Boteco: 11 países, 11 cervejas

por Marcelo Costa

Iniciando mais uma série de países agora com uma cerveja da Alemanha, mais precisamente de Bremen, próxima de Hanover e Hamburgo. Trata-se da St. Pauli Girl, uma Premium Lager produzida pela imensa Beck’s, integrante do conglomerado Anheuser-InBev. Na taça, ela exibe uma coloração dourada (tradicional do estilo) com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, notas delicadas sugerem cereais, pão, palha e discreto floral. Na boca, a textura é leve com uma sutil percepção metálica. O primeiro toque oferece leve amargor herbal e as notas tradicionais derivadas de malte sugerindo cereais. Na sequencia, amargor bem baixo, mas eficiente para o estilo, abre as portas para um conjunto refrescante e maltadinho, que entrega o que o bebedor fã do estilo espera. O final traz leve herbal e refrescancia, sugestões que retornam no retrogosto.

Da Alemanha para Tóquio com a badalada Standart American Lager da cervejaria mais antiga do Japão, a Sapporo Breweries, fundada em 1876, mesmo em que a cerveja Sapporo chegou ao mercado. Em 2006, os japoneses compraram a cervejaria canadense Sleeman Breweries, e a versão da Sapporo que abastece a América (do Sul inclusa) é produzida no Canadá. Na taça, uma cerveja de coloração dourada (com traços âmbar) oferece um creme branco de média formação e retenção. No aroma, sugestão tímida de cereais, feno e grama. Na boca, textura seca e levemente metálica. O primeiro toque traz doçura rápida e amargor herbal bem baixo, mas que serve para equilibrar um conjunto tradicional, em que malte e lúpulos se revezam na função de não chamar a atenção do bebedor, mas refresca-lo. O final é amarguinho. No retrogosto, refrescancia.

Do Japão para a Dinamarca, ainda que a cervejaria cigana Eviltwin produza essa Mission Gose na Westbrook Brewing Co, no Brooklyn nova-iorquino. Trata-se de uma excelente recriação do estilo alemão com adição de (tradicionalmente) sal, coentro e eucalipto. O resultado é uma cerveja de coloração amarelo palha levemente turvo com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, percepção suave de azedume, antecipação de acidez e presença de sal. Há ainda leve cítrico (limão), semente de coentro e malte suave. Na boca, início salgado e levemente cítrico. A textura é frisaaaaaante com a acidez, o salgado e o azedume tomando conta do paladar do bebedor – esqueça amargor, a provocação aqui é outra. O excelente conjunto segue testando o bebedor, que consegue flagrar o coentro aqui, o eucalipto ali, todos bem sutis, mas muito interessantes. O final é deliciosamente salgadinho e azedinho. No retrogosto, a mesma vibe: salgado, limão, coentro, uma delícia.

Da Dinamarca para Várzea Paulista, interior de São Paulo, casa da Dádiva, que ousou bastante nesta Golden Stout, uma Golden Ale que recebe adição de Cold Brew, café extraído a frio derivado de um blend de grãos de Icatu Amarelo e Obatã Vermelho cultivados na Fazenda Ambiental Fortaleza, de Mococa, interior do Estado. De coloração âmbar amarronzada clara com creme bege claro de boa formação e média alta retenção, a Dádiva Golden Stout exibe um aroma delicioso de grãos de café ainda verdes remetendo também levemente a chá mate. Na boca, o primeiro toque traz suave doçura maltada seguida de sugestão agradável de café, leve defumado e suave acidez. A textura é picante e levemente cremosa. O amargor é baixo e abre as portas para um conjunto que combina de forma elegante a doçura do malte (doçura, defumado) com as características do Cold Brew, finalizando de forma suavemente doce. No retrogosto, café, defumado discreto e doçura de malte. Muito boa.

Mantendo-se na América do Sul, do Brasil para Valdivia, na Região dos Lagos chilenos, casa da Kunstmann, com 10ª cerveja a passar por este espaço. Trata-se da Original Anwandter Rezept, uma Dortmunder produzida pela primeira vez em 2016 visando homenagear os 500 anos da Lei da Pureza Alemã. Na taça, o líquido apresenta uma coloração meio dourada, quase âmbar clara, com creme branco espesso de boa formação e permanência. No nariz, aromas clássicos de cevada e trigo acompanhados de leve floral e grama cortada. Na boca, doçura de cevada acompanhada de picância herbal e refrescancia. A textura é leve caminhando para o cremosa. O amargor é bastante baixo e abre caminho para um conjunto que valoriza bastante a cevada tanto quanto o lúpulo herbal num resultado leve e refrescante que finaliza suavemente, com um pouco de doçura. No retrogosto, cereais, leve herbal e refrescancia. Boa representação chilena do estilo alemão.

Do Chile para San Petersburgo, na Rússia, com a segunda Baltika (que integra o conglomerado Carslberg) a passar pelo blog (a anterior foi a número 8): número 4, uma Dark American Lager de coloração âmbar escura e creme bege de boa formação e longa retenção. No nariz, doçura de malte sugerindo caramelo, bastante caramelo e praticamente só caramelo – com vontade é possível pescar umas notas terrosas provavelmente derivadas da lupulagem. Na boca, doçura de malte sugerindo… caramelo, bastante caramelo e praticamente só caramelo. A textura é suave querendo ser cremosa. O amargor é baixo (sabe o caramelo? Ele também está aqui) e, dai pra frente, um conjunto fácinho de beber, com bastante doçura sugerindo aquilo que você já sabe o que é e, também, pão doce. O final é maltado e levemente terroso. No retrogosto, caramelo suave e leve terroso. Boa no que se propõe.

Da Rússia para Roma, Itália, mais precisamente para a lendária Abadia das Três Fontes (Tre Fontane), fundada no século I e que só em maio de 2015 tornou-se a 11ª abadia autorizada a utilizar a nomenclatura trapista para suas cervejas juntando-se a Achel, Chimay, La Trappe, Orval, Engelszell, Spencer, Rochefort, Westmalle, Westvleteren e Zundert (única inédita aqui no blog). A única receita da Tre Fontane é essa Tripel feita com eucaliptos plantados pelos monges para combater um surto de malária em 1870 e cultivados na abadia desde então. De coloração amarelo alaranjada com creme branco de média formação e rápida dispersão, a Tre Fontane exibe um aroma bastante adocicado (caramelo) com forte percepção de eucalipto e condimentos (manjericão, gengibre e pimenta do reino) e xarope. Na boca, o primeiro toque oferece bastante doçura e eucalipto seguidas de acidez suave e leve frisância. A textura é cremosa com leve picância. O amargor é imperceptível e os 8.5% aquecem suavemente num conjunto que se baliza entre caramelo, acidez suave e eucalipto. O final é maltadinho com leve toque herbal do eucalipto. No retrogosto, mais eucalipto e caramelo. Delícia.

Da Itália para a Bélgica com mais uma representante da Brouwerij De Ranke (que já passou por aqui com as ótimas Noir De Dottignies, Saison De Dottignies e Guldenberg), de Dottignies, pequena vila mais próxima de Lile, na França, do que da capital Bruxelas. Trata-se da XX Bitter, “nossa cerveja mais amarga” (60 IBUs), avisa a casa, que adianta o uso dos lúpulos Hallertau e Brewers Gold na receita. De coloração dourada levemente turva com creme branco de boa formação e retenção, a De Ranke XX Bitter traz um aroma que combina notas herbais e florais com acidez e rebeldia da levedura belga. Na boca, o primeiro toque traz doçura e herbal quase juntos seguidos de um amargor pronunciado e bastante interessante. A textura é suave, quase sedosa, num conjunto que reforça a potência herbal (grama, pinho) com leve toque floral e cítrico. O final é menos amargo do que se espera, mas é amargo. No retrogosto, herbal (bala de hortelã) e leve cítrico. Muito boa.

Da Bélgica para outra escola clássica, a Inglaterra, com uma aposta da Fullers, que mira o olho lá do outro do Atlântico com esta Montana Red, uma American Amber Ale com lúpulos Galaxy e centeio. De coloração âmbar avermelhada com creme bege claro de média formação e boa retenção, a Fullers Montana Red exibe um aroma com potencia de malte sugerindo biscoito, caramelo e pão doce combinando muito bem com o toque floral acrescentando pelo lúpulo made in USA. Na boca, doçura caramelada suave no primeiro toque seguida de floral, biscoito, caramelo e leve cítrico, tudo combinado de modo bastante agradável. A textura é suave, quase cremosa, e o amargor é suave, mas marcante e herbal, seguindo adiante com um conjunto que soa extremamente equilibrado e agradável, para se beber uma tarde inteira (os 4.5% de álcool ajudam). O final é carameladinho. No retrogosto, leve herbal, caramelo e floral. Delicinha.

Da Inglaterra para a vizinha França, mais precisamente Angoulême, cidade de pouco mais de 40 mil habitantes que fica mais próxima da fronteira com a Espanha do que de Paris e é casa da Brasserie La Débauche, que marca presença aqui com a Lindy Hop, uma American Witbier turbinada com lúpulos made in USA (Cascade, Amarillo, Colombus e Summit), coentro e raspas de limão. De coloração amarela mais pra palha do que para dourado com creme branco de alta formação e média alta retenção, a Lindy Hop exibe um aroma com a levedura em destaque trazendo algo de mineral e também acidez numa paleta que ainda oferece frutado e cítrico (limão e lichia). Na boca, doçura de trigo seguida de forte acento cítrico (limão e lichia) mais acidez marcante. A textura é levemente seca e frisante e o amargor, impressionantemente marcante. Dai pra frente, uma cerveja que impressiona com limão e acidez. O final traz leve mineral que vai se transformando em acidez, invade o retrogosto, causa leva adstringência e amargor. Ainda assim, interessante.

Saindo da França, mas mantendo-se próximo e indo para a Escócia com uma colaboração transatlântica da Brewdog com a Victory Brewing Company, da Pensilvania, nos EUA. Trata-se da U-Boat, uma Smoked Porter cuja receita une os maltes Extra Pale, Crystal, Carafa, Munich, Chocolate e Smoked mais lúpulos Mittelfruh e Galena com levedura Lager. O resultado é uma cerveja de coloração marrom escura com creme bege de boa formação e permanência. No nariz, sugestão agradabilíssima de chocolate ao leite, cacau e turfado bem suave. Na boca, o primeiro toque traz doçura achocolatada seguida de café bem discreto e cacau, com pouca percepção de defumado e, principalmente, dos 8.4% de álcool, muito bem inseridos. A textura é deliciosamente suave e o amargor, esquecível. Dai pra frente, um conjunto que agrada muito com chocolate ao leite, cacau e baixo defumado. No final, um toquezinho de café. No retrogosto, doçura achocolatada, café e defumado discreto. Muito boa.

Balanço
Começando pela Alemanha com uma boa Premium Lager, a St. Pauli Girl, que se chegasse ao Brasil com um preço competitivo poderia facilmente ocupar o espaço da Heineken (custando o preço de três da concorrente holandesa fica difícil). Já a Sapporo Premium Beer é uma Premium Lager aceitável, mas sem nenhuma grande distinção de outros rótulos do estilo. Apenas mais uma. Entrando nos eixos com a Eviltwin Mission Gose, uma deliciosa Gose com sal (óbvio), coentro e eucalipto. Arisca e provocante. A nacional Dádiva Golden Stout é uma Belgian Golden Ale com adição de Cold Brew orgânico, e o resultado, delicioso, surpreendente positivamente. Agora em terras chilenas, a Kunstmann, Original Anwandter Rezept é uma ótima representação do estilo alemão Dortmunder, bem refrescante e saborosa. A representante russa é uma Dark American Lager bastante aceitável, daquelas que bem tanto num dia quente quanto no friozinho invernal. Simples e básica, mas funcional. Agora na Itália, a trapista Tre Fontane surpreende com um xarope alcoólico com bastante eucalipto, caramelo e álcool. Delícia! Agora para a Bélgica com mais uma boa De Ranke, desta vez a XX Bitter, uma cerveja belga e amarga. Outra delícia. Seguindo com mais uma delicinha, a Fullers Montana Red é os EUA influenciando a Inglaterra, que aqui produz uma (Session) American Amber Ale viciante, de beber muito (ainda mais com os 4.5% de álcool), com biscoito e caramelo combinando agradavelmente com o floral do lúpulo Galaxy. A francesinha La Debauche Lindy Hop me surpreendeu bastante, uma Hop Witbier condimentanda, com bastante limão, acidez e amargor. Quero outra. Fechando a série, mais uma excelente cerveja da Brewdog, desta vez em parceria com a norte-americana Victory: uma Smoked Porter nem tão smoked, nem tão porter, mas bastante achocolatada e incrivelmente equilibrada pra 8.4% de álcool. Excelente.

St. Pauli Girl
– Produto: Premium Lager
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 2,85/5

Sapporo
– Produto: Standart American Lager
– Nacionalidade: Japão
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,58/5

Eviltwin Mission Gose
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3,49/5

Dádiva Golden Stout
– Produto: Golden Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 3,59/5

Kunstmann Original Anwandter Rezept
– Produto: Dortmunder
– Nacionalidade: Chile
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3,03/5

Baltika 4
– Produto: Dark American Lager
– Nacionalidade: Rússia
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 2,87/5

Tre Fontane Tripel
– Produto: Tripel
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,87/5

De Ranke XX Bitter
– Produto: Belgian Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,64/5

Fullers Montana Red
– Produto: American Amber Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,33/5

La Débauche Lindy Hop
– Produto: American Witbier
– Nacionalidade: França
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,45/5

Brewdog Victory U-Boat
– Produto: Smoked Porter
– Nacionalidade: Escócia
– Graduação alcoólica: 8.4%
– Nota: 3,64/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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