Boteco: Sete garrafões de 750 ml

por Marcelo Costa

Abrindo uma série de sete cervejas em garrafões de 750 ml pela província canadense de Quebec com a sexta Le Trou Du Diable a passar por aqui, Dulcis Succubus, uma American Wild Ale envelhecida entre 6 e 12 meses em barricas de carvalho que antes maturaram vinhos brancos da Califórnia. De coloração dourada com creme branco de boa formação e rápida dispersão, a Le Trou Du Diable Dulcis Succubus exibe um aroma rustico, ainda que suave, com couro, cela de cavalo e curral em destaque seguido de frutado cítrico (uva verde, damasco, abacaxi) e leve doçura de mel. Há, ainda, leve condimentação e percepção bem suave de azedume. Na boca, a mesma suavidade percebida no aroma agora chega com frutado cítrico, mel, azedume, madeira e curral delicadamente no primeiro toque seguida de leve condimentação e refrescancia saborosa alta. A textura é seca e nada frisante e/ou acética (mas o barril marca presença). Dai pra frente, uma American Wild Ale nem tão Wild assim, mas apaixonante, com final de vinho branco e leve azedume. No retrogosto, secura, frutas cítricas, azedume e amor. Uou!

A segunda desta sequencia de sete cervejas em garrafas de 750 ml (recorte meio maluco, hein) com a cervejaria belga tradicionalíssima Fantôme, que, inclusive, costuma envasar todas as suas cervejas em garrafas de 750 ml. Oitava cerveja da Fantôme por aqui, a Amazonian Ghost leva guaraná da Amazônia em sua receita e exibe uma coloração amarela puxada para o âmbar bastante turva com creme branco de excelente formação e média alta retenção. No nariz, azedume suave, um leve toque cítrico e, claro, guaraná (ao lado de outras especiarias), tudo bem sutil e equilibrado – há, ainda, uma suave percepção de frutas vermelhas. Na boca, o guaraná aparece mais, mas surge acompanhado de frutas vermelhas (até um pouco mais presente) e doçura no primeiro toque e azedume comportado na sequencia. A textura é suave e, dai pra frente, a sensação é, realmente, a de uma Saison menos rustica e com muito guaraná. No final, frutas vermelhas e leve azedume. No retrogosto, azedume suave, cítrico e frutas vermelhas.

A terceira da série “garrafões” é a Deep Rainbow Valley Brett Edition, colaborativa entre a inglesa Buxton Brewery com a estadunidense Arizona Wilderness Brewing Co.. Trata-se de uma Farmhouse Ale com adição de suco de laranja, leveduras selvagens Bretta, flores de carqueja e lúpulo Amarillo. De coloração alaranjada com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Buxton Deep Rainbow Valley Brett Edition exibe um aroma caprichado com rusticidade acrescida de toques frutados e cítricos (laranja, damasco, maçã), funky, uma aproximação com sidra, azedume e leve amadeirado. Na boca, acidez leve e mais azedume chegam junto com cítrico suave no primeiro toque. Na sequencia, aumento leve de acidez, adstringência discreta, azedume e laranja, manga, damasco e maçã (aproximando-se de sidra). A textura é menos arrisca do que se espera, mas, ainda assim, é provocante. Dai pra frente, surge uma Farmhouse Ale com características de Sour e, simplesmente, deliciosa. No final, doçura, acidez e azedume. Já o retrogosto junta laranja, funky, damasco, sidra e adstringência suave. Amei!

A quarta dessa série é de Minas Gerais e é a Wäls Brut, uma Bière Brut elaborada através do tradicional método champenoise (com direito a levedura de champagne) e que passa nove meses em maturação em uma cave com temperatura e umidade controladas e segue refermentando na garrafa. De coloração dourada com creme branco espesso de ótima formação e longa permanência, a Wäls Brut exibe um aroma que combina notas frutadas (limão, laranja, abacaxi, damasco e uva verde) e frutas cristalizadas com azedume suave, uma pegada funky marcante, condimentado e doçura. Na boca, doçura de malte e leve funky chegam juntos no primeiro toque, com o funky tomando a frente na sequencia, que ainda traz frutas cristalizadas e percepção sutil dos 11% de álcool, belamente inseridos. A textura começa suave e vai ficando sedosa e funky, deixando sobre a língua um toque de celeiro e suor de cavalo. Dai pra frente, um conjunto bastante saboroso, com doçura frutada em destaque e funky bastante presente. No final, frutas cristalizadas, doçura de malte e leve funky. No retrogosto, frutas cristalizadas, doçura maltada, celeiro e felicidade.

De Minas Gerais para a Itália com mais uma da bela Birrificio Del Ducato, de Fiorenzuola d’Arda, cidade de pouco mais de 13 mil habitantes na Emília Romana (uma hora de Milão, duas horas de Veneza), desta vez uma Belgian Saison badalada, a Vieille Ville, numa edição da primeira safra (2012), numerada (garrafa 906 de 2400), limitada e com adição de Bretta e Saccharomyces. De coloração dourada com leve turbidez e creme branco borbulhante de ótima formação e rápida dispersão, a Del Ducato Vieille Ville exibe um aroma com acidez, azedume e celeiro disputando a atenção do bebedor, mas ainda é possível perceber frutado cítrico e leve doçura. Na boca, a doçura frutada (manga) surpreende no primeiro toque, mas o azedume surge intenso na sequencia trazendo consigo rusticidade e mineral. A textura é provocante, funky, levemente picante e condimentada. Dai pra frente, o conjunto sensacional, meio fazenda, com doçura leve, funky e azedume no final. No retrogosto, malte, herbal e pão. Boa!

Da Itália para a Dinamarca (ainda que produzida na fábrica da De Proefbrouwerij, na Bélgica) com uma cerveja da MAD Beer, projeto colaborativo do chef Jakob Mielcke Hansen (do restaurante dinamarquês Mielcke & Hurtigkarl) com o cervejeiro Mikkel Borg Bjergsø (Mikkeller), que lançou até hoje 8 rótulos. Esta é a Mad Salt, uma Wild Ale cuja receita une os maltes Pale e Cara-Munich l com candy light sugar, lúpulos Styrian Goldings e Hallertauer além de adição de sal e umeboshi, iguaria da culinária japonesa que é uma espécie de conservas de umê, chamado de ameixa, mas um parente próximo do damasco – ainda tem Bretta! De coloração dourada levemente turva com creme branco de boa formação e media alta retenção, a MAD Beer Salt exibe um aroma com leve frutado cítrico sugerindo pêssego num perfil que remete a Saison, com sensação de fazenda, celeiro, cereais e feno. O sal, porém, também aparece com facilidade trazendo consigo algo de mineral. Na boca, frutado (tangerina, pêssego e goiaba branca) bem suave no primeiro acrescido de um azedume bem sutil seguido de salgado médio, que define o conjunto Sour (e abandona o Saison), mais doçura maltada. A textura é seca e levemente frisante. Dai pra frente, uma cerveja doce e, ao mesmo tempo, salgada, com Bretta sutil, frutado incrível e sal marcante no final. No retrogosto, adstringência suave, pêssego, damasco, tangerina, cereais e doçura. Uou!

Para fechar a série retornamos ao Canadá com mais uma Le Trou Du Diable, desta vez a Belgian Tripel da casa, mas numa versão Wood Aged: La Bateuse Brassin Spécial, que leva a versão original (com três diferentes tipos de levedura) para descansar durante seis meses em barricas que antes maturaram o famoso Calvados, destilado de maçã produzido na Normandia francesa com denominação de origem controlada. De coloração amarela turva com creme bege clarinho quase branco de boa formação e média alta permanência, a Le Trou Du Diable La Bateuse Brassin Spécial exibe um aroma com bastante presença de maçã, percepção de melaço e de frutas (damasco em primeiro plano, mas também maçã e pêssego) além de condimentação (pimenta) e um suave toque funky. Os 11.5% de álcool batem ponto, mas (aparentemente) não assustam. Na boca, a doçura surge mais destacada no primeiro toque, ainda que carregue ingredientes de frutas cítricas (maçã e damasco no comando), que se destacam logo depois num conjunto que não oferece nada de amargor, mas traz condimentação e álcool (não parece, mas ele está aqui). A textura sobre a língua traz picância e álcool (enfim, ele aparece). Dai pra frente, um conjunto saboroso, frutado, condimentado e alcoólico. No final, maçã, cítrico e leve mel. Já o retrogosto, leve funky, álcool bem sutil, doçura caramelada e cítrico. Uma cerveja linda.

Balanço
Abrindo essa série de grandes cervejas em garrafas grandes (de 750 ml) com o pé direito com a Le Trou Du Diable Dulcis Succubus, uma Wild Ale medianamente Wild, mas sensacional. Apaixonei. A segunda é a tradicional Fantôme, cervejaria belga que marca presença com uma receita com guaraná da Amazônia! O resultado: uma Saison com muita fruta vermelha! E boa demais! Ainda melhor é a Buxton Deep Rainbow Valley Brett Edition, com a carqueja trazendo novidade e a laranja muito bem inserida. Que cerveja incrível! A mineira Wäls surpreende com uma Brut elegante e caprichadíssima! Capricho também marca a italiana Del Ducato Vieille Ville, que surge aqui em sua deliciosa versão 2012. Parceria de um restaurante dinamarquês com a renomada cigana Mikkeller, a MAD Salt é uma incrível Sour com jeitinho de Saison que, se combinada com o prato certo (e como foi produzida pra isso, a harmonização é quase certa), tende a se tornar absolutamente perfeita. Ainda assim, do jeito que está, sem acompanhamento, é uma baita cerveja. Fechando a série com a Le Trou Du Diable La Bateuse Brassin Spécial, uma cerveja com muita presença de maçã e sidra e Calvados. Delicia!

Le Trou Du Diable Dulcis Succubus
– Produto: American Wild Ale
– Nacionalidade: Canadá
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4.25/5

Fantôme Amazonian Ghost
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.75/5

Buxton Deep Rainbow Valley Brett Edition
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 4.16/5

Wals Brut
– Produto: Biere Brut
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4.46/5

Del Ducato Vieille Ville 2012
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 4.00/5

MAD Beer Mikkeller Salt
– Produto: Sour Ale
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.92/5

Le Trou Du Diable La Bateuse Brassin Spécial
– Produto: Belgian Tripel
– Nacionalidade: Canadá
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 4.33/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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