Três livros: “Armada”, “Faca de Água” e “Sombras de Reis Barbudos”

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Armada”, de Ernest Cline (Editora Leya)
“Jogador No. 1” (“Ready Player One”, 2011) foi publicado no Brasil em 2012 pela editora Leya e chamou a atenção. Escrito por Ernest Cline (roteirista do filme “Fanboys”, de 2009), o livro é dinâmico e insere cultura pop em doses saborosas, o que resulta em ótimo brilho nostálgico. A obra até virou filme a ser lançado em 2018 com direção de Steven Spielberg, destacando bem essas qualidades. A expectativa para o segundo trabalho do autor era natural e em 2015 ela terminou com o lançamento de “Armada”. No mesmo ano a Leya colocou a versão nacional no mercado com 430 páginas e tradução de Fábio Fernandes. Nessa nova trama conhecemos Zack Lightman, um jovem que está prestes a terminar os estudos antes da faculdade e que passa a maior parte do tempo jogando videogame no simulador que empresta o nome ao livro e trabalhando em uma loja geek na pequena cidade que mora. Tudo anda na toada entre a insatisfação, o tédio e os sonhos impossíveis enquanto o futuro não se apresenta. Com o fantasma do falecido pai sempre circulando em meio aos pertences e teorias deixadas por ele que lhe transferiu o gosto por games, música e filmes, tudo muda quando Zack vê no pátio da escola uma nave exatamente igual a do jogo que tanto gosta de passar o tempo. Muda mais ainda quando outra nave desce no pátio para lhe buscar para partir em uma missão que tem como objetivo simplesmente salvar a terra de uma invasão alienígena. Com um misto de deslumbramento, medo e espanto, parte para um universo que pensava não existir. Em “Armada”, Ernest Cline homenageia a ficção espacial e usa as mesmas técnicas já apresentadas antes. Contudo, dessa vez diminui a dinâmica, deixa o roteiro cheio de pequenas falhas e exagera nas doses de cultura pop e nostalgia, com referências em excesso que mais prejudicam do que ajudam. Decepcionante.

Nota: 4

“Faca de Água”, de Paolo Bacigalupi (Intrínseca)
Quando um livro ambientado em cenários futuristas ou distópicos apresenta situações que em determinadas instâncias são plenamente possíveis de acontecer algum dia, isso acrescenta ao trabalho um grau maior de interesse, prendendo mais o leitor e fazendo com que se discuta posteriormente um ou outro fato. Esse é o caso de “Faca de Água” (“The Water Knife”, no original), publicado nos EUA em 2015 que ganhou lançamento nacional pela editora Intrínseca no ano passado. Com 400 páginas e tradução de Alexandre Raposo, este é o primeiro trabalho do escritor norte-americano Paolo Bacigalupi em terras tupiniquins. O autor, que já ganhou prêmios importantes como o Hugo e o Nebula, é presenteado com uma bonita edição para mostrar o inteligente thriller que concebeu. A trama se passa em um futuro não especificado onde os EUA estão quebrados e divididos com os estados soberanos, sendo a União um mero lembrete para casos extremos. A briga é por rios, lagos e fontes, ou seja, por água. A água se tornou o bem mais valioso e tudo que acontece na sociedade se origina dela. Angel Velasquez é um Faca de Água, uma mistura de agente, espião e assassino privado, que toma conta dos interesses de Catherine Case, a chefona de Las Vegas. Quando surge em Phoenix uma situação que pode mudar o status geral, ele se manda para a cidade onde cruza caminho com a hábil jornalista Lucy Monroe e a jovem sonhadora Maria Villarosa. “Faca de Água” tem várias qualidades além de tratar sobre um cenário verossímil enrosca economia, política e meio ambiente com tudo aquilo que o ser humano é capaz para sobreviver. Seus personagens – mesmo os de maior bondade – também são passíveis de atos nada nobres em prol de interesses próprios, o que deixa o leitor pisando em terreno minado sobre o que esperar nas páginas que virão.

Nota: 7,5 (Leia um trecho direto do site da editora)

“Sombras de Reis Barbudos”, de José J. Veiga (Cia das Letras)
Anos 70. Uma pequena cidade do interior que pode ser de qualquer estado do Brasil, principalmente longe dos centros mais famosos. Progresso chegando a passos de cágado, quando de repente uma novidade surge e atiça todos os moradores. Uma novidade que promete mudar as coisas daquele ponto em diante. Essa é a diretriz básica de “Sombras de Reis Barbudos”, livro do escritor goiano José J. Veiga publicado originalmente em 1972 quando o “digníssimo” general Garrastazu Médici comandava o período mais duro da ditadura que assolou nosso país. Em 2015, a Companhia das Letras começou a republicar o autor em caprichadas e detalhadas edições, uma atitude mais que louvável pois deu a chance de novos leitores conhecerem um dos grandes escritores nacionais. Com 152 páginas, pode-se dizer que “Sombras de Reis Barbudos” não é o trabalho mais conhecido dele – esse mérito fica com o ótimo “A Hora dos Ruminantes” de 1966 que também ganhou reedição em 2015 –, contudo, é ainda melhor e mais completo. Quem narra a história é um adolescente que retorna aos 11 anos de idade quando a Companhia Melhoramentos de Taitara chega a cidade através de um tio que logo é deposto do comando. A partir disso, a empresa sai distribuindo desmandos e proibições ilógicas pela cidade e logo vira um pesadelo para os habitantes que se veem presos as ordens estapafúrdias e opressivas. Como de costume em suas obras, José J. Veiga insere humor nas frases, expressões e modo de falar dos personagens e no último terço brinca com o realismo fantástico que tanto lhe atribuem. A narração entre a descoberta, a ingenuidade e o inconformismo calado guia todas as alegorias e analogias que são feitas para o regime político do país na época (e tem paralelos diretos até com nossos conturbados dias atuais), resultando em uma obra que não pode ganhar uma alcunha menor do que essencial.

Nota: 9,5

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br

One thought on “Três livros: “Armada”, “Faca de Água” e “Sombras de Reis Barbudos”

  1. Acho que o Veiga e o Luiz Vilela são dois dos grandes escritores mais subvalorizados do Brasil. Não sabia dessas reedições, e que bom que elas estão aí. Acho que “essencial” é um termo bem justo se aplicado a obra dos dois. Podia vir um relançamento da obra do Vilela também.

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