Entrevista: Carlos Maltz

por Paulo Argollo

O rock brasileiro nos brindou com diversos e excêntricos personagens ao longo dos anos. Certamente, Carlos Maltz é um deles. Ele ficou conhecido como baterista fundador dos Engenheiros do Hawaii ao lado de Humberto Gessinger, Carlos Stein e Marcelo Pitz em 1985 e ficou sentado no banquinho da banda até 1996 acumulando sete discos de estúdio (quase todos com vendagens acima das 100 mil cópias), dois álbuns ao vivo, vários sucessos nacionais e grandes shows em cidades como Moscou e Leningrado em 1989 (cinco datas em cada cidade) e no Rock in Rio II, que aconteceu no Maracanã, em 1991, entre muitos outros.

Depois que deixou os Engenheiros do Hawaii, Carlos Maltz montou o grupo Irmandade, que lançou os discos “A Irmandade Interplanetária” (1996) e “Anjos de Metal” (1997) evocando uma temática de astrologia e extraterrestres (baixe os dois discos site). Em 2001 lançou seu único disco solo, “Farinha do Mesmo Saco”, seguiu participando eventualmente de discos dos Engenheiros, mas deixou a música de lado para se dedicar a psicologia jungiana e a astrologia. Mudou do Rio de Janeiro para Brasília, escreveu os livros “Abilolado Mundo Novo“, de 2010, e “O Último Rei do Rock”, de 2015, mesmo ano em que voltou a gravar músicas em Londrina, PR.

Agora, Carlos Maltz reaparece com uma regravação de “Folia de Rei”, composição de Chico Anysio e Arnould Rodrigues presente no disco “Baiano & Os Novos Caetanos”, lançado em 1974. Para esse novo registro, Maltz contou com a participação do amigo Humberto Gessinger, seu velho parceiro, no baixo e vocais, no primeiro registro conjunto da dupla em 10 anos – a última colaboração entre Carlos Maltz e Humberto Gessinger havia sido em 2007, na canção “Cinza”, do disco “Novos Horizontes”, dos Engenheiros do Hawaii. Ouça a canção abaixo e confira o bom papo de um baterista e astrólogo com muita coisa a dizer.

O seu único disco solo, “Farinha do Mesmo Saco”, foi lançado em 2001. De lá para cá, além de algumas participações, você voltou a entrar em estúdio somente em 2015, quando gravou “Lanterna na Proa”. O que aconteceu neste período de 14 anos? Você continuou compondo? O que te motivou a voltar para o estúdio?
Cara, acontece muita coisa na minha vida. As pessoas me conhecem como o baterista dos Engenheiros, um cara que faz umas músicas e tal, mas eu estudo um monte de coisas, tenho um monte de outras atividades. Neste período todo, minhas filhas nasceram, morei por um período numa chácara, fiz faculdade de psicologia… Enfim, aconteceu um bocado de coisas. Depois que mudei para Brasília, parei de tocar com banda. Enquanto eu estava morando no Rio, estava com a galera da Irmandade, então eu compunha muito mais. Mas depois que me mudei, minha atenção se voltou para todas essas outras coisas, e meio que parei mesmo de compor, não tinha tempo e nem atenção para isso. Mas com a amizade que tenho com o El Escama (nota: um amigo que está fazendo a produção executiva de seus trabalhos atuais e que está gravando um disco no mesmo estúdio em Londrina em que ele grava), quando fui lançar o livro “O Último Rei do Rock” (2015), a editora (Belas Letras) me pediu algum material antigo dos Engenheiros para fazer algum tipo de promoção. Eu disse: “Olha, material antigo eu não tenho, até porque o que eu tinha já passei pra frente, para os fãs. Não fico guardando essas coisas. Mas se vocês quiserem, gravo uma música nova e a gente usa como material promocional”. Os caras acharam ótimo. Então eu tinha essa música, “Lanterna na Proa”, que eu já tinha composto há uns 10 anos, e apareceu essa oportunidade de gravar em Londrina. E foi aquela coisa: gravamos uma e “Ah, vamos gravar outra…”. E assim foi. A gente fez “Vícios de Linguagem”, eu fiz a participação no disco do El Escama, veio “Folia de Reis”, as coisas foram acontecendo. Não é nada muito planejado, do tipo: “Ah, agora vou me dedicar a isso!”. A minha vida parece um caminhão descendo a ladeira desgovernado, cara. As oportunidades foram aparecendo e eu fui fazendo.

Como rolou a gravação de “Vícios de Linguagem”. Por que você decidiu gravá-la?
Foi pelo momento político do país mesmo. Acho que, na época em que essa música foi gravada, ela não recebeu a atenção merecida, ficou meio escondida ali no meio do “Simples de Coração”. E eu falei: “Pô, essa música tem tudo a ver com o que está acontecendo agora, vamos gravar ela de novo, com um andamento mais rápido.” Porque ela tem uma pegada bem blues no disco e a gente quis dar uma cara mais punk rock, botar ela mais pra frente. E tinha tudo a ver, a gente soltou no dia em que estava sendo votado o impeachment da Dilma. Então foi mais essa coisa de perceber a relação da música com o que estava acontecendo no país.

E depois disso você já começou a gravação de “Folia de Reis”. Ela já estava, inclusive, na demo do “Farinha do Mesmo Saco”. Como você chegou até essa música, por que ela não entrou no disco e por que gravá-la agora?
Bom, essa música é antiga, da década de 70. Lembrei-me dela, ouvi de novo, me amarrei. Eu já tocava ela de vez em quando e, realmente, ela entrou na demo do “Farinha”, mas acho que ela não tinha muito a ver com as outras. E agora, nesse momento, eu resolvi gravá-la. E teve um monte de coisas que envolveu essa gravação. Eu fui pra Londrina para fazer a participação no disco do El Escama e parte da bateria que nós gravamos sumiu, desapareceu no ar. Então a gente teve que ir lá de novo para gravar. Sobrou um tempo e eu disse: “Rapaz, vamos fazer alguma coisa, vamos gravar um negócio aí”. E gravei a bateria da “Folia de Reis”. No domingo seguinte eu ia gravar a voz, e meu pai faleceu em Porto Alegre. Era dia dos pais. E eu não consegui ir para Porto Alegre, não tive condição de ir, de estar presente no enterro dele. E eu disse “Bom, vamos gravar. Estamos aqui mesmo, não tem nada mais que eu possa fazer…”. Gravei a voz nesse dia, do falecimento do meu pai. E ficou isso lá gravado. E em Londrina é quando aparece tempo, né. O El Escama me ligou depois de uns meses e disse: “O Julio [Anizelli, produtor e dono do Plugue Estúdio] vai pegar sua música pra trabalhar”. E naquele fim de semana eu ia para Maringá e Curitiba para fazer uns atendimentos astrológicos. Fui uns dias antes para Londrina para acompanhar isso. Nessa época eu já estava com uns problemas de saúde, acabei tendo que passar por uma cirurgia. Eu estava sem dormir, praticamente, nessa época. E o El Escama me ligou de novo e disse: “Cara, você sabe quem vai estar aqui em Londrina no dia da sua gravação? O Humberto (Gessinger)!”. Eu disse: “Caralho! Nesse dia?!”, lembro que era 11 de novembro. Eu mandei mensagem para ele dizendo que estaria lá gravando e (perguntando) se ele não queria participar. Ele topou, veio e fez a participação. Enfim, as coisas foram acontecendo dessa maneira. Essa música tem toda uma história. Foi uma peleja para gente chegar até ela.

Desde “Lanterna na Proa”, você tem gravado em Londrina, no Plugue Estúdio. Como tem sido essa mudança, de estar num estúdio menor, trabalhando com músicos mais novos?
Para mim não tem dificuldade, na verdade. Em 1995 eu estava em Los Angeles gravando o “Simples de Coração” e em 1996 eu estava num quarto da minha casa gravando o disco da “Irmandade Interplanetária” com a galera, que era o Marcus Melgar, que era roadie do Lobão – conheci ele através do Nilson Batista, que era meu roadie nos Engenheiros. Então nunca tive essa dificuldade não, cara. Para mim, estar em Los Angeles ou em um Tascan de oito canais, ou estar em Londrina com o Julião e toda a galera lá, não tem dificuldade nenhuma isso aí.

E a participação do Humberto Gessinger em “Folia de Reis”, como foi?. Afinal, fazia muito tempo que vocês não se juntavam em estúdio.
Sim. Antes teve aquela participação no acústico dos Engenheiros em 2005… desde essa época que a gente não tocava junto. A gente tinha tocado juntos no “Farinha do Mesmo Saco”, depois fizemos essa gravação do acústico, a música “Depois de Nós”, e então a gente se encontrou em Londrina, mas por obra do acaso, né? Foi muita coincidência o Humberto estar em Londrina justo naquele dia em que eu estava, e nem era pra estar. Enfim, as coisas conspiraram para que isso acontecesse.

[Nota do Editor: A última colaboração entre Carlos Maltz e Humberto Gessinger antes de “Folia de Reis” foi em 2007, na canção “Cinza”, do disco “Novos Horizontes”]

Em 2017, o “A Revolta dos Dândis” está completando 30 anos de lançamento. Para os fãs, ele é um disco emblemático, praticamente concebido no baixo e bateria, foi o início da formação GLM (Gessinger, Licks e Maltz) e traz alguns dos maiores clássicos da banda até hoje. E para você, qual a representatividade deste disco?
Esse disco é o que mais gosto da banda. É o que eu mais gosto de escutar. Acho que é o melhor disco dos Engenheiros e foi o disco que empurrou a banda para outro patamar, né? O “Longe Demais das Capitais” tinha sido um sucesso, ganhamos disco de ouro e abrimos umas portas no país, mas acho que o “A Revolta dos Dândis” marcou a cara da banda, do trio, que ficou conhecido como a formação clássica. E tinha aquela capa toda esquisita, com letra da música na capa. Eu me lembro que a gente estava numa rádio em Porto Alegre fazendo divulgação e os Paralamas também estavam, a gente se encontrou e eu mostrei o disco pros caras e o Herbert [Viana] falou: “Pô, legal o encarte, mas cadê a capa?”. Foi um disco muito importante.

Ainda sobre essa época, fica uma curiosidade sobre as tuas referências musicais. Todo mundo sabe que o Humberto Gessinger tem toda essa influência de rock progressivo, Pink Floyd e etc. Mas e você? Quais eram as tuas referências na época dos Engenheiros?
Pois é, eu e o Humberto somos fãs do Pink Floyd, do Roger Waters… acho que essa é a nossa maior ligação musical. Algumas outras coisas que a gente também gostava era Rush. Mas a minha primeira referência musical é o John Bonham, foi o primeiro cara que ouvi mesmo, 200 vezes por dia. Naquela época não tinha internet, era tudo no toca disco. E era mais isso, além do Pink Floyd, o Rush… E a gente também era influenciado pela música que se fazia na época no Rio Grande do Sul, caras como o Nei Lisboa e o Saracura. Eu não sei como que a gente não se encontrou na adolescência, a gente estava presente sempre nos mesmos shows e nunca se encontrou. A gente foi se encontrar só mais para frente, na faculdade de arquitetura. Então as influências eram essas, basicamente, o rock inglês da década de setenta.

E isso mudou muito ao longo do tempo? Você mudou muito o seu gosto ao longo desses 30 anos? Até porque você gravou o Zé Ramalho no “Farinha do Mesmo Saco”…
O Zé Ramalho eu já ouvia em 1977. Praticamente a única grande referência que tenho de música brasileira é o Zé. Eu não curtia Chico, Caetano e esses caras, achava meio papo furado [risos]. Reconheço o talento deles e tudo, mas nunca me interessou. Comecei a escutar música brasileira mesmo com o Zé Ramalho. Em 77 ouvi o primeiro disco dele e vi um show no Teatro Ipanema, no Rio, e comecei achar possível ouvir música em português, porque até então, achava chato. Depois do Zé, comecei a ouvir outros caras, Alceu Valença, principalmente. Esses caras que misturavam rock com música nordestina. Até hoje continuo meio que a mesma coisa. De coisas mais novas, o que eu escuto é o Muse, que já nem é tão novo assim, década de 90. Acho pouco atraente a música que se faz hoje em dia. Os caras estão fazendo muito revival, tudo é muito Retroland, então por que vou ficar ouvindo a cópia do que sempre ouvi o original, entende? Mas é óbvio que tem muita coisa boa por aí, o talento nunca acaba, graças a Deus. Eu que tô por fora. Meu foco na vida é outro, tô focado em outros assuntos.

Sabendo então dessas suas influências e tal, como foi a sua evolução para a Irmandade, compor coisas novas, você teve ainda muita influência dos Engenheiros do Hawaii para produzir suas músicas?
Nesse caso, tive que fazer as músicas eu mesmo, e fui fazendo do jeito que sabia, do jeito que podia. Acho que são muito simples as coisas que eu faço, musicalmente sou um cara meio limitado, meu conhecimento técnico é limitado e as músicas que eu gosto sempre foram as mesmas a vida inteira: eu gosto de rock, música com energia. Me vejo mais como um baterista emocional do que como um baterista técnico. Então faço o que gosto, não sou profissional, não vivo mais disso, então posso me dar ao luxo de fazer o que bem entender. Acho aquele disco da Irmandade muito doido, muito fora de qualquer contexto. Tanto que a gente não conseguiu nada. Eu achava que ia arranjar gravadora, continuar em turnê do mesmo jeito que eu estava com os Engenheiros. Ledo engano. Não aconteceu nada. Então fui fazer outras coisas da vida, estudar outros assuntos. Mas considero minha composição bem elementar, bem simples, meio punk rock com pretensões progressivas, melódicas. E dou o recado do jeito que estou pensando mesmo, sem papas na língua.

Você fala bastante do punk rock e a Irmandade soa muito pós punk. É uma referência natural sua?
É o que a gente ouvia em 1984, 1985. Echo and the Bunnymen, o começo do U2, o Police, principalmente, o The Clash… Acho que tem sim uma coisa desse pessoal, que é o que a gente ouvia no começo dos Engenheiros. Pode ver que o primeiro disco dos Engenheiros é um disco da década de 80 e o segundo disco é da década de 70. Parece que a gente regrediu. [risos]

O “Farinha do Mesmo Saco” parece ser um disco de transição para você. Além de ser um disco que leva o seu nome, e não o de uma banda, você já tinha se mudado para Brasília, já estava estudando astrologia e etc. É por aí? Esse disco marca uma transição na tua vida?
Com certeza. Acho que você conseguiu sintetizar bem. É um disco de transição. Eu apareço ali já bem diferente do cara que eu era com uma banda. Tem umas músicas mais antigas, mas tem músicas mais novas, trazendo outros assuntos, fazendo uma ponte com as coisas que eu viria a desenvolver na minha vida depois. Ele fecha uma época. Gosto muito dele. Tem até gente que diz que ele é o melhor disco dos Engenheiros depois do “Simples de Coração” [risos]. Eu mesmo não digo isso, deixo para vocês, fãs, decidirem, Mas enfim estamos lá, eu e o Humberto, tocando juntos.

Em 2010 você lançou o livro “Abilolado Mundo Novo”. Como é que rolou essa mudança de mídia? Como pintou essa ideia de escrever um livro?
Veja bem, quando eu comecei a gravar, fazer música, eu olhava para aquelas músicas que eu fazia e pensava: “Mas rapaz, isso aqui parece mais um tratado filosófico de tanta palavra que tem”. De terem tantos assuntos e assuntos tão complexos, pensei que acaba sendo mais negócio escrever livros do que escrever letra de música, porque essas letras de músicas acabam saindo esses tratados filosóficos. Então fui fazer o “Abilolado Mundo Novo”, que é uma pretensão de trazer para uma linguagem bem acessível, aquela coisa das pessoas estarem na internet conversando assuntos dos mais diversos, temas espirituais, temas de complexidade psicológica e tal. E me pareceu que tinha isso a internet, pelo menos no começo. Depois popularizou mais, hoje parece que ficou mais imbecil. Mas no começo era um veículo muito interessante, tinha muita coisa interessante circulando, com uma acessibilidade que não existia até então. Hoje em dia você precisa de qualquer livro, você encontra online. Pô, na década de 70a, a gente ia para Buenos Aires, porque lá o disco do Pink Floyd chegava seis meses antes de chegar aqui. Hoje é uma coisa impensável, um disco já está circulando antes de ser lançado. E o começo da internet era essa coisa, muito interessante, essa mistura de assuntos sofisticados com uma linguagem mais acessível. O “Abilolado Mundo Novo” é fruto disso, desse momento começo dos anos 2000.

Nessa época você tinha uma comunidade, a Com-Unidade-1-Manos. O livro saiu dali, daquelas conversas?
Exatamente. Eu olhei para aquilo ali e falei: “Rapaz, isso aqui é muito interessante”. Porque a gente está discutindo temas super bacanas com uma linguagem muito acessível. Então pensei em como transformar isso numa mídia. Era um desafio porque eu não poderia simplesmente reproduzir, pegar o papo da comunidade e publicar. Tive que criar aqueles personagens, que nasceram de um sorteio aleatório que fiz de números, para gerar datas, que geraram mapas astrológicos, e coloquei esses mapas na parede e passei a dialogar com esses caras, que tinham nascido nesse sorteio. E esses nicknames eu tirei da internet, misturando alguns, criei outros… e surgiram essas pessoas. Eu tinha os mapas delas na minha frente, então elas tinham personalidade própria e surgiam esses diálogos. Fui trazendo os assuntos e esses caras iam discutindo comigo, para a gente poder reproduzir o ambiente de diálogo que tinha na comunidade, nos fóruns de discussão, no Orkut e essas coisas do começo da internet. Hoje a coisa fica meio limitada a 140 caracteres, né? Mas naquela época o pessoal escrevia o quanto quisesse. Então o livro foi uma tentativa de transformar em literatura aquela linguagem.

E o processo de concepção d’”O Último Rei do Rock” foi muito diferente do “Abilolado Mundo Novo”?
Ah, sim. Bem diferente. Quando lancei o “Abilolado Mundo Novo”, pensei: “É isso aí. Para mim está bom. Minha contribuição para a literatura fica por aqui”. Dai algumas pessoas vieram para mim e falaram: “Olha, legal, mas você vai pagar royalties para esses caras que fizeram junto o livro com você?”. E eu: “Mas que caras? Eles são personagens. Eu inventei esses caras!”. Teve gente que falou: “Eu não entendi por que você lançou esse livro. Você pegou uma conversa da internet e publicou.”. Percebi que consegui criar uns personagens que tem alguma verossimilhança com a realidade, porque as pessoas estão achando que copiei pessoas reais. Daí me veio a ideia de escrever um livro de ficção mesmo, contar uma história. Eu estava com esse cara na cabeça, que nasceu no mesmo dia, na mesma hora e no mesmo hospital em que o John Lennon foi declarado morto. Eu tinha o mapa astrológico dele também: Nova York, 8 de dezembro de 1980, 23 horas e 45 minutos. A história dele começou a aparecer na minha cabeça. O pai dele era argentino e colocou esse nome, Juan Leno, no filho que teve com uma brasileira, e ele tocava numa banda de punk chamada Paralelepípedos do Óbvio, e a história dessa coisa de controlar o pensamento das pessoas, que, no livro, eu escrevi de uma forma figurada. Quer dizer, o cara vai colocar um implante na cabeça das pessoas, mas você vê que essa coisa do controle dos pensamentos é um tema que a gente vive hoje, né? As pessoas até me perguntam se escrevi inspirado na série “Black Mirror”, mas o livro veio bem antes.

E, mesmo sendo uma obra de ficção, ele justamente é um livro bem questionador dos tempos atuais. Como é a recepção do livro para o público e o que exatamente você quis dizer com ele?
Não sei o que eu quis passar [risos]. É mais o lance de compartilhar com as pessoas coisas que me angustiam. O que me leva a escrever é mais isso do que passar uma mensagem, ou qualquer coisa assim. Então essas questões do controle de pensamento e da liberdade são grandes questões do momento em que estamos vivendo. O que é a liberdade e de que maneira nós estamos negligenciando a liberdade, ou estamos fugindo da liberdade na hora que nos colocamos no lugar de vítimas da sociedade. E essas pessoas que querem controlar as outras, quem são essas pessoas, como elas estão fazendo isso? Eu estou escrevendo mais um livro. Tem o “Retroland”, que está esperando para ser lançado, mas tem mais um para ser escrito que vai entrar mais nessa questão política mesmo. Como esse controle de pensamento acontece através do que eu chamo de parques temáticos políticos, que nós vivemos hoje.

E a música “Lanterna na Proa” saiu como um single promocional com o lançamento d’”O Último Rei do Rock”. Depois veio “Vícios de Linguagem”, agora vem aí “Folia de Reis”, tudo em plataformas digitais, são canções lançadas independentes. A maneira como a gente consome música hoje mudou muito. Como é essa evolução para você, com menos álbuns sendo lançados em formato físico e etc.
Pois é, sou um old fashion guy, das antigas. Gosto de disco. O CD, para mim, já é um negócio muito avançado, embora ainda tenha a capa. Sou um cara que adora capas de discos, de livros, já comprei muito disco por causa da capa. As capas do Pink Floyd não tinham foto dos caras! Tinha só aquela coisa conceitual e adoro isso. Hoje em dia a gente tem acesso a muito mais quantidade de coisas, o que sinceramente não me entusiasma muito. O cara diz pra mim: “Maltz, vou te dar aqui um mp3 com os 200 mil melhores solos de guitarra de todos os tempos!”. Eu não quero ouvir isso, tá entendendo? Se ouvir isso, provavelmente não vou querer mais ouvir nada pro resto da minha vida. Não quero essa quantidade de coisa. Tenho esses pen drives, devo ter uns cinco no meu carro, e são os mesmos há mais de três anos. Eu fico ouvindo os mesmos discos dos Ramones, ou do Rush. Mas, sei lá, não aconselho ninguém a seguir o meu exemplo [risos] Não sei se é muito saudável. Mas esse sou eu.

Pegando esse gancho do passar do tempo, você citou que o seu pai faleceu durante a gravação de “Folia de Reis”, e você teve um problema cardíaco. Como foi passar por tudo isso? Essa experiência é refletida na música? E como foi receber o suporte do teu público pela internet?
Não foi brincadeira. Inclusive, quando dei entrada no hospital, a mulher perguntou: “Quando foi que você fez um exame do coração pela última vez?” e eu falei “Nessa encarnação?” [risos]. Achei que eu estava acima dessas coisas, entende? Não sou frequentador de médicos e nem tomador de remédios. Tinha até certo machismo ufanista gaúcho nesse aspecto. Errei, né. Tive que passar por uma cirurgia de emergência. Esse tipo de situação que passei… Eu cheguei ao hospital no limite, com um aneurisma na aorta. É uma coisa que não dá sinal, diferente do cara ter uma artéria entupida ou algo assim. Eu não sentia dor nem nada, foi uma coisa muito repentina e quando vi, já estava na UTI do hospital. E a UTI do hospital é um lugar muito bom para você avaliar a sua vida, o que realmente importa na sua vida, o que tem valor, quem são as pessoas com quem você pode contar… E foi muito bacana o apoio que tive, e que não imaginava. Era um monte de gente, de tudo quanto é tipo. Fãs dos Engenheiros, pessoas que eu atendia como astrólogo, como psicólogo, enfim, gente que me conhece de um tanto de lugar por aí. Pessoas super ligadas me dizendo que estavam fazendo corrente de oração. Fiquei até envergonhado porque não costumo fazer esse tipo de coisa pelas pessoas, aliás não costumava. Porque agora até revi essa posição depois de passar por tudo isso. Então foi uma coisa muito forte na minha vida, tanto no sentido da reflexão que tive que fazer, estando numa cama de UTI, e também essa mobilização toda das pessoas. Até o Augusto Licks [Ex-guitarrista dos Engenheiros, “saído” da banda em 1993 e sumido da mídia desde então] me mandou mensagem se oferecendo para fazer transfusão de sangue ou qualquer coisa assim. E eu não tinha contato com o Augusto há não sei quantos anos, 20 e tantos. Então foi um momento muito importante, que trouxe algumas transformações. Mas ainda acho muito cedo para falar que mudou isso ou mudou aquilo. Já estou vendo algumas coisas de outra forma. O valor de uma amizade, de um cara como o El Escama, por exemplo, pessoas que estão comigo há tanto tempo, que eram fãs da banda e estão comigo até hoje. Isso, para mim, hoje em dia tem outro valor.

E depois de passar tanta coisa, você foi um cara que via o mundo do ponto de vista ateu e materialista, vivendo em uma banda de rock famosa. Agora você acha que encontrou o seu ponto de equilíbrio em Brasília, trabalhando com psicologia e astrologia? E como isso reflete na sua vida como músico e escritor?
Eu não sou uma pessoa muito equilibrada, sabe? Até do ponto de vista astrológico, sou de escorpião com ascendente em áries. É difícil uma coisa dessas ser muito equilibrada. Então me equilibro na velocidade. Na minha vida acontece um monte de coisas e eu acredito que preciso dessa velocidade pra eu conseguir ter algum equilíbrio. Sou ciborgue! Tô aí com válvula, cano, esses negócios [risos]. Então tenho que pegar mais leve. É pela necessidade. Mas o meu equilíbrio acontece dessa forma. Não sou um cara muito zen. Agora tive que reduzir porque o motor já tá com peça que não é original de fábrica. Mas não vou dizer pra você que sou um cara que já alcancei o equilíbrio. Até porque ainda pretendo ficar aqui por esse planeta por um bom tempo, né? E eu acho que quando o cara chega ao equilíbrio já não tem mais muita coisa pra fazer por aqui, entende? Então que eu continue desequilibrado pelo menos mais uns 30 anos. Porque tenho coisa pra fazer.

E pra finalizar, eu queria falar um pouco do futuro. Você já disse que está com dois livros engatilhados, mas você tem planos de voltar pra Londrina pra continuar gravando? Como são os seus projetos?
A gente tem planos de gravar um CD mesmo, que as pessoas possam comprar e guardar. Atualmente o nome dele é “El Cool Del Mondo”, mas esse ainda é um nome temporário. Pode ser e espero que mude! (risos) Atualmente estou fazendo palestras dentro de um projeto novo que se chama #Jung4Young, que é trazer esse conhecimento do Jung pra galera jovem. Nós vamos inaugurar um canal no Youtube que se chama justamente #Jung4Young, onde a gente vai trazer isso. Então lê um trecho de uma obra do Jung, comenta e depois relaciona com os acontecimentos atuais do mundo. Considero que o Jung vem ter no século XXI mais ou menos a importância que o Freud teve pra cultura no século XX. Mas embora muita gente fale do Jung, poucas pessoas conhecem realmente o pensamento dele, que ainda é muito avançado em relação ao que a gente está vivendo. Tem essa ideia. Vou, provavelmente, lançar um livro sobre a palestra que estou fazendo, que é o “Ninguém = Ninguém”. Sobre os tipos psicológicos que já falei no “Abilolado Mundo Novo”, mas aprofundando o assunto. Vou lançar um livro sobre a minha maneira de trabalhar com a Astrologia, porque é uma maneira bem particular. Eu não vou dizer que inventei isso, mas fui adaptando uma série de coisas que existem por aí. E tem esse outro livro que eu pretendo escrever ainda, sobre essa figura que é um líder populista latino-americano que, de repente, entra num processo de decadência e tal. Então estou com esse projeto e, quem sabe ano que vem, a gente consegue entrar em estúdio pra fazer mais músicas e lançar o CD. Então tem coisa aí pra fazer, amigo. [risos]

As duas fotos que ilustram o texto são de Luiz Augusto Rodrigues / Divulgação.

Veja também:
– 21 artistas da nova geração rendem tributo aos Engenheiros do Hawaii. Ouça (aqui)
– Humberto Gessinger (2016): “Talvez o que eu tenha a dizer não seja muito linear” (aqui)
– Humberto Gessinger (2014): “Quero viver esse momento com intensidade” (aqui)
– Ao vivo em São Paulo, Humberto Gessinger segue em frente dignamente (aqui)
– “Insular”: Gessinger está ficando velho. Mas continua o mesmo (aqui)
– Três CDs dos Engenheiros do Hawaii (aqui) e o “Acústico MTV” (aqui)

3 thoughts on “Entrevista: Carlos Maltz

  1. Muito bom ler sobre o Maltz depois desses anos todos, e melhor ainda ouvir uma música como ‘Lanterna Na Proa’ que é simplesmente animal! Queria eu ter mais coisas desse naipe sendo gravadas. Valeu pessoal, pela entrevista!

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