Boteco: 11 cervejas paulistas

por Marcelo Costa

Abrindo uma série de cervejas paulistas com a Pandora, uma India Pale Ale com Toranja produzida pela Dádiva, de Várzea Paulista, interior de São Paulo, em colaboração com o clube WBeer visando homenagear as mulheres. De coloração amarela turva (lembrando um suco) com creme branco de média formação e rápida dispersão, a Dádiva Pandora exibe um aroma que remete a cítrico artificial (sabe o refresco Tang? Isso). Na boca, por sua vez, a textura é picante (de lúpulo) e levemente metálica. O primeiro toque oferece rápida doçura cítrica e, na sequencia, amargor interessante (60 IBUs) aliado ao cítrico da toranja que abre as portas para um conjunto de amargor profundo, mas não forte, e cítrico, uma conjunção bem interessante que finaliza levemente amarga. No retrogosto, cítrico, amargor e Tang.

A segunda da sequencia é uma nova Colorado, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, que desta vez investe no estilo Fruit Beer com esta Rosália, cuja receita recebe adição de suco de amora do mato, suco de cereja do Rio Grande e suco de grumixama. De coloração vermelha turva com creme branco de traços avermelhados com baixa formação e rápida dispersão, a Colorado Rosália exibe um aroma tímido e artificial de frutas vermelhas seguido de percepção suave de acidez. Na boca, acidez média e eficiente. O primeiro toque, porém, confirma o que o aroma adiantava: sabor artificial de frutas vermelhas seguida de leve doçura e acidez média. Dai pra frente, um conjunto meio pálido e sem graça que finaliza levemente adstringente. O retrogosto traz leve amora e mais um pouco de adstringência.

De Ribeirão Preto novamente para Várzea Paulista, local onde é produzida a Cerveja Capitu, que marca presença nessa série com a Tilted Burn, uma Smoked Beer com “um toque de malte defumado e generosa porção de cevada fresca e crua”, segundo o site oficial da cervejaria. Na taça, a Capitu Tilted Burn exibe uma coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, doçura maltada e notas cítricas (derivadas da lupulagem) se sobressaem ao defumado, que é bastante sutil – até demais. Na boca, é quase cremosa com um tiquinho de metálico. O primeiro toque oferece um pouco mais de defumado do que no aroma, ainda que ele seja diluído na cevada e nas notas cítricas. O amargor é baixo (20 IBUs), mas caprichadinho, abrindo as portas para um conjunto cuja maior qualidade é a refrescancia, e não o defumado, que fica na retaguarda, tímido. O final é amarguinho. No retrogosto, defumado sutil, cítrico e caramelo. Boazinha!

A quinta cerveja da série é mais um exemplar da Tito Bier, cerveja produzida na mesma fábrica que a Capitu (a propósito, a fábrica da Dádiva) acima. Antes presente aqui com sua agradável Trotsky Red Ale, a Tito marca presença agora com a Goethe, uma cerveja com 100% de malte Kölsch e lúpulo alemão Hallertau. Na taça, ela exibe uma coloração dourada com creme branco de média formação e boa retenção. No nariz, uma dispersão de aromas agradabilíssima (e fresquíssima) sugerindo cereais, trigo e pão. Na boca, leve frisância. O primeiro toque reforça o que o aroma adianta com um pouco de doçura maltada em meio aos cereais e leve herbal. O amargor é baixo e altamente refrescante. Dai pra frente surge uma cerveja altamente saborosa e refrescante, uma replicação deliciosa de um estilo clássico alemão que muitas vezes chega cansado no Brasil – aqui ela está em toda sua vitalidade. O final é refrescante enquanto o retrogosto oferta cereais. Delicinha!

Mantendo-se na capital paulista com a Krok Jaw, cervejaria cigana surgida oficialmente em fevereiro de 2017 com o lançamento desta Coconut IPA, uma American India Pale Ale com muito coco. De coloração amarela com leve turbidez e creme branco de média formação e rápida dispersão, a Krok Jaw Coconut IPA honra seu próprio anúncio já no aroma: “Tem muito coco”. E tem mesmo! As notas derivadas da lupulagem ficam em segundo plano, rodeando (e confundindo) a sugestão de coco que domina absolutamente o conjunto. Na boca, textura picante e um tiquinho metálica. Na boca, o primeiro toque é doçura de microssegundo até o coco chegar e tomar toda a atenção. O amargor subsequente, porém, consegue oferecer algo cítrico e até uma leve resina, desconstruída diante de tanto coco. Dai pra frente… coco. E mais coco. No final, coco. No retrogosto, coco e um tiquinho de amargor. Para quem gosta de… coco.

Ainda na capital, e desta vez com uma das cervejarias mais badaladas dos últimos seis meses na capital paulista, a Trilha, presente em sua versão Pacifico West Coast, lançada junto com a Atlântico New England (nas duas receitas as mesmas variedades e quantidades de malte e os lúpulos Citra, Simcoe e Cascade) buscando mostrar a diferença dos dois modos de se fazer uma nova American IPA. Resgatada em um prático crowler de 350 ml do pub Ambar (já que as Trilhas só existem on tap), a Trilha Pacifico exibe uma coloração dourada (ao contrário do Juicy da Atlântico) com creme branco de ótima formação e permanência. No nariz, bastante cítrico (melão, abacaxi, manga e toranja), leve floral e herbal sutil. Na boca, a textura inicialmente frisante e depois cremosa. O primeiro toque reforça a pancada cítrica seguida de amargor marcante e deliciosamente limpo abrindo caminho para um conjunto intensamente cítrico, amargo e bastante refrescante. O final é amargo e crocante. No retrogosto, cítrico e herbal. Uma delícia.

Sétimo lançamento da Trilha (a saber, antes vieram Melonrise, Néctar, Seiva, Trópicos, Pacífico e Atlântico), a Zest é uma Juicy IPA (ou New England) com os lúpulos Citra, Cascade, Centennial e Simcoe e adição de cascas de limão siciliano e de laranja que chegou aos bares paulistanos pela primeira vez no final de abril. De coloração amarela mais puxada para o dourado do que para o turvo (e para o Juicy), com um creme branco boa formação e média retenção, a Trilha Zest exibe um aroma espetacular com notas cítricas apaixonantes (tangerina, mamão, laranja, limão e abacaxi) saltando para fora da taça para dar um beijo na boca do bebedor. Na boca, o primeiro toque é, claro, cítrico. A textura, porém, é cremosa, juicy, como se espera do estilo. O amargor é marcante, ainda que limpo, novamente como manda o figurino. Dai pra frente, um suco de lúpulo com frutas cítricas altamente viciante, refrescante, apaixonante. Sensacional. O final é cítrico lembrando casca de limão. No retrogosto, mais casca de limão e cítrico. Uou!

Saindo da capital e voltando por interior, mais precisamente Sorocaba, com uma cerveja da Synergy que já pode ser adiantada com uma anedota da casa: “Resolvemos adicionar cerveja nos lúpulos“ (risos). No caso, essa New England IPA chamada Hop It Up recebe os lúpulos Columbus, Citra, Mosaic e Amarillo numa receita que ainda tem aveia, trigo e cevada. Na taça, ela exibe uma coloração meio alaranjada, entre o dourado e o âmbar. O creme é branco, espesso e de boa formação e retenção. No nariz, tudo que se espera do estilo: uma salada de frutas cítricas com muita percepção de laranja, manga, limão e maracujá. Ainda é possível perceber leve acento herbal. Na boca, a textura é cremosa e levemente picante. O primeiro toque reforça a ideia de suco de frutas cítricas com leve doçura picante seguida de amargor marcante e limpo (55 IBUs comportados). Dai pra frente surge uma cerveja deliciosa, com amargor cítrico puxado para limão e doçura remetendo a manga. O final traz amargor levemente herbal. No retrogosto, mais herbal, cítrico e amor cervejeiro. Baita!

Uma das primeiras cervejarias ciganas da capital paulista, a Urbana segue provocando com nomes inventivos e receitas malucas. Produzida também em Várzea Paulista, a Cat in The Box já era sucesso quando circulava entre amigos, ainda caseira, e oito anos depois chegou a seu lançamento oficial, nesta lata. Trata-se de uma Russian Imperial Stout com adição de cacau. De coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege de excelente formação e longa retenção, a Urbana Cat in The Box exibe ao nariz um aroma com intensa percepção de torra tanto quanto de lúpulo cítrico, que fica na retaguarda, mas é facilmente captado. Na boca, bastante doçura no primeiro toque seguida de notas cítricas e forte amargor de torra de malte (100 IBUs, porém, é bastante exagerado. Vamos fechar em 70?) formando um conjunto que lembra muito mais uma (deliciosa) Imperial Black IPA do que uma Russian Imperial Stout. O final é macio e de amargor cítrico, que permanece no retrogosto com leve adstringência. Adorei.

De Diadema, na Grande São Paulo, a Cervejaria Votus marca presença com seu rótulo 001, Red IPA. Na taça, uma cerveja de coloração âmbar escura levemente avermelhada exibe um creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção. No nariz, aroma maltadíssimo sugere doçura de caramelo, caramelo queimado e leve herbal. Ainda é possível destacar um discreto toque cítrico. Na boca, o primeiro toque reforça a percepção de doçura que o nariz adianta. Na sequencia, herbal e cítrico abraçam a doçura maltada, acrescentando laranja e pinho em meio ao caramelo. A textura é melada e o amargor baixo para 65 IBUs (que tal fecharmos em 40?). Dai em diante, um conjunto bastante melado com amarguinho, cítrico e herbal colorindo o passeio. O final é levemente resinoso e maltado. No retrogosto, caramelo, pinho e laranja.

Fechando a série de 11 cervejas paulistanas com a mais nova Imperial IPA da festejada linha Lover da Dogma, a Simcoe, a sexta da série, lançada no final de maio (saiba sobre as demais Lover aqui), que na taça exibe uma coloração amarela levemente turva com creme branco de boa formação e média alta permanência. No aroma, predomínio de notas herbais sugerindo pinho, grama, ervas campestres e leve resina. Na boca, cítrico, herbal e resina chegam quase que juntos no primeiro toque, com a resina levando vantagem na sequencia. Ao herbal se junta leve sugestão de maracujá. A textura é suave e quase sedosa. O amargor, como em todas as Dogma Lover, é limpo e caprichado, abrindo as portas para um conjunto apaixonante que finaliza levemente herbal e resinoso. No retrogosto, adstringência suave, maracujá e herbal. Muito boa!

Balanço
A ideia da WBeer em parceria com a Dádiva foi fazer uma cerveja que fosse o contrário que o estereotipo dita para uma mulher beber (sempre algo associado a cervejas mais leves). A questão é que também faltou culhão pra enfiar o pé na jaca, ops, toranja, e oferecer uma cerveja arisca e lupulada como muita mulher e homem gosta. Pois a sensação que a Pandora passa é de que amaciaram o estilo India Pale Ale para uma mulher beber, o que, no fim das contas, acaba corroborando o estereótipo muito mais do que questionando. Mas é boazinha. A Colorado Rosalia decepciona mais oferecendo um suco de frutas vermelhas chocho que soa artificial e totalmente sem graça. Já a Capitu Tilted Burn é assim: se você beber esperando uma cerveja defumada (como é o seu estilo) é bem provável que você se decepcione. Mas ela pode surpreender se você bebe-la sem expectativa. Gostei, mas queria mais defumado. Uma agradabilíssima surpresa, a Goethe Kölsch exalou frescor na taça! Ouso dizer que estava melhor do muita Kölsch alemã que chega sofrida no Brasil. Delícia. Já a Krok Jaw Coconut IPA talvez tenha sofrido de alta expectativa: ando fascinado pela sugestão de coco derivada de barricas de madeira, mas ainda assim achei o coco aqui absolutamente excessivo. Mas acho que vale a dica: se você gosta de coco e de IPA, vá fundo. Já a Trilha Pacifico é assim: se você de boa cerveja, vá em frente (hehe). Que baita American IPA, que baita West Coast, uma das melhores do país. Tiro o chapéu. E tiro de novo para a Zest Juicy IPA, que consegue ainda ser melhor que a Pacifico, e não só ela: a sensação de momento é de que a Zest bate qualquer uma das Imperial IPAs da Dogma (por muito pouco, mas bate). Olha só o nível… Bastante elogiada (e muito melhor na lata do que na torneira), a Synergy Hop It Up é um capricho que combina muito bem doçura e amargor cítricos num conjunto bastante envolvente. A Urbana Catch in The Box não é, de maneira alguma, um Russian Imperial Stout, e sim uma Imperial Black IPA poderosa, caprichada e deliciosa. A Votus 001 é uma Red IPA básica, excessivamente melada, mas amarguinha. Não surpreende, mas também não compromete. Fechando o passeio com a nova Dogma Lover, a Simcoe, uma das mais “fracas” do sexteto lançado até agora, mas, ainda assim, uma belíssima Imperial IPA.

Dádiva Pandora
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,25/5

Colorado Rosalia
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 2,47/5

Capitu Tilted Burn
– Produto: Smoked Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3,01/5

Tito Bier Goethe
– Produto: Kolsch
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.6%
– Nota: 3,30/5

Krok Jaw Coconut IPA
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 2,95/5

Trilha Pacifico
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,95/5

Trilha Zest
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4,05/5

Synergy Hop It Up
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.4%
– Nota: 3,87/5

Urbana Cat in The Box
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,87/5

Votus 001
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.2%
– Nota: 3,25/5

Dogma Simcoe Lover
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.7%
– Nota: 3,98/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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