Slowdive: o shoegaze chega à maturidade

Texto por Pedro Damian

Não é fácil para uma banda retomar a carreira após 22 anos de separação. Mais difícil ainda fazer um disco. E mais ainda fazer um disco bom – o Pixies é o maior exemplo disso enquanto Swervedriver fez um disco OK na sua volta e o novo do Ride, pelas músicas já ouvidas, estará longe de empolgar. O Slowdive, porém, conseguiu. Não só pelo grande talento dos envolvidos – Neil Halstead (vocal e guitarra), Rachel Goswell (vocais, guitarra, teclado e pandeiro), Nick Chaplin (baixo), Christian Savill (guitarra) e Simon Scott (bateria) –, mas também porque o Slowdive voltou como uma banda, unida, com maior participação dos músicos não-guitarristas e não tão direcionada pelos instrumentos de seis cordas e seus múltiplos pedais, que basearam o som do grupo até, pelo menos, o segundo disco, “Souvlaki” (1993). O terceiro, “Pygmalion”, mais experimental, já contava com maior presença, pelo menos, do baterista Simon Scott.

Lançado em maio de 2017, 22 anos após o último registro de estúdio na década de 90, “Slowdive”, o álbum, é o elo perdido entre “Souvlaki” e “Pygmalion”, mas aponta para uma continuidade de carreira mais heterogênea, com foco maior na eletrônica (a presença de um teclado nos shows, pilotado por Rachel, não é ao acaso) e experimentalismo pop, e diminuição do noise que embasbaca os fãs de shoegaze. Não é uma coisa boa nem ruim. É a escolha de uma banda madura, que nos faz esquecer que ficaram tanto tempo parados.

O disco, de oito músicas na versão “mundial” e nove na versão japonesa, é aberto e fechado com exemplos de experimentalismo pop mesclado com eletrônica – respectivamente “Slomo” e “Falling Ashes”, e o mesmo vale para o bônus track da edição japonesa, “30th June”. A primeira faixa, “Slomo”, de quase sete minutos, tem vocais começando aos dois, após uma bela introdução de ambient pop, em que teclados, baixo, guitarra e baterias aparecem mixados no mesmo plano. Neil e Rachel aparecem com vocais alterados eletronicamente, e, mesmo sem o noise característico, levam o ouvinte a uma deslumbrante viagem sonora. Um piano conduz a morna “Falling Ashes”, de 8 minutos, que tem vocais sóbrios da dupla Neil/Rachel, e reforça o clima de experimentação que permeia o disco. Assim como “30th June”, um exercício eletrônico que não deve agradar os mais puristas do gênero.

O recheio do álbum traz mais traços do “antigo” Slowdive. A segunda música, “Star Roving”, também o primeiro single, é disparada a mais alegre e agitada já gravada pela banda. Tão agitada que até lembra os últimos discos do Mojave 3, banda de alt-folk formada por Neil e Rachel, após a separação do Slowdive, em 1995. “Dont’ Know Why” mantém o clima agitado no começo, com belo trabalho do batera Simon Scott e vocais etéreos da Rachel. Mas, antes do primeiro minuto, o clima abaixa e reminiscências do primeiro disco, “Just For a Day” (1991), vem à tona – embora sem o mesmo nível de noise. A agitação do começo volta no final.

“Sugar For the Pill”, que vem na sequência, é a mais melodiosa e pop de Slowdive. Também não lembra o começo da banda e aponta para caminhos futuros menos ruidosos. Destaque aqui para o arquiteto sonoro Christian Saville, quase um operador de pedais na fase anterior e agora construindo timbres agudos, mas emotivos em sua guitarra. “Everyone Knows” já apresenta um pouco mais de noise, para agradar antigos fãs, enquanto “No Longer Making Time” mostra toda a exuberância do trabalho vocal da dupla Neil/Rachel – este também um dos destaques de Slowdive. Uma certa dose de efeitos de guitarra no refrão foram introduzidos para manter o interesse dos velhos fãs. E, finalmente, “Go Get It” traz um noise moderado, porém o maior destaque também vai para o vocal de Neil, tanto o normal, quanto o alterado por efeitos.

Se tem uma banda atual que conseguiu evoluir, apesar de duas décadas de separação, e mostrar que ainda tem muito para criar no futuro é o Slowdive. Puristas podem torcer o nariz, mas os fãs dos bons sons devem comemorar.

Ps. Na atual geração do shoegaze, o 93MillionMilesFromtheSun é um dos representantes mais significativos. Natural de Doncaster, Inglaterra, tem uma extensa discografia (disponível no Bandcamp). O nome da banda é título de uma música do Swervedriver e, até agora, a influência mais notável era Ride. Logo após “Slowdive” (o disco) ser lançado, o 93MMFTS gravou um EP com três músicas da banda de Neil e Rachel, incluindo duas do disco novo (!). Quem imagina a agitada “Star Roving” tocada no estilo inicial do Slowdive, tem a sua curiosidade saciada neste EP: virou um shoegaze clássico, com o típico andamento arrastado e muitos efeitos de guitarra. “Falling Ashes” é a outra música regravada. Segue a original, porém, os vocais de Nick Noble são mixados atrás dos outros instrumentos, parecendo mais “shoegaze” que a do Slowdive. O EP é aberto, curiosamente, com a primeira música do Slowdive, que leva o nome da banda e é quase idêntica à original. Os alunos aprenderam bem a lição dos mestres.

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