização de Sonic Boom (ex-Spacemen 3). No single “Namorado”, a dupla incorpora referências pessoais na gozação e o doo wop “Queridos” inclui um sample de “Wait” (do álbum “Street Hassle”), de Lou Reed. A capacidade que Lourenço Crespo demonstra na criação de personagens para as várias músicas é uma das marcas importantes do álbum.

Outro aspecto que diferencia o trabalho mais recente de “Doce” é a vertente melódica e a preponderância das vozes. “Quando escolhemos músicas, escutamos os nossos riffs ou temos outras ideias, pensamos sempre qual delas será melodicamente mais atrativa. No ‘Lua Cheia’, pretendíamos elaborar algo mais fixo em que se escutassem as nossas vozes. Nesse processo, desenvolvemos diversas harmonias com o objetivo de realçar a parte melódica”, explica Leonardo Bindilatti. “E quando encontramos a letra certa sentimos que fizemos algo intemporal (risos)”, conclui Lourenço Crespo.

Filho de brasileiros que vieram viver em Portugal no final dos anos 80 (com família em São Paulo, Bahia e Mato Grosso do Sul), Leonardo conviveu desde cedo com a música brasileira, através dos gostos do pai (Zé Ramalho e Luiz Gonzaga) e da mãe (mpb, bossa nova e os clássicos dos anos 50 e 60). No presente, assume a sua paixão pelo funk brasileiro citando, do Rio de Janeiro, os DJ´s FP do Trem Bala e Renan da Penha (que descreve como “rápido e tamborzão”) e elogiando a nova cena “inovadora” do funk de Minas Gerais na pessoa de DJ Swat, de Belo Horizonte. Paralelamente, Lourenço Crespo aponta o nome de Jorge Ben Jor como uma grande referência: “Marcou-me imenso e o seu trabalho é notável”. De Lisboa para o Brasil, o Iguanas conversou com o Scream & Yell. Confira:

“Lua Cheia” celebra animadamente uma geração marcada pela miscigenação e pelo multiculturalismo. O lado festivo da vida seduz os Iguanas?
Sim! De certa forma, os nossos temas têm um lado noturno e uma tendência boêmia. A cena festiva seduz o Iguanas, porque gostamos de fazer música em conjunto e apesar desses fenômenos nos afetarem, não sabemos bem se o seu impacto se evidencia nas canções. Como gravamos num estúdio no Bairro Alto, o afluxo de pessoas é cada vez maior, a identidade vai se perdendo e também sentimos esses fatores. Os instrumentais do disco “Lua Cheia” foram gravados nesse estúdio e as vozes foram registradas em Lagos (uma cidade na região do Algarve, no sul de Portugal). Tivemos que sair da agitação lisboeta para gravar a parte vocal, mas também achamos que existem aspectos positivos associados ao multiculturalismo. O nosso objetivo é que o público se divirta com a nossa sonoridade. Isso está ligado ao fato do estilo musical do Iguanas ser eletrônico, com beats, proporcionando uma adesão mais imediata.

Outra característica do álbum é a diversidade de gêneros musicais. As escolhas que fizeram foram apenas motivadas por gostos pessoais ou representam uma forma de enfatizar o vosso imaginário?
Um pouco das duas coisas. Quando fazemos música, o ponto de partida são os gêneros musicais de que gostamos, mas depois interpretamos à nossa maneira. Por vezes, iniciamos a composição de um tema com uma ideia e embora tenhamos gostos idênticos, nunca sabemos como vai ficar a faixa. No primeiro disco, “Doce” (2013), gravado em fita k7, ainda estávamos experimentando um programa e fazendo beats no computador. Nesse álbum, o processo foi diferente e gravamos uma música por dia, inspirados nas nossas referências da altura, nomeadamente do hip-hop ‘old school’ de Memphis, como o Three 6 Mafia. Também gostamos de Ariel Pink e quisemos juntar esses elementos. Atualmente, no disco “Lua Cheia”, seguimos outras ideias. “Mais Que Dez”, por exemplo, foi a primeira canção que fizemos e pretendíamos fazer um house pop. Basicamente, buscamos as coisas de que gostamos, como o r&b, a música de dança, o kuduro e o funk.

Por falar em “Mais Que Dez”, ela é ritmada como a maioria das vossas canções, mas revela algum desencanto…
Tínhamos um riff (de Lourenço Crespo) e a ideia era desenvolver um tema de dança ligado ao house. O fato do conteúdo revelar alguma insatisfação corresponde ao que fazia sentido para aquela música. Nunca pensamos nisso e esse contraste é interessante mas, embora seja animado, o house também é muito vocacionado para um sentimento de nostalgia, como derramar uma lágrima na pista de dança (risos). Só se faz uma música completamente vibrante estando muito entusiasmado, mas, normalmente, as pessoas têm vários estados de espírito e compor um tema só com uma disposição é um pouco contranatura.

Estão satisfeitos com a reação do público aos vossos shows no Alkantara Festival (Lisboa) e no Serralves em Festa (Porto)?
As reações têm sido muito positivas. O público conhece as letras e é muito legal. No show de lançamento do “Lua Cheia” (no Alkantara Festival) o pessoal da fila da frente estava se divertindo muito, cantando e dançando as nossas canções. A atuação no Serralves em Festa foi durante o dia, por isso a audiência inibiu-se um pouco de dançar, mas aderiu da mesma forma. Durante esse show disseram-nos que já conheciam a banda desde o álbum “Doce” e estavam surpreendidos com o novo trabalho. Independentemente dos shows terem sido gratuitos, sentimos que as pessoas estiveram lá para ver o Iguanas. E esse aspecto é fundamental. Quando o público reage bem nós ficamos mais estimulados e foi isso que aconteceu.

Quais são os vossos planos para o futuro?
Fazer bastantes shows e música legal. Individualmente, teremos os nossos projetos. Mas, o objetivo passa por compor novas canções e tocar bastante. Adoraríamos apresentar mais vezes o “Lua Cheia”. Gostamos de trabalhar em conjunto e pretendemos fazer um disco melhor no futuro.

Gostavam de deixar uma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
Seria legal que mais músicos brasileiros viessem tocar a Portugal. Para além disso, agradecemos por toda a música que fizeram (e continuam fazendo). Esperamos que gostem da nossa sonoridade. Os brasileiros têm muito valor musical e a forma como trabalham a língua portuguesa resultou em ótimas letras. É bom escutar essas canções e perceber a influência que têm na nossa música.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.

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