Música: “I See You”, The xx

por Renan Guerra

Logo que as primeiras faixas de “I See You” foram lançadas, dois comentários surgiram: a presença marcante da força criativa de Jamie xx e o ritmo mais dançante das canções. Os fãs mais dramáticos já clamavam por mais tristeza, mais melancolia. Porém, o terceiro disco dos britânicos é permeado por uma melancolia que só os apaixonados possuem, aquela que mesmo nos momentos mais alegres ainda teima em aparecer.

“I See You” foi gravado durante os anos de 2014 e 2016, meio tempo em que Jamie lançou seu primeiro disco solo, “In Colour” (2015). Curiosamente, este foi o primeiro disco que o trio compôs juntos, in loco, já que em seus trabalhos anteriores eles geralmente compunham através de trocas de e-mails. Além disso, o disco foi gravado em diferentes estúdios, em cidades como Nova York, Los Angeles, Londres, Marfa (Texas) e Reykjavík.

“I See You” é um disco que olha, meio que de canto de olho, para o “In Colour”, porém ainda mantém uma sólida estrutura que demarca a estética do grupo. Parte fundamental da força do xx se encontra no jogo de cena entre Romy e Oliver, a voz dos dois é que nos faz caminhar de forma obtusa por essas cenas que o grupo cria. São encontros, ligações, mensagens, tudo entremeado por mãos trêmulas, lábios secos ou respiração ofegante. O caminho do xx é sempre fazer com que “every beat is a violent noise”.

Se faixas como “Dangerous” e “Say Something Loving” são perfeitas para as pistas de dança, a melancolia e o minimalismo ressurgem de forma dolorosa, como na intensa “Perfomance”, canção que foi apresentada pela primeira vez em março de 2014 num show em Nova York, e que soa quase como um resumo do espírito do disco: entre batidas enérgicas e uma força apaixonada, há a dor, constante. O refrão que diz “It is a performance / I do it all so / You won’t see my hurting / When my heart it breaks / I’ll put on a performance / I’ll put on a brave face” é a clara sensação de que abaixo das expressões de força há o medo e a insegurança, ainda estão aqui os corações partidos.

É nesse jogo de incertezas que Romy canta “Though you’re not here / I can feel you there / I take you along / And when I’m scared / I imagine you’re there / Telling me to be brave”. Esse é o momento que os fãs mais xiitas podem gritar “o meu xx tá vivo!”.

Nesse terceiro lançamento é visível a fundamentalidade que a banda lega a sua estética, desde o visual ‘all black’ dos músicos até a capa do novo disco, que em sua versão física, é prata, virando um prato cheio para as selfies. Aliás, a capa do lançamento virtual, se ficarmos atentos, é uma foto da banda sobre a capa prata. Detalhistas, em sua participação no Jimmy Fallon, por exemplo, a banda levou um palco que possuía o chão completamente prata, criando efeitos de luz superinteressantes e que se interligam a capa do disco.

“I See You” é firmemente construído sobre a guitarra, o baixo e as pick-ups, tanto que o disco traz samples de gente como Drake, Alessi Brothers e Hall & Oates. Porém, além disso, ainda traz duas participações em seus créditos de musicistas: Stella Mozgawa, do Warpaint, toca bateria na faixa “Say Something Loving”; já a multi-artista Laurie Anderson é creditada como a responsável pela viola (aqui não confundir os instrumentos, essa viola refere-se ao parente do violino).

No final das contas, as escolhas do grupo podem ter deixado muitos fãs relutantes, porém “I See You” representa um sopro de criatividade. “Coexist”, seu segundo disco, era realmente muito bom, mas ainda buscava repetir o feito de “xx”, tentando recriar as mesmas ambiências, já “I See You” nos leva para outros caminhos. Este terceiro disco traduz aquele momento em que você já passou por inúmeras relações (e desilusões) e diz “agora será diferente, vou cuidar de mim e ser feliz”, mas sempre acaba se entregando sem questionar nada e sofre tudo de novo. É isso, esse ardor quase juvenil do início das paixões e do final das relações. Está tudo aqui.

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites You! Me! Dancing! e Scream & Yell.

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