Música: “Consertos em Geral”, de Manoel Magalhães

por Bruno Capelas

Manoel Magalhães é um homem de outros tempos. Em seu primeiro disco solo, o recém-lançado “Consertos em Geral” (2018), o líder de bandas como Polar e Harmada surge como um sapateiro ou alfaiate das canções. No lugar de solas de sapato e botões, porém, seu trabalho é colar corações partidos com belos versos e refrães. Assim como esses profissionais liberais de pequenos consertos em geral, cada vez mais raros em tempos de obsolescência programada, Manoel resiste oferecendo itens que nem todo mundo presta atenção: canções pop sobre amores e despedidas, sonhos e reencontros.

Nas nove faixas do disco, o dono de algumas das melhores baladas do rock brasileiro dos últimos 20 anos (“Avenida Dropsie”, “Sufoco” e “Dias Iguais”, para ficar em três) faz um pequeno compêndio de suas influências e de sua própria trajetória. Estão ali as influências do rock acústico de bandas como Travis, que marcaram a Polar; o clima jazzy-romântico à la Alpha FM que se misturava ao rock 90s no caldeirão da Harmada (“Azar”); ou as referências ao melhor repertório dos cantautores estrangeiros – repare na piscadela que a letra de “Fica”, balada que abre o disco, faz a “I Wonder”, de Rodriguez.

Além disso, há espaço para a reverência à “música-nem-tão-popular brasileira” de nomes como Tom Zé e Maurício Pereira. Na bela “Campos”, por exemplo, Manoel cita o primeiro ao mesmo tempo em que busca fazer uma versão apaixonada-fluminense de “Trovoa”, do segundo. Para quem não conhece Manoel, o disco é um ótimo cartão de visitas. Para quem já acompanha seu trabalho há tempos, é uma forma divertida de encaixar quebras-cabeça de sua carreira. Mas calma, também: um incauto poderia apontar que o acordeão de “Domicílio” é filho de Marcelo Jeneci, por exemplo – os dois artistas, porém, são contemporâneos em história e ambições.

Assim como o criador de “Dar-te-ei”, Manoel traz para suas músicas uma dimensão e uma compreensão romântica rara nesta geração, que vai além da rapidez de matches, brindes com gim-tônica e despedidas fugazes. Mais do que simples companhia, o que se põe em primeiro plano aqui são relacionamentos marcantes, de qualquer espécie.

Pode ser uma paixão de uma semana (“Campos”, de novo, em que o eu-lírico sonha com um futuro bonito ao lado de uma moça que acabou de conhecer, vinda da cidade que dá título à canção) ou o famoso momento “entre a vontade de fugir e o medo de ficar” de muitos casais, retratado na dupla “Fica” e “Espelho”.

Há, claro, espaço para paixões antigas e mal resolvidas, outra criatura que muita gente tem mas prefere esconder no armário – sofrer por um amor de décadas passadas é tão demodè. Manoel, no entanto, não tem vergonha desse anacronismo, admitido claramente na bonita “Hoje Eu Não Sei”, outra que parece saída da mão de Jeneci ou de Conor Oberst, do Bright Eyes. Ou em uma canção inspirada como “Pra Gravar na Sua Secretária Eletrônica”, claramente vinda de outro tempo – 1986, talvez?

É nela que o autor talvez mais revele seu lugar, fazendo uma balada romântica até a medula, com solo de saxofone e versos metalinguísticos sobre canções “que ninguém presta atenção”. Bobagem: neste “Consertos em Geral” há muito no que se reparar e se apaixonar – tal como o último romântico de Lulu Santos, o recado é claro: tolice é viver a vida sem esse tipo de aventura. Mãos à obra.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e trabalha no caderno Link, de O Estado de São Paulo.

2 thoughts on “Música: “Consertos em Geral”, de Manoel Magalhães

  1. Muito Interessante esse site, gostaria de parabenizar pelo ótimo conteúdo. Gostei muito e vou acompanhar toda semana as novidades e atualizações. beijos Cintia

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