Saiba como foi o Coala Festival 2017

texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari (galeria completa)

Muita gente acha que é fácil, mas montar um line-up interessante e acessível de festival exige bastante atenção, conhecimento e até um pouco de sorte. No quesito curatorial, o Coala Festival, que celebrou sua 4ª edição com 12 mil ingressos esgotados antecipadamente no último fim de semana no Memorial da América Latina, em São Paulo, segue dando uma aula para grandes festivais, perdidos na repetição ininterrupta das mesmas atrações de outras edições e na falta de visão de que as novidades de hoje podem (devem) ser os headliners de amanhã. Em cerca de 10 horas de apresentações ao vivo, o Coala Festival continua sendo uma bela vitrine do que a boa música brasileira anda proporcionando na atualidade.

Porém, nem tudo foi perfeito no sábado de sol intenso e boa música no conjunto arquitetônico de concreto projetado por Oscar Niemeyer. Para um festival, crescer é um sonho, mas também um desafio, afinal quanto mais público, maior a necessidade de se atentar a responsabilidade pela administração de um grande contingente de pessoas reunidas em um mesmo lugar, e dependentes da estrutura do evento. Nesse quesito, o Coala repetiu erros da 3ª edição, com filas enormes para comprar fichas e retirar comida (em certo momento, a espera por um hambúrguer era de uma hora e meia!), o que fez com muita gente perdesse shows para saciar a fome, algo que precisa ser repensado urgentemente para o futuro.

Ainda assim, o Coala Festival continua sendo uma grata surpresa no cenário musical de São Paulo, por agregar um público (notadamente jovem) cada vez maior e interessado nos novos caminhos da música brasileira e oferecer aos artistas um momento de celebração diante de 12 mil pessoas. Nesse sentido, a opção do festival em escolher um artista já com público formado e coloca-lo para abrir o evento visando assim trazer mais público para o começo do festival, e para as atrações seguintes, se prova uma estratégia acertada, que já havia mostrado sinais positivos em 2016 com Silva escalado para abrir os trabalhos diante de uma enorme plateia, e repetiu o sucesso com Liniker e os Caramelows em 2017.

Um dos grandes nomes da música brasileira em 2016, e com a fama aumentando neste ano, Liniker, acompanhada dos Caramelows, mostrou no Memorial da América Latina que sua banda, imatura musicalmente meses atrás, já está azeitada e cada vez mais entrosada, dando conta da responsabilidade de abrir um evento deste porte. Se “Remonta”, o álbum, foi um “balde d’água fria”, o show coloca as coisas no seu devido lugar, com Liniker brilhando dentro de um vestido prateado e mandando seu recado: “Neste país que mais mata travestis, negros e mulheres no mundo, a gente resiste através da nossa arte sim, a gente ocupa esse palco sim”, pontuou antes de tocar seu maior hit, “Zero”, cantada em coro por um grande público.

Vitimada por uma virose que a acompanhava fazia três dias, quase afônica e após passar a manhã inteira no hospital, a paraense Aíla (vestida a lá Peaches) subiu ao palco e soltou a voz num grande show que trazia as canções do excelente “Em Cada Verso Um Contra-Ataque”, que Renan Guerra definiu no Scream & Yell como um “ótimo antídoto contra o discurso fofolete de grande parte da MPB atual”. Acompanhada de Arthur Kunz (baterista da ótima Strobo), Allen Alencar (guitarra), Joao Deogracias (baixo e synth) e Chiquinho Moreira (teclados do Mombojó), Aíla juntou canções como a lambada “Lesbigay” (parceria sua com Dona Onete) a covers fortes como a de “Somos Milhões”, das Mercenárias. Grande show.

Ainda debaixo de um calor intenso, Tulipa Ruiz assumiu o microfone declarando amor ao público: “É um prazer estar derretendo nesse sol com vocês”. Escudada pelo irmão Gustavo Ruiz (guitarra), Gabriel Bubu (baixo) e Caio Lopes (bateria), Tulipa dividiu o show em dois: na primeira parte, as canções de “Dancê” (2015), seu terceiro disco, fizeram todo mundo dançar debaixo do solzão das 15h da tarde de sábado. Na segunda, canções como “Efêmera”, “Pedrinho” e “Só Sei Dançar com Você” foram cantadas em coro pelo público, que ainda foi presenteado com uma grande versão de “Víbora”, que contou com Luiz Chagas, pai de Tulipa, solando, e Liniker, encorpando o coro vocal no final da canção.

Responsável por um dos grandes discos de 2017, “Galanga Livre”, presente na lista da APCA de 25 álbuns da música brasileira no primeiro semestre, Rincon Sapiência assumiu o palco com sua banda (baixo, guitarra, percussão, backings e DJs) pedindo “Liberdade para Rafael Braga” e entoando #ForaTemer, grito que já vinha ecoando no público desde a abertura dos portões, e que ganhou amplitude no show. Faixas mais antigas como “Linha de Soco” também marcaram presença no set, que teve em “Ponta de Lança” seu grande momento, com boa parte do público acompanhando versos como “Tô burlando lei, picadilha rock, quando falo rei, não é Presley, Olha o meu naipe, eu tô bem Snipes, tô safadão, tô Wesley”.

O sol descansou, a lua chegou e com ela um dos grandes momentos do evento, o encontro no palco de Emicida, Rael e Fióti, que iluminaram no topo do palco a frase “Liberdade para Rafael Braga”, e fizeram um show potente, alternando o toque raivoso das canções de Emicida com os momentos românticos de Rael e Fióti. O tema musical do filme “Rocky, Um Lutador” (1976) foi a deixa para Emicida fazer todo o público pular com “Zica, Vai Lá”. Dai em diante, um desfile de canções poderosas com mensagens fortes como “Boa Esperança” e “Hoje Cedo” e suaves como “Passarinho”. Fióti teve a oportunidade de mostrar algumas canções de seu EP “Gente Bonita” enquanto Rael, emocionado, teve o reconhecimento da plateia num grande encontro.

Encerrando o festival, Caetano Veloso, voz e violão. Se o formato preguiçoso frustrou quem esperava o homem acompanhado de uma banda, as grandes canções garantiram que até moradores dos prédios vizinhos ao Memorial pudessem cantar junto com o enorme público presente. Da abertura, com “Nosso Estranho Amor”, “Odeio” e “London London” passando por números dispensáveis como “Leãozinho” e “Menino do Rio” até pérolas incontestes como “Nine Out of Ten”, “Reconvexo”, “Um Índio”, “Baby” e “Desde Que o Samba é Samba”, Caetano fez um show bonito para se cantar junto, e ainda que seu tímido e sussurrado #ForaTemer após “Podres Poderes” demonstre uma insegurança política que não casa com sua persona, a noite (e o festival) ganhou um encerramento de gala.

Em sua quarta edição, o Coala Festival continua na missão de valorizar a música brasileira sendo acompanhado por um público cada vez maior, e cada vez mais atento ao Brasil de hoje, sintonia poucas vezes encontrada entre plateia e produção, o que demonstra que a curadoria atenta do festival está no caminho certo, acreditando no novo e apostando em sua união com nomes consagrados, sempre necessários para atrair a atenção de mais gente. Apesar dos equívocos imperdoáveis de estrutura no quesito alimentação, o saldo ainda foi positivo, pois mostra que, sim, é possível fazer um festival com essa qualidade musical e ainda receber a atenção do público. Nessa aprovação da curadoria reside o merecido sucesso do Coala, que fixa desde já como um dos principais festivais do calendário de São Paulo na atualidade.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta. Site oficial: http://lilianecallegari.com.br

Leia também:
– Saiba como foram as edições do Coala Festival em 2015 e 2016

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