Entrevista: Luiza Lian (2017)

por Leonardo Vinhas

Em 2015, Luiza Lian estreou com um celebrado álbum homônimo, que recuperava elementos do rock dos anos 1970 do Brasil e da gringa para juntá-los a seu universo de referências músico-espirituais que passam pelas religiões afro-brasileiras e pelos rituais xamânicos – uma espécie de viagem espiritual movida a uma turbinada nas estruturas do rock clássico. Dois anos depois, ela volta com “Oyá Tempo” desprezando totalmente um dos elementos dessa receita – o rock – e intensificando o segundo.

Na verdade, a música que Luiza nos traz hoje apresenta o universo musical de sua formação espiritual embalado numa mistura muito particular de trip hop, eletrônica e até batidas desconstruídas de funk. É tudo esparso, como se a intuição fosse dispersada em estruturas lógicas e um tanto quebradas. Só “Manada” é mais orgânica, levada apenas em voz e palmas. A faixa-título e “Tucum” tem potencial para a dança, desde que num contexto de distopia urbana. As outras cinco canções são mais fortemente introspectivas, e o conjunto delas forma…

Bem, na verdade, “Oyá Tempo” não existe como um disco convencional. Ele surge como um “álbum visual”, nascendo junto com um média-metragem (assista abaixo) e um site interativo (aqui), e a ideia de Luiza e dos demais artistas envolvidos é que a obra seja apreciada e consumida como um todo. Por e-mail, Luiza respondeu às perguntas do Scream & Yell sobre “Oyá Tempo”, e aproveitou para revelar que já está trabalhando em um novo álbum.

Sei que algumas composições já existiam há um tempo, então gostaria de saber como foi a ideia de agrupá-las dentro do filme. E aproveito para perguntar: apesar da unidade dada pelo filme, não se trata de um álbum conceitual, certo?
“Oyá Tempo” é um trabalho que foi tomando forma conforme foi sendo feito. Até muito próximo de lança-lo nós não tínhamos um entendimento do que ele seria: se seria um álbum, um site, uma performance. Até que entendemos que, tendo trabalhado em diversas camadas, a melhor maneira de chama-lo seria de “álbum visual” feito por mim e outros quatro artistas: Charles Tixier, que produziu musicalmente; Camila Maluhy e o Octávio Tavares, da [produtora] Filmes da Diaba, que fizeram o filme; e o Dedos (Rafael Trabassos), que fez o site. O processo não foi o de agrupar as músicas dentro de um filme, mas sim criar uma das possíveis linhas narrativas pra uma trilha que já existia, as músicas já eram muito visuais. Como álbum visual, Oyá é trabalhado em três eixos: site (vertical), filme (horizontal) e performance (espiral). E cada um desses eixos traça paralelos sobre o tempo. O filme criado pela Diaba é horizontal, tem uma linha narrativa, começo, meio e fim; foi a criação e interpretação que eles fizeram ainda que em cima de conversas nossas sobre espiritualidade e sexualidade. Musicalmente eu estava caminhando em duas frentes de trabalho, pensava em fazer um EP focado nos pontos / canções umbandísticas para começar a dar vazão a essas músicas mais espirituais, por que tenho muitas. Em paralelo a isso eu vinha desenvolvendo algumas poesias para uma performance sobre virtualidade e tempo que iria na direção spoken word, chamei o Charles pra produzir os beats, pois a gente sempre teve essa troca e afinidade com essa sonoridade e o Dedos pra produzir um site, pois dentro dessa performance ou trabalho multimídia, era importante propor um outro tipo de experiência virtual e visual quem fosse escutar essas músicas/poemas. Conforme fui encontrando com o Charles, as poesias e os pontos foram se unindo de uma forma muito orgânica. Percebi que a espiritualidade era inerente a discussão das poesias também, fez sentido criar uma trilha que atravessasse o virtual, o corpóreo e o espírito. Agora, tem vários conceitos que atravessam o trabalho como um todo, por que não seria um álbum conceitual? Eu não pensei nesses rótulos quando fiz, mas acho que ele é conceitual também, experimental e pop.

Seu primeiro disco tinha a presença forte do Tim Bernardes (d’O Terno), e agora você trabalha com o Charles Tixler (Charlie e os Marretas), outro compositor que tem uma assinatura de peso. A mudança de sonoridade tem a ver com a mudança de parceiro, ou o parceiro muda porque você já concebia uma proposta diferente?
A produção musical vai ser determinada a partir da orientação e do estilo das minhas músicas. Tanto no primeiro disco quanto neste, eles assinaram junto comigo a produção musical, mas não as composições em si. O Charles já é meu parceiro há muito tempo, ainda que essa seja a primeira vez que trabalhamos nesse formato. O outro disco foi concebido por toda a banda ainda que guiado principalmente pelo Tim, pois a assinatura dele é de fato muito forte tanto nos arranjos como na forma de tocar. O Charles já estava no outro disco e nós temos uma banda de jazz juntos. Além disso, temos uma afinidade muito grande de gosto musical, principalmente no que diz respeito ao hip hop. Por isso quando pensei em trabalhar essas poesias, já de cara pensei nele. A minha parceria com o Tim continua viva, agora mesmo estamos trabalhando os três juntos no meu próximo disco, que está caminhando pra outras sonoridades, distintas do primeiro e do “Oyá Tempo”. Este será produzido pelo Charles com co-Produção do Tim, mas a direção artística continua sendo minha. Eles são meus parceiros e amigos de muitos anos já, crescemos juntos (musicalmente) e acredito que vamos trabalhar juntos por muito tempo, de diversas formas. A maneira que isso vai se dar será determinada pelo sentido com o tom do conjunto de músicas que formos trabalhar.

Um dos comentários de “Oyá Tempo” no Youtube chama o som de “funk psicodélico”, e achei isso bem interessante. As canções têm mais elementos eletrônicos, mas eles parecem fluidas, sem arranjos definitivos. Dá para brincar com elas, percebê-las de formas diferentes, como se fosse um trabalho em permanente mutação. Ao vivo, você pretende explorar essas muitas possibilidades que as canções oferecem?
Com certeza, o meu ao vivo está em constante mutação, acho que aprendi isso com o jazz e levo para a forma que faço minhas músicas. Mesmo as do primeiro disco já passaram por muitos arranjos diferentes. Mas a minha vontade agora é a de que elas se modifiquem conforme cada fase ou show. O show de “Oyá Tempo” é bem específico, sou só eu e o Charles, e ele vai seguir uma determinada instrumentação e sonoridade. Meu próximo show pode levar as algumas músicas do Oyá tocadas de forma distinta de agora, mas isso é um próximo passo.

Por falar em shows: o filme será projetado neles, ou o show é outra experiência dissociada do filme?
O show é uma experiência distinta do filme, mas não dissociada. Vários elementos da experiência visual de Oyá serão projetados no show/instalação, tanto do filme quanto do site, e ainda outras coisas que não estão em nenhum dos dois. Mas a ideia é que o show misture essas narrativas em um outro braço do álbum visual: o da espiral, do espírito. As músicas têm muitas camadas, a narrativa de um filme ou clipe construído para elas (acho que em qualquer caso de videoclipe) é uma das muitas possíveis. Para mim não faria sentido simplesmente cantar em cima desse filme, pois seria limitante para o filme e para a experiência das músicas. A performance dialoga com as outras partes do projeto, a projeção do filme e do site entra na criação de uma nova camada de sensações para o todo.

O primeiro álbum já tinha muitos elementos xamânicos e naturistas. Nesse disco de agora, isso parece ainda mais vivo, mais assumido – inclusive nos ritmos e melodias. Por que você decidiu trazer isso mais à tona?
Eu não decidi, aconteceu. Eu fui levada por essas músicas até que chegamos nesse projeto, aliás acho que como um todo eu decidi muito poucas coisas a respeito do “Oyá”, foi uma sucessão de experiências e encontros que formaram esse disco. Como eu disse, em princípio não era nem um disco… Eu vinha de processos muito fortes, ao mesmo tempo que estava olhando e sentindo esse clima de guerra e polaridade que vem sendo criado e aumentando cada vez mais no plano macro/mundial e no micro/individual, discursivo, das redes sociais, talvez isso tenha trazido mais a tona ainda a questão espiritual. Não a toa Oyá também é uma deusa da guerra. Talvez esse disco venha de uma emoção ou um momento mais específico, e por isso ele tem uma unidade mais forte do que o anterior. Quanto a sonoridade. deve parecer mais assumida também por que o disco, por ser mais eletrônico e voltado para os beats, é mais rítmico e cru de alguma maneira, estando mais a serviço dessas melodias e sonoridades do que o anterior. Espiritualidade é inerente ao meu trabalho, mesmo quando eu não estiver falando dela ela provavelmente estará presente.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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