Um clássico: “Horses”, de Patti Smith

por Marcelo Costa

Texto escrito em 2006 especialmente para a revista Rock Life e atualizado em 2016

Lou Reed pressionou a gravadora para que ela fosse contratada. Beck escreveu certa vez que fica “olhando para uma foto dela por horas”. Bono já declarou o seu amor. Entre seus fãs ilustres estão Michael Stipe (R.E.M., com que ela gravou a canção “E-Bow the Letter”, do álbum “New Adventures in Hi-Fi”, de 1996), Ian McCulloch (Echo & The Bunnymen, que num Cabra-Cega ao Scream & Yell comparou a batida de sua “King of Kings” com “Dancing Barefoot”) e Thurston Moore (Sonic Youth). Ela é Patti Smith, a poetisa que abriu seu álbum de estreia dizendo que Jesus morreu pelos pecados dos outros, não pelos dela, cravando a frase na abertura de um cover (sensacional) de Van Morrison, “Gloria”.

Toda essa adoração começou com “Horses”, disco de estreia de Patti Smith gravado no mítico Eletric Lady Studios e lançado em 1975 sob a produção de John Cale (Velvet Underground) e fotos de Robert Mapplethorpe. Os 30 anos do álbum foram comemorados em 2005 com um show especial em Londres. A apresentação acabou rendendo uma edição luxuosa em CD duplo, com o álbum original em versão remasterizada (acrescido do cover de “My Generation”, do The Who, com participação de John Cale no baixo e vocal) no primeiro disco e a versão ao vivo de “Horses”, faixa a faixa, retirada do show de 2005 no segundo disco (ouça no Spotify).

“Horses” une poesia e a crueza do rock como poucas vezes a música pop ousou fazer. Letras dramáticas e de temática forte que hora homenageavam Jimi Hendrix (“Elegie”, um réquiem para o mítico guitarrista, foi gravada por Patti no dia do quinto aniversário de morte de Hendrix no estúdio que ele construiu, o Eletric Lady), Jim Morrison (“Break It Up”) e Joana D’Arc (“Kimberly”), ou se inspiravam no escritor Peter Reich (“Birdland”), contando histórias como a de uma jovem lésbica que morria se atirando no mar revolto (“Redondo Beach”, que nasceu após uma briga de Patti com sua irmã Linda no Chelsea Hotel), ou a de um rapaz violado no corredor da escola (na faixa título) . Lembre-se: 1975.

Da formação original que gravou “Horses” estavam presentes no palco do Royal Festival Hall, em Londres, 2005, o guitarrista Lenny Kaye (fiel escudeiro de Patti em toda sua carreira), o baterista Jay Dee Daugherty, e Tom Verlaine, do Television, que chegou a tocar algumas guitarras na gravação de 1975 (e assina a parceria com Patti em “Break It Up”). Ivan Kral não topou a aventura e o tecladista Richard Sohl morreu de infarto em 1990. Em seu lugar foi chamado Tony Shanahan, que assumiu os teclados além de dividir com um convidado ilustre, Flea, dos Red hot Chili Peppers, que também se encarregou do trompete.

Além do segundo CD ao vivo, “Horses – Legacy Edition” destaca um encarte caprichado, que é outra atração imperdível do pacote. Com 32 páginas, o encarte traz texto de Paul Williams sobre a canção “Gloria” (em trecho retirado do livro “Rock and Roll: The 100 Best Singles”) e Sandy Pearlman (falecido em 2016 – Lenny Kaye escreveu um texto especial sobre ele no site oficial de Patti), dezenas de fotos raras (algumas delas de Robert Mapplethorpe, das mesmas sessões que originaram a capa clássica de “Horses”) e todas as letras do álbum.

Um ano antes, em 2004, Patti Smith lançou “Trampin’”, um grande álbum que desafiava George Bush enquanto rendia homenagens a Rimbaud, Baudelaire, Verlaine e Blake. Depois, em 2007, lançou “Twelve”, um disco de versões que ia de Tears For Fears (“Everybody Wants to Rule the World”) a Nirvana (“Smells Like a Teen Spirit”) passando por Rolling Stones (“Gimme Shelter”), Neil Young (“Helpless”), Bob Dylan (“Changing of the Guards”) e R.E.M. (“Everbody Hurts”). Seu álbum de estúdio mais recente é “Banga”, de 2012, mas após lançar o livro “Just Kids” (2010), ela voltou a escrever e colocou nas livrarias “Linha M”, em 2015.

Mais do que musa do movimento punk nova-iorquino, Patti Smith se transformou em uma estrela do rock adorada por gerações de roqueiros e escritores. Ela é a mulher que ao rodopiar no palco num show na Flórida, 1977, caiu de uma altura de três metros, quebrou vértebras, ferrou o pescoço, e precisou cancelar a turnê europeia que faria em seguida e reavaliar a vida. Pouco mais de um ano depois lá estava ela de volta aos shows. Ela é a artista que “matou” sua persona em pleno auge da carreira para dedicar-se a família em um auto-exílio que durou quase 10 anos (entre o álbum “Wave”, de 1979, e “Dream of Life”, de 1988).

Ela é a letrista que não pensou duas vezes em modificar uma letra do então ídolo norte-americano Bruce Springsteen e, nela, reduzir o amor a um toque de telefone. Em 2016, ano em que festeja seu septuagésimo aniversário, Patti Smith foi a escolhida pela organização do Prêmio Nobel para interpretar uma canção de um de seus maiores ídolos na cerimônia em que Bob Dylan seria homenageado com um Nobel de Literatura (e ela acabou protagonizando um dos momentos mais emocionantes de 2016 na música, ao, emocionado, se perder na interpretação de “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, parar tudo, pedir desculpas e acusar: “Estou muito nervosa”. Ela é Patti Smith. Palmas.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

One thought on “Um clássico: “Horses”, de Patti Smith

  1. Era 1981 e ouvi um disco chamado times square, trilha sonora de um filme. E tava lá pissing in ariver… de lá pra cá patti se manteve na minha vida de uma forma ou de outra.

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