Três documentários: “Springsteen & I”, “Jaco”, “Eagles of Death Metal: Nos Amis”

resenhas por Marcelo Costa

“Springsteen & I”, de Baillie Walsh (2013)
Há uma constante dicotomia com o sentimento que a palavra “fã” proporciona na música pop: se por um lado eles são uma das importantes engrenagens que movimentam a indústria cultural, por outro podem amar tão cegamente um artista que afastam o restante do público de seu objeto de desejo. Ou seja, ao invés de ampliar o séquito, eles diminuem. Desta forma, quanto Ridley Scott assumiu a produção de um documentário focado nos fãs de Bruce Springsteen, a sensação era que “Springsteen & I” seria voltado apenas aos convertidos pelo Chefão, mas a boa surpresa é que os 124 minutos do documentário podem (e devem) atiçar a curiosidade daqueles que não entendem como esse cara de New Jersey pode atrair tanta admiração. Com o mote inicial de “defina Bruce em três palavras”, o espectador verá uma garota com mestrado que decidiu ser caminhoneira e conta como se vê representada pelas canções de Bruce, um típico fã relembrando quando foi a um show do Boss vestido de Elvis Presley e foi chamado ao palco para um dueto até a comovente história de um fã britânico, da classe operária, que juntou dinheiro durante anos para um bate e volta de quatro dias Londres / Nova York para ver Bruce nos piores lugares do Madison Square Garden e teve uma feliz surpresa (festejada com suas economias bancando taças de champanhe de 7 dólares para a esposa). Indicado para qualquer fã de qualquer artista, pois todos irão se reconhecer nas histórias poéticas (e, sim, piegas, mas nunca nonsense – ok, talvez apenas a de Murakami nos extras) contadas no filme, “Springsteen & I” traz nos extras do DVD (lançado também em Blu-Ray no Brasil) seis músicas ao vivo no Hyde Park (duas delas com Sir Paul McCartney no palco), alguns vídeos de fãs que ficaram fora do corte final (como o do carioca Rogério) e o encontro de Bruce com algumas pessoas que participaram deste documentário emocional. Imperdível.

Nota: ****

“Jaco”, de Paul Marchand e Stephen Kijak (2014)
“Eu sou o melhor baixista do mundo”. É assim que John Francis Anthony Pastorius III se apresentava a quem quer que fosse que passasse na sua frente. O asco pelo ego enorme unido a incredulidade de quem ouvia a frase iam por terra logo depois que Jaco Pastorius começava a tocar dando lugar a sensação de que a pessoa sortuda estava diante de um gênio das quatro cordas. Porém, logo na abertura de “Jaco”, documentário de Paul Marchand e Stephen Kijak financiado por Robert Trujillo (o baixista do Metallica), uma cena rápida dá conta do drama do homem: é um programa de TV e Jerry Jemmott (amigo baixista que tocou com Aretha Franklin e BB King) enumera as qualidades de Jaco, e pergunta: “Como você se sente quando ouve isso?”. E Jaco responde diretamente: “Dê-me um show então”. Genial e de difícil convivência, Jaco Pastorius tem sua vida relembrada neste filme que mergulha na dramática história do baixista mostrando que o preço pago por sua genialidade lhe custou a vida – ele morreu aos 35 anos após passar 10 dias em coma devido a uma violenta briga com um segurança na porta de uma casa de shows na Florida, onde ele vivia pobre e solitário dormindo em um parque, já considerado gênio, mas diagnosticado com distúrbio bipolar, síndrome de pânico e depressão (ao saber de sua morte, Miles Davis compôs “Mr. Pastorius”). “Um ego enorme, mas inocente”, definiu de modo aparentemente certeiro Ian Hunter, que teve Jaco tocando maravilhosamente na faixa título de seu álbum “All American Alien Boy”. O roteiro recorda sua infância, época em que ele conseguia sintonizar rádios cubanas em seu radinho, seus primeiros shows, sua descoberta por Bobby Colomby (da banda Blood, Sweat & Tears,), que o levou a Nova York para gravar seu álbum de estreia, sua entrada no Weather Report e sua parceria com Joni Mitchell num documentário que, assim como “What Happened, Miss Simone?”, flagra um gênio da música atormentado por uma doença. Para assistir (na integra logo abaixo), reverenciar e ir atrás de suas canções.

Nota: ****

“Eagles of Death Metal: Nos Amis (Our Friends)”, de Colin Hanks (2017)
13 de novembro de 2015, o modo de vida parisiense é violentamente atacado por terroristas do Estado Islâmico, que em três pontos da Cidade Luz deixam mais de 130 mortos, sendo que 89 deles estavam assistindo a banda norte-americana Eagles of Death Metal na lendária casa de shows Bataclan. Em “Eagles of Death Metal: Nos Amis (Our Friends)”, Colin Hanks (filho de Tom Hanks) retoma o pesadelo daquela noite trágica, mas só na segunda parte deste poderoso documentário. Na primeira, o roteiro lança luz sobre a amizade comovente entre o candidato a eterno loser Jesse Hughes com seu salvador (na posição de irmão mais velho) Josh Homme, líder do Queens of The Stone Age. Jesse começa contando como conheceu Josh em meio a um bullying escolar (“Garotos mais fortes do colégio haviam me jogado numa piscina numa festa, e não me deixavam sair de lá até que Joshua, que é enorme e forte, chegou e me tirou. Foi a primeira vez que nos falamos”, relembra) e logo eles se tornaram grandes amigos. Foi Josh também que o salvou após um casamento desfeito e o encaminhou para a música. De uma amizade intensa e cumplice nasceu uma banda, que Josh não pode acompanhar (tocando bateria) pelos compromissos (enormes) com o QOTSA e sua família. Jesse então fala da fase “Zipper Down”, o quarto álbum que deveria ser a separação dos dois, mas a tragédia do Bataclan os uniu. A aterrorizante segunda parte do filme fala do massacre com fãs que sobreviveram ao show relembrando a fatídica noite (e que se conectam com a garota que dias depois do atentado viu um show do Boogarins em Paris e escreveu: “o simples ato de assistir a um concerto tem trabalhado como uma pequena vitória contra o medo”), do importante apoio que a banda recebeu do U2 (que cedeu a eles o palco de seu show em Paris três semanas após o atentado), da polêmica defesa de porte de armas de Jesse Hughes na TV francesa e da volta do Eagles of Death Metal a Paris meses depois para um show no Olympia num retrato doloroso destes tempos insanos que estamos vivendo. Disponivel no Netflix.

Nota: ****½

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

 

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