Texto por Renan Guerra
Letícia Novaes era uma das metades do grupo Letuce, a outra era Lucas Vasconcellos, seu ex-namorado e parceiro musical. Se o Letuce era solar, colorido, um banho de mar em dia de praia lotada, a primeira empreitada solo de Letícia, sob o nome de Letrux, é noturna, com roupas de couro e paetês, pronta para a balada e para um banho de mar sob o luar. Pop e dançante, “Letrux em Noite de Climão” coloca força, entre guitarras e sintetizadores, aos versos íntimos da artista carioca.
Letícia Novaes é escritora, atriz, cantora e essa sua porção múltipla se espalha no disco, criando personas, “vestindo fantasias, tirando a roupa”. Seu lado atriz se difunde pelas vinhetas quase visuais que perpassam o disco, seu lado escritora urge nesse universo que ela cria, que primeiro remete a sua vida real, para no verso seguinte fugir e ir para outros cenários, imaginários e surreais. Aliás, em entrevista aqui para o Scream & Yell, no final do ano passado, Letícia afirmava que se sentia “mais escritora do que qualquer outra coisa. Eu penso nas músicas como num romance, como num livro”.
Entre a imaginação, o surrealismo e a dança, versando em português, inglês, espanhol e francês, “Letrux em Noite de Climão” é o completo chafurdar nessa torta de climão dos desamores e dançar, para depois “[…] nadar / Pelada no mar / Água nas partes / Fugir dos desastres / Virar sereia”. Em entrevista ao O Globo, Letícia disse “desde 2013, o climão foi começando a ser armado no Brasil e no mundo. Tudo eclodiu no ano passado, hoje a gente tá quase no núcleo da Terra. Só fazemos arte pra delirar, pra sobreviver”. É nesse delírio que Letrux habita, pois Letícia cria um universo bastante alegórico, que passeia nesse paradoxo alegria-tristeza, naquele cenário clássico de afogar as mágoas na pista de dança, com canções que mexem os nossos quadris e nos fazem chorar.
Construído a partir de um crowdfunding, gravado na Toca do Bandido e lançado agora pela gravadora Joia Moderna, o disco é produzido por Arthur Brangati e Natália Carreira, ao lado da própria Letícia, contando com a participação especial de Marina Lima, que também ouviu, deu dicas e colaborou de diversas formas com o projeto. Tanto que é inegável certos diálogos do disco com a obra de Marina. Entretanto, por causa do nome, Letrux foi logo de cara comparada ao “Tropix”, de Céu, até mesmo pelo fato de ambos funcionarem nesse cenário de sintetizadores esfumaçados, porém são dois universos distintos, que colidem aqui e ali, mas ainda assim distintos. Céu é mais suave, enquanto Letícia se joga mais fundo em sua mística, o que não impossibilita que as duas toquem nas mesmas festas e embalem os mesmos corações partidos. É quase como se “Arrastar-te-ei” e “Coisa Banho de Mar” fossem uma dobradinha, desse mar que nos salva, desse “mar para lhe curar”, do tipo que “em forma de enxurrada / […]volta depois / arrasta nós dois”.
Dentre as faixas de “Letrux em Noite de Climão” destaca-se “Ninguém Perguntou por Você”, que começa serena, depois vira um hit disco, do tipo para dançar, pular e borrar a maquiagem com lágrimas, bem cena de cinema, bem climão & carão na boate. Já “Que estrago”, com as vozes de Ana Cláudia Lomelino (a.k.a. Mãeana), DUDA BEAT e Martha V, traz altas doses de tensão lésbica, num refrão forte e pegajoso. “Puro Disfarce”, por sua vez, é o encontro de Letícia com Marina Lima, advindo de uma amizade surgida ainda no MySpace, na época que o Letuce regravou a linda “Acontecimentos”. Ainda vale citar “Coisa Banho de Mar”, de refrão pop e versos alucinados, que foi escolhida como primeiro single do disco, com direito a clipe kitsch anos 80, com muito vento nos cabelos e exageros de chroma key.
Mauro Ferreira, do G1, escreveu que a carreira de Letícia, assim como do falecido Letuce, é apenas sustentada por uma bolha de “amigos influentes” e que Letrux não irá além das listas amigas, porém, é só olhar rapidamente e ver um público bem heterogêneo que acompanhava a carreira de Letuce e que agora se volta para o universo pessoal de Letrux. Em poucos dias, é possível já ver uma resposta bastante positiva do público, o que deve certamente levar Letícia para muitas noites de climão por aí. Eu, que não sou parte da bolha de amigos influentes da Letícia, digo que essa noite de climão é hipnotizante e merece sua atenção. Eu, por aqui, já abri a minha sidra (a crise anda feia) e estou dançando e cantando versos como “tô louca pro mundo acabar, tô louca pro mundo começar”! Bora nessa festa?
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell. A foto que abre o texto e a arte da capa do disco são de Ana Alexandrino / Divulgação.
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