Três CDs: Estranhos Românticos, Isca de Polícia e Thundercat

resenhas por Lucas Vieira

“Estranhos Românticos”, Estranhos Românticos (independente)
Formado por feras antigas do underground carioca, o Estranhos Românticos faz sua estreia trazendo a bagagem de ex-integrantes de conjuntos como Polaroide, Minha Mãe e Gatz Mao em uma concepção muito moderna. A estrutura das 12 faixas têm as bases em um pop básico, bom de dançar, e em uma pegada bem roqueira. As letras do primeiro disco fazem jus ao nome do grupo: são histórias de tom realista, traduzindo experiências que fogem da perfeição das paixões idealizadas. Em resumo, tocam e escrevem dentro da máxima do Cazuza: “O amor na prática é sempre ao contrário”. Pegando como exemplo a canção “Um Sabotador”, dá para sentir a característica principal do álbum: é como se a banda fizesse uma mudança nos papéis de cada som e saísse do lugar comum na mixagem. As guitarras raramente são o destaque de alguma faixa. Em “Chuva Tropical”, faixa de abertura, um riff stoner chama atenção por o baixo fazer a base da música, que tem efeitos delirantes de teclado. As referências são muitas. Há um delírio psicodélico em “Karma”, “Um Tonto” é a balada indispensável no repertório e “Moderno Mundo” puxa influências rockabilly. Com arte de Buddy McCue fazendo uma singela homenagem ao filme “O Monstro da Lagoa Negra” (1954) na capa, a gravação é uma boa pedida de som que é menos do mesmo. Há muita personalidade na voz rasgada, na agressividade do contrabaixo, nos brilhos da guitarra, na infinidade de timbres das teclas e nas variações no uso das peças da bateria.

Nota: 7 (Download gratuito: https://estranhosromanticos.bandcamp.com)

“Vol.1”, Isca de Polícia (Tratore)
14 anos após a morte de Itamar Assumpção, a sua primeira banda de apoio, a Isca de Polícia, lança seu álbum de estreia. Responsável pela fase mais carismática da carreira do cantor, o oferece um disco que mantém a alma da discografia de Itamar, porém não deixa de mostrar novidades. O baixo (executado pelo ímpar Paulo Lepetit) continua com muito protagonismo, porém, não é essencialmente o carro-chefe das músicas, que estão mais acessíveis aos ouvidos preguiçosos, apesar de nada óbvias. A Isca sempre inventa um detalhe que leva o som para longe do básico: uma distorção metálica nas guitarras, uma nota a mais no contrabaixo. Vange Millet e Suzana Salles assumem o desafio de estar à frente da banda, o que tiram de letra, afinal, mesmo quando eram backing vocals, nunca foram coadjuvantes. Na faixa “Meus Erros”, a dupla relembra os diálogos teatrais famosos na fase clássica. O balanço e os tradicionais jogos de palavras do grupo não deixam de aparecer, como no samba “Arisca”, faixa que mais se assemelha ao som dos velhos tempos. O grande acerto de “Vol.1” são as parcerias. Compositores que trafegam na mesma frequência da Isca, como Tom Zé, Alice Ruiz (que assina a intensa “Eu É Uma Coisa”) e Zeca Baleiro são alguns dos nomes presentes. O álbum traz referências a Itamar (“As Chuteiras do Itamar Assumpção” e “Itamargou”) e tem sons mais roqueiros, o que dá pra perceber na poderosa “Xis”, parceria com Arnaldo Antunes, que soa como uma mistura de Led Zeppelin e Arrigo Barnabé, e nos solos de “Atração Pelo Diabo”. No final, o disco te deixa com vontade de quero mais. É o resultado do trabalho de uma banda que se reinventou. O título dá a entender que vêm outros volumes por aí. Seria ótimo ter nos próximos algum material ainda não gravado de Itamar, saído de seus “cadernos inéditos”.

Nota: 7,5

“Drunk”, Thundercat (Brainfeeder)
Há pouco tempo, artigos dizendo que o som mais importante em uma música era o contrabaixo começaram a pipocar. Drunk deveria vir anexado nessas pesquisas. Thundercat vem mais uma vez para virar pauta daqueles papos em que dizem “esse aí não toca, BRINCA”. A prova real vem com o groove destruidor de “Uh-Hu”, terceira faixa do álbum – veloz, melódica e infernal, no melhor sentido possível. O som do baixo aparece no disco com efeitos sutis, algo próximo de wah-wah, e, em alguns momentos, Thundercat sai da técnica comum para dedilhar acordes. Com muita influência da música negra dos anos setenta e flertes com o hip-hop, o norte-americano apresenta um dos discos indicados a melhores do ano. Além de excelente baixista, Thundercat mostra seus caprichos com os vocais. Em faixas como “Bus In These Streets” e “Lava Lamp” fica perceptível uma grande proximidade dos falsetes de grupos de soul, como o Earth, Wind and Fire. “Drunk” ainda tem entre suas 23 músicas convidados muito especiais: Pharrell Williams, Whiz Khalifa e Kendrick Lamar são exemplos que carimbaram sua musicalidade no álbum. O destaque nas participações fica em “Show You The Way”, que traz Michael McDonald e Kenny Loggins – a música soa como um daqueles clássicos que não pode faltar em coletâneas setentistas. Outro diferencial no som de Drunk são os timbres eletrônicos, que remetem a jogos e animes dos anos noventa. Quem gastou algumas horas com Strider ou mesmo Sonic vai se sentir em casa com os efeitos de “Tokyo” e “Blackkk”. Sem dúvida, além de todas as referências, harmonias que se comunicam e um nível de experimentação que não torna a audição difícil, outro destaque é a capa do disco. Com o artista imitando o semblante de um jacaré imerso em um lago e pronto para o ataque, as cores, a disposição das letras e o selo no canto esquerdo provocam ainda mais a sensação de que o álbum já parece clássico.

Nota: 8,5

– Lucas Vieira (Facebook) está no último período da faculdade de jornalismo, escreve sobre música desde 2010 e assina o blog Dizconauta

One thought on “Três CDs: Estranhos Românticos, Isca de Polícia e Thundercat

  1. Luca, acho que a capa é uma referência a uma fotografia do Jaco Pastorius. Pode conferir no documentário Jaco. Tem disponível no youtube.

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