Três HQs: Pantera Negra, Wytches, Mensur

resenhas por Adriano Mello Costa

“Pantera Negra – Uma Nação Sob Nossos Pés – Livro Um”, de Ta-Nehisi Coates, Brian Stelfreeze e Laura Martin (Panini)
Ta-Nehisi Coates é uma das vozes negras mais fortes nos EUA atualmente. Autor do ótimo livro “Entre o Mundo e Eu” (lançado no Brasil em 2016), também é colaborador de diversos outros veículos – aqui seus textos sempre vigorosos e emocionantes já saíram na Revista Piauí. Completando 40 anos em 2017, Ta-Nehisi foi o responsável por moldar a nova fase do Pantera Negra na Marvel, próximo ao lançamento do filme do personagem no cinema no início de 2018. Nada mais coerente e acertada que essa escolha. Com arte de Brian Stelfreeze (Batman) e cores de Laura Martin (Planetary), Coates invadiu o mundo dos quadrinhos e aos poucos (com a ajuda de Stelfreeze) foi aprendendo os macetes e melhorando a formatação das ideias. O resultado inicial podemos ler agora. “Pantera Negra – Uma Nação Sob Nossos Pés – Livro Um” reúne as edições de 1 a 4 de “Black Panther” publicadas nos EUA entre janeiro e setembro de 2016. A série convive com diversos atrasos e, para engrossar a publicação de 148 páginas, a Panini inclui nesse encadernado a primeira aparição do personagem na revista “Fantastic Four 52”, de julho de 1966, feita pela dupla Stan Lee e Jack Kirby. Nessas novas aventuras temos o Pantera Negra inserido em uma Wakanda dividida. Seu reinado é questionado devido as últimas invasões sofridas e picos de descontentamento se transformam em sérias ameaças e revoltas prontas para explodir. O cenário é desesperador. O país nunca se viu tão frágil e seu rei não sabe que caminho tomar: o da força ou da diplomacia. No meio disso o autor explora tradições e lendas africanas em contraponto a tecnologia inserindo questões como orgulho, honra e dever na mistura. A arte de Stelfreeze é extremamente funcional e faz com que a Wakanda imaginada por Coates seja real e resulte num ótimo casamento entre personagem e equipe criativa.

Nota: 7,5

“Wytches”, de Scott Snyder, Jock e Matt Hollingsworth (Darkside Books)
“Wytches” reúne um timaço. Roteiro de Scott Snyder (Batman), arte de Jock (Os Perdedores) e cores de Matt Hollingsworth (Preacher) em um trabalho que começou a ser publicado sem pretensão de conquistar muitos fãs e acabou tendo uma repercussão bem maior do que fora imaginado. A Darkside Books, dentro do selo especial dedicado aos quadrinhos que criou, publica no Brasil a obra pela primeira vez em uma caprichadíssima edição de capa dura, com 192 páginas, tradução de Érico Assis e diversos extras. A compilação apresenta ao público brazuca as seis primeiras edições de uma história que tem o terror como condutor em uma versão de bruxas radicalmente diferente daquela conhecida. Gira em torno da família Rook que se muda para uma pequenina cidade do estado de New Hampshire, nos EUA, para escapar de acontecimentos estranhos, o que de nada adianta, pois na floresta em volta da cidade há um mal secular que se retroalimenta de medo e covardia. O roteiro conduzido por Snyder é preciso e direto o que dá espaço para a arte e as cores brilharem em um processo de criação com resultado final esmagador. “Wytches” é daqueles quadrinhos que fogem do convencional, e mesmo sem ir ao experimentalismo total mostra poder e apelo de conquista e envolvimento.

Nota: 8,5

“Mensur”, de Rafael Coutinho (Companhia das Letras)
Mensur é o nome de uma luta de espadas que teve origem na Europa do século XV, reapareceu em universidades durante o século XIX e que ainda conta com alguns praticantes espalhados pelo mundo. Também é o nome do novo trabalho de Rafael Coutinho com 208 páginas, formato grande (18,80 x 27cm), capa dura e lançamento pelo selo Quadrinhos na Cia. da Companhia das Letras, assim como foi “Cachalote” de 2010, parceria sua com o escritor Daniel Galera. Foi nessa época que o autor teve a ideia de “Mensur”, contudo um trabalho idealizado para ter término em um ano levou sete vezes mais para ganhar edição final. O personagem principal é Gringo, um cara na dele, que pula de trabalho em trabalho e de cidade a cidade com frequência. Percebe-se logo que está fugindo de algo, que em algum momento aconteceu um fato que o fez perder o rumo e o gosto pela vida e atualmente ele se preocupa somente em existir e olhe lá. A arte em preto e branco de Rafael Coutinho, às vezes com um proposital rabiscado com linhas se esticando na página, experimentando o que pode, e outras vezes com esmero e cuidado nas feições e pano de fundo, espelha justamente esses anseios guardados, essa inaptidão, esses fantasmas escondidos no fundo da alma. Ao voltar para Ouro Preto, cidade onde fez faculdade e participou da república onde conheceu a prática desse perigoso duelo, as coisas tomam um inesperado caminho. Na busca meio sem jeito do protagonista por qualquer tranquilidade que seja ou até mesmo para se redimir de um passado não resolvido, o autor enxerta, além do gancho inusitado do mensur em si, coadjuvantes sujos e trambiqueiros, que contrastam diretamente com a retidão moral de Gringo, ainda que essa tenha caminhos bem próprios. “Mensur” é outra grande obra de Rafael Coutinho e tranquilamente uma das melhores do ano.

Nota: 9 (leia um trecho em PDF)

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br

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