Faixa a Faixa: “2 atos”, Matéria Prima

por Bruno Lisboa

Thiago Augusto, vulgo Matéria Prima, é um dos artistas mais versáteis da nova safra da música mineira contemporânea. Antes de ingressar em sua carreira solo, o rapper fez parte dos grupos Quinto Andar, Subsolo e, atualmente, divide suas atenções e composições com o Zimun, elogiado quinteto de Belo horizonte que une em sua sonoridade o afrobeat, o jazz, rap e brasilidades.

Com produção de Gui Amabis, “2 Atos “ é seu primeiro álbum cheio, após ter lançado dois EPs: “Material de Estudo” (2013) e “Pocas” (2016). Essencialmente, Matéria Prima em seu novo trabalho segue a sina de fotografar o cotidiano em minúcias através de suas letras e contou com o apoio dos músicos Denis Rino (bateria), Barulhista (eletrônicos), Ravel Veiga (baixo) e Edgar Dedig (guitarra).

Lançado em 2017, em “2 Atos“ o músico cria, como o título já avisa, um trabalho dividido em duas facetas. Na primeira ele aposta em canções atmosféricas, com arranjos elaborados, dominado por camadas sonoras que solicitam ouvidos atentos como as faixas “Visita Onírica” e “Waiting for the Bus”. Já no seu “labo B” os versos cadenciados e a sonoridade rap/jazz voltam a dar o ar de graça nas ótimas “Mutação fonética” e a derradeira “Quente”.

Sobre o processo de composição Matéria Prima resume:

“O processo foi bem fluido. Não conhecia o Gui pessoalmente, nos falamos por e-mail durante um tempo, antes do projeto ser aprovado. Eu tinha ouvido seus trabalhos com a Céu e o disco ‘Memórias Luso-Africanas’ e fiquei bem interessado na possibilidade de trabalhar com ele. Como já experimentava linhas melódicas com o Zimun, grupo do qual faço parte em BH, me instigou que ele pudesse lapidar as melodias que tinha em mente. O projeto andou e começamos a nos falar e propusemos a ele a vinda a Belo Horizonte. Ele veio para que a gente se conhecesse. Fizemos um role por uns sebos para ele garimpar uns vinis e tal. Falamos um pouco sobre influencias e possibilidades. Ele trouxe seu Home Studio para que pudéssemos trabalhar em algumas coisas juntos. Depois voltou a SP e começou a me mandar beats por e-mail e comecei a escrever. Depois fui a São Paulo para que pudéssemos trabalhar juntos nos beats que ele tinha feito e falar sobre ideias de canções. Trabalhar algumas letras que já tinha. Conversamos muito sobre o estado atual das coisas, os extremos pelos quais o mundo passava, falamos da simplicidade de algumas composições e lapidamos melodias para o Primeiro Ato. Voltei a BH, ainda lapidando alguns raps para voltar logo em seguida para São Paulo, ficar por mais duas semanas e gravar o disco no estúdio Fine Tuning, junto de Daniel Bozzio. Na sequência, o disco foi mixado em Nova York por Scotty Hard nos estúdios Duro Brooklyn e mixado por Felipe Tichauer nos estúdios Red Traxx Music em Miami. O conceito do título 2 ATOS surgiu depois de tudo pronto, em alguma conversas com Gui e pelo fato do projeto envolver um show que tem elementos teatrais, concebido com a ajuda de Aline Vila Real, Grace Passo e Rui Moreira. O Gui é muito tranquilo, tínhamos algumas divergências de movimento (rs), mas nos demos muito bem, e acredito que essa é a tônica que fez do disco o que ele é”.

No faixa a faixa que segue abaixo, Materia Prima revela ainda mais sobre cada uma das faixas:

1-Visita Onírica
Uma visita que aconteceria como um sonho, dada a distância que criamos cotidianamente. Inclusive, o termo visita hoje em dia só se usa comercialmente ou pelos mais velhos. Mas enfim, eu fui até a casa do Gui e nos desencontramos. Fiquei esperando ele voltar, já que meu telefone não funcionava bem. Daí, enquanto esperava ele voltar, comecei a imaginar como seria se ele me recebesse em casa, naquele dia quente pelando rs, e escrevi a música enquanto o esperava… seria quase um sonho sair daquela situação e ser recebido, e tudo o que fiz foi inverter o olhar…

2-Sorriso nu
Um poema que merecia essa textura sonora pra ilustrar a sensação de uma vivência incrível, inusitada, inesperada e cheia de reverberações…

3-Feito de Barro
Não faça a caveira dos outros se tiver um esqueleto no armário. Basicamente, é isso. Acho que isso precisava ser dito numa época em que a intolerância e a falta de diálogo imperavam em torno de mim, e via muita gente que apontava o defeito dos outros e não levava em conta os próprios. Uma curiosidade: a principio, o verso era maior e o Gui não conseguia se conectar com a mensagem e disse que essa musica não seria feita porque nunca tinha vivido algo parecido. Mas depois, revisamos o verso e a música se tornou uma das mais interessantes do disco.

4-A Dor do Outro
Sempre achamos que nosso problema é maior do que o do outro, mas ninguém se coloca no lugar de ninguém. Esse som é um apelo à empatia.

5-Waiting for the Bus
Uma homenagem a um velho negro no ponto de ônibus. Eu sou meio viciado em fotos, de celular mesmo, e quando vi ele, achei que merecia um registro. Mas o negão ia me dar uma tirada se eu pedisse uma foto do nada rs. Dai, eu tirei uma foto e comecei a viajar na figura dele. Eu resolvi fazer em inglês porque soava legal e conseguia sintetizar a ideia.

6-(Interlúdio) Sufoco
Sufoco. Opressão. Vida sob pressão. (transição de um ato para o outro)

7-Porque
Diante dos passados, últimos e acredito que, infelizmente, futuros incidentes com a polícia, essa música é necessária. É preciso discutir com profundidade essa questão. No começo, eu achava que não precisava falar disso, pois muita gente já fala. Mas acredito que esse trabalho, pela importância que tem pra mim e o nível de representatividade, merecia seu espaço ali.

8-Mutação Fonética
Puro wordplay. Momento de liberdade poética. Escrevi essa por último, meio que psicografado. Esse conceito me rondava por algum tempo, mas nunca consegui desenvolver a ideia. Mas ai surgiram as primeiras linhas do nada e eu segui o fluxo…

9-Sai na Marra
Um pequeno conto sobre o crime e suas consequências, cheio de aliterações e referencias orientais, e porque as palavras orientais tem um som legal demais também rs.

10-Quente
Um olhar sutil sobre a sociedade do espetáculo.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. A foto que abre o texto é de Digo Andrade / Divulgação

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