por Lucas Vieira
“Búfalo”, Pratagy (Lezma Records)
Não há muito tempo desde que Leonardo Pratagy fez sua estreia solo. No ano passado, direto do Pará, o músico lançou “Pictures”, pop simpático feito à base de instrumento de teclas com uma voz doce e pouco intensa. Agora é a vez de “Búfalo”, sem dúvida um passeio por sete faixas de música ambiente indie. Gravado em estúdio caseiro e com a co-produção de Diego Fadul, o novo trabalho não tem uma grande presença para prender a atenção e desligar o ouvinte de outra coisa que esteja fazendo, nem grandes novidades nas estruturas musicais. Tampouco vem a dizer algo que não foi dito anteriormente: deixou a desejar em bons refrãos e também no jogo com as palavras. É uma obra que expressa uma grande sensação de fragilidade ao longo de seus pouco mais de 20 minutos. O segundo álbum do paraense tem uma capa bem bonitinha, feita por Maitê Gentil, com características de ter sido pintada manualmente, e soa agradável para se ouvir dentro de uma loja de roupas da moda ou uma livraria. A canção título dá a sensação perfeita de se estar escolhendo camisas em uma arara, com o extra de um balanço muito regional. “Way Back Home” é a faixa mais bem arrumada do disco, apesar de ainda soar como mais do mesmo para quem conhece outras referências, como os americanos do MGMT e até outro cantor nacional, o Marcelo Jeneci. Para quem gosta de canções pops mais calminhas, “Vai Dar Pé” pode chegar a empolgar e “Tramas Sutis” – com uma melodia assobiável, se você ouvir o suficiente para decorar – é uma possibilidade para relaxar com timbres variados de teclados. Comparado com seu antecessor, o novo trabalho do ex-Zeromou está menos dançante, mais orgânico e aconchegante – é sempre difícil não desfrutar um bom som de piano elétrico. Porém, em uma gravação em que as teclas têm tanto destaque, foi pequena a experimentação com timbres e sons novos nos arranjos, uma vez que a quantidade de variações que pode se tirar desses instrumentos é quase infinita.
Nota: 4,5 (ouça o álbum no Bandcamp)
“Adiante”, Necro (independente)
Quando “Orbes” – faixa que abre “Adiante” – começa, você vibra duas vezes: toca um riff bruto de quem fez escola com Black Sabbath e West, Bruce and Laing e, em seguida, quando entra a voz, você se transporta direto para a beleza progressiva do Som Nosso de Cada Dia. Essa é a sensação de ouvir o novo álbum do Necro, um power trio de Maceió. Em atividade desde 2009, os três parecem ter saído direto da década de 1970 com essa mistura heavy progressiva. Sem muita busca para soarem como uma banda atual, o antigo Necronomicon arriscou pela primeira vez gravar somente em português e acertou. Uma influência e assinatura mais brasileira apareceu e, em essência, a banda não perdeu nada. No meio de guitarras pra lá de ferozes, podemos sentir que o som do grupo é uma grande colagem. Você sente o Mountain aqui (“Azul Profundo”), o Led Zeppelin em um trecho ali (“Viajor”) e assim segue o disco. O grande pecado ainda da banda, porém, se encontra nas letras. Elas têm toda a viagem psicodélica que a proposta pede, mas falta um pouco mais de presença nesse quesito. Talvez também pela entonação da voz deixar um pouco difícil compreender algumas letras, nenhuma mensagem da banda fica na cabeça, fazendo o ouvinte ficar um tanto distraído e só conseguir se ligar na sonzeira e nas distorções que nunca desligam. Uma boa adição à banda que volta e meia aparece nas faixas é o teclado, com muito timbre de órgão, destacado em momentos de “Entropia”, a talvez com maior pitada radiofônica. Para quem curte discos que já são quarentões e acha que rock n’ roll para ser bom tem que ser pesado, eis aí a solução – rock de espírito setentista feito para ser ouvido alto.
Nota: 6,5 (ouça o álbum no Bandcamp)
“Crocodilo”, Jonnata Doll e Os Garotos Solventes (EAEO Records)
A estreia de Jonnata Doll em 2014, ao lado de seus Garotos Solventes, foi o respiro que o rock nacional, saturado de bandas “wanna be Los Hermanos” e “novos intelectuais”, estava precisando. Som cru, básico, letras junkies e sinceridade jorrando do CD. No ano passado eles lançaram um ao vivo com poucas novidades, já que grande parte do repertório trazia as músicas do primeiro álbum – mas, pelo menos, elas soavam melhor no formato live. Agora chegou finalmente o segundo de estúdio do cearense, com produção de Kassin e Yuri Calil (responsável pela produção do disco de estreia), fruto do projeto Laboratório de Música da Escola Porto Iracema das Artes e Instituto Dragão do Mar. Gravado entre agosto de 2013 e abril de 2014, “Crocodilo” ficou na gaveta quase dois anos sendo burilado enquanto o grupo trabalhava o disco de estreia na estrada e traz uma estética total “anos 80 em versão moderna” na capa, e esse espírito se espalha por todo o disco, principalmente na faixa de abertura, “Swing de Fogo” e em “Cigano Solvente”. Incrivelmente, nas canções que têm participações especiais, respectivamente, do legionário Dado Villa-Lobos e de Fernando Catatau, a banda consegue simular perfeitamente o som de um grupo em ascensão do finado que não deixam descansar BRock. Com “Quem É Que Precisa?” e “Drama e Terror” a banda ataca com baladinhas; passa por uma experimentação com psicodelia em “Já Entendi”, com guitarras bonitas, porém, fica claro que esse não é o caminho que devem seguir. Tirando isso o que sobra é a energia urrante e pornográfica da banda: a setentista “Cheira Cola”, a junkie “Táxi” e os toques latinos de “Crocodilo” (que já vinha sendo apresentada ao vivo em shows desde 2013). Os maiores punks do Ceará acenderam no estúdio um incenso que tinha escrito na caixa “Sândalo dos Anos 80 Canforado” e o cheirinho se espalhou pelo estúdio. O aroma não ficou ruim, mas o ar ficou diferente. O som simples de antes agora tem essa fragrância de ecos, distorções mais raivosas e até a bateria está mais agressiva. E o que importa: como cantor, letrista e performer, Jonnata continua o anjo autodestrutivo e monstruoso que o rock brasileiro precisa.
Nota: 7 (download gratuito do álbum no Bandcamp)
Leia também:
– Jonnata Doll (2015): “Não somos bonitinhos e não tocamos de forma asseada” (leia entrevista)
– Prata da Casa 2014: “Jonnata não parou um segundo: rolou no palco, rastejou…” (veja vídeos)
– Lucas Vieira (Facebook) está no último período da faculdade de jornalismo, escreve sobre música desde 2010 e assina o blog Dizconauta
Polêmica!
Tem que ter critério mínimo. O disco do Pratagy foi criticado por “não dizer nada que já não tenha sido dito”. Ok. mas nos comentários seguinte, o mesmo crítico, rasga elogios porque o disco da “Necro” cita Black Sabbath, West, Bruce and Laing e Led Zeppelin ou o “som cru com letras Junkies” de Jonnata Doll. Essa é a novidade? Nossas preferências são nossas referências e influem diretamente nas nossas opiniões, mas quando se escreve resenhas não pode ser apenas o gosto pessoal a dirigir nossas análises.
Boa tarde, Fabrício. Como vai?
O interessante no Adiante é misturar essas influências (Led, Black Sabbath) com um lado de bandas brasileiras dessa época. A Necro tem fotos utilizando instrumentos nacionais (guitarra e baixo Giannini) que brasileiros dessas bandas usavam nos 1970. Pode não ser novidade soar como um disco saído dos anos 1970. Mas o álbum é criativo, são raros os artistas trazendo essa onda heavy psico para hoje dessa forma. Temos um ou outro com influência prog no Brasil (a banda Baleia, por exemplo), mas o tempero do Necro tem esse diferencial.
O Jonnata tem essa linguagem junkie, visceral, postura performática em palco, pouco vista nessa década. Agora incluem o BRock, trazem Dado Villa-Lobos pro disco e conseguem em algumas faixas soar como uma banda dos 1980. Ok, poderíamos ouvir o “Que País É Esse?” se o objetivo for ouvir um disco misturando punk e anos 1980, certo? O Velvet Underground já falava de drogas, masoquismo e sexo em 1967, não é? Mas pergunto: E nessa geração? Além do Jonnata não sei de ninguém inserindo essas influências com essa linguagem explícita. Aí incluo o algo “novo” a dizer.
Agora quanto ao Pratagy “não dizer nada que não tenha sido dito”, me parece ter soado injusto pra você no sentido de que: “Se os outros estão buscando influências em coisas que já existem, porque dizem mais que o primeiro?”. Conforme expliquei acima, vejo os dois outros buscando referências pouco retomadas – da forma que fazem – nesse momento, apesar de que soar como novidade, moderno, não é determinante para a qualidade de uma obra. Com “Búfalo” senti um disco muito parecido com outros lançados na década, mesmas influências e que não traz algo mais – um teclado com um timbre mais criativo, um refrão daqueles que a gente não esquece. Parece mais do mesmo, ainda que da forma dele. Nisso enquadro o “não dizer nada que não tenha sido dito”.
Em resumo, a novidade não está em ter som cru com letras junkies ou citar as grandes bandas dos anos 1970. Uma das formas de trazer novidade é buscar influências fora do lugar comum, do que já está sendo massivamente usado de espelho e complementar ela com algo. Vale atentar que o fator “novidade” não é o único para analisar uma obra – apesar de ser importante – e não foi o único critério que utilizei no texto – criatividade, timbres, qualidade da gravação, além de outros também. A novidade não precisa ser o determinante para o quão bom algo é.
Agradeço seu comentário e suas válidas observações. É bom ouvir a opinião do público, ainda mais com o plus de ser alguém da área e com uma experiência bem maior que a minha. Forte abraço!