Entrevista: Fresno (2016)

por Marcos Paulino

Nas 11 faixas que compôs para “A Sinfonia de Tudo que Há” (2016), novo disco da Fresno, Lucas Silveira, vocalista e líder da banda, imaginou construir algo como uma ópera-rock. É ele mesmo quem admite isso ao explicar como concebeu o sétimo álbum de estúdio do quarteto criado em Porto Alegre e radicado em São Paulo. Se chegou ao seu objetivo, são os fãs que poderão dizer ao ouvir este trabalho conceitual, que traz um som bem diferente daquele que, durante um período, tornou a Fresno protagonista no mainstream do rock brazuca.

Mais independentes do que nunca, Lucas, Thiago Guerra (bateria), Gustavo Mantovani (guitarra) e Mario Camelo (teclado) – a banda não tem baixista fixo – se permitiram neste disco ter o acompanhamento da orquestra do maestro Lucas Lima. E conseguiram uma proeza: arrastar ninguém menos que Caetano Veloso pra participar de uma das faixas, no caso, “Hoje Sou Trovão”. Nesta entrevista, Lucas conta mais sobre a concepção do novo projeto ao PLUG, parceiro do Scream & Yell:

Você diz no material de divulgação do novo disco que ele foi “concebido como uma ópera-rock, mas sem necessariamente fazer uso do que classifica uma obra como ópera”. Você pode explicar essa ideia?
Esteticamente, o disco mostra que fizemos várias escolhas que inevitavelmente o tornariam diferente. Há mais de um ano, quando tivemos a primeira conversa sobre o disco, a ideia era não repetir nada do que a gente tinha feito, tenha dado certo ou não. Por não sermos tão veteranos, não temos aquela obrigação de tocar aqueles mesmos hits pra sempre, e isso nos dá uma liberdade. A partir disso, decidimos fazer músicas sem pensar em formato, em o que as pessoas vão achar ou em que rádio vai tocar. Então comecei a pensar em como amarrar as músicas, a partir de uma história que eu já tinha pré-concebido. O disco conta uma história com início, meio e fim.

Não é um disco fácil, que prende o ouvinte na primeira audição ou que irá tocar em rádios. Vocês pensaram nisso enquanto compunham?
Essa liberdade que tivemos pra fazer o disco soar dessa maneira é fruto do momento que o rock, o pop rock e até o formato banda vivem. Qual rádio de fato toca rock no Brasil? Em São Paulo, centro do país, tem uma rádio que dedica uma porcentagem de tempo mínima, pra não dizer nula, ao que se está fazendo hoje. A mensagem é de como o rock era bom antigamente. Há menos de 10 anos, as rádios tocavam System of a Down, que é mais extrema do que a gente. O formato “radio rock”, que tem nos EUA e aqui teve muito, é uma parada que não existe. Se você não precisa pensar nisso, seu processo fica muito mais livre e você pode mandar uma banana pra esse mercado. A influência externa, pra atender esse formato de rádio, pode ser cruel pro trabalho. O público de rock costuma perceber quando a música é feita pro rádio e não gosta disso.

Depois de um bom tempo desfrutando de muita popularidade, a Fresno voltou a ser independente há cinco anos. Até por isso é possível fazer trabalhos experimentais como o disco novo?
Nos moldes mais antigos, quando a gravadora ia lançar o disco de um artista que já tinha público, existia um investimento bem considerável, em divulgação, rádio, TV, que custava muito dinheiro. Esse investimento, pra uma empresa que visa lucro, precisa voltar multiplicado. É uma troca, em que você entra com seu material artístico e a gravadora, com esse suporte. Mas tem uma coisa muito importante nessa mecânica, que hoje em dia não existe mais, que é o dinheiro. [Risos] As gravadoras até faturam de outras maneiras, com contratos de edição super bizarros ou com parte do cachê das bandas. Porque o dinheiro da compra de música é muito menor do que já foi. Se não existe mais o dinheiro, ceder a sua criação pros caras não vale a pena. A gente vive disso. A gravadora vive de 100 ou 200 artistas, e se um deles der errado, não tem o menor problema. Mas se eu fizer uma escolha artística ruim, quem vai se dar mal sou eu. Justamente por causa da dimensão que a Fresno teve, e do público que a gente tem, podemos nos dar ao luxo de lançar um disco independente e de correr certos riscos. A gente educou nosso público a esperar isso da gente.

Neste disco, que é conceitual, as letras trazem mensagens otimistas, que se contrapõem ao clima musical, um tanto sombrio. Foi proposital?
Como compositor, sempre toco num tipo de emoção. Não consigo me livrar muito disso. Já trabalhei com publicidade, e às vezes me pedem um tipo de leveza que não consigo dar. Normalmente, crio sequências de acordes que, se não são sombrias, são melancólicas, tristes, ou caem pro lado raivoso. Não consigo ser super ensolarado. Mas, talvez pela mensagem das letras, nesse disco a gente até consiga neutralizar um pouco isso. E ao mesmo tempo uso isso a meu favor, é uma maneira de fazer música com a qual me identifico. As bandas de que gosto quase sempre caem pra esse lado de provocar emoções fortes, reflexões. Gosto de bandas difíceis de ficar indiferente. O disco não é aquele que você vai colocar num churrasco com seus amigos e deixar tocando sem prestar atenção. É uma música feita pra outro momento.

Por que a ideia de utilizar uma orquestra no disco?
Nos discos mais recentes, de uns cinco anos pra cá, eu vinha usando as cordas pra sublinhar algumas nuances da música e trazer uma emoção, um arrepio. Neste disco, a gente reduziu o tamanho da banda justamente pra que essas cordas falassem mais alto e de fato tomassem o protagonismo. É um disco que funcionaria perfeitamente se fosse somente uma orquestra tocando. Da mesma maneira, no processo inicial da gravação, quando estávamos fazendo as músicas, éramos os quatro tocando guitarra, baixo, bateria e teclado, e também funcionou bem.

Além da orquestra, também chama a atenção a participação do Caetano Veloso, que deve ser o sonho de 10 entre 10 artistas. Como rolou isso?
Já cruzamos com o Caetano em vários eventos, e já trabalhei com a Paula Lavigne, mulher e empresária dele. Vinha rolando uma onda de se usar participações pra conseguir um viral entre as pessoas que curtem aquele artista, pelo sentido puramente comercial. No nosso caso, não. Quando gravamos o disco, estávamos ouvindo muito o “Abraçaço” no camarim, que me fez revisitar tudo o que eu já conhecia de Caetano e ouvir os trabalhos mais recentes que nunca tinha escutado. Um dia perguntei pra Paula se o Caetano toparia ouvir uma faixa e cantar com a gente. Rolou a oportunidade de ir a casa dele e ele pediu pra tocarmos a música. Foi uma parada surreal, pensei nos meus pais, nos meus amigos. [Risos] Destrinchei a música verso por verso e expliquei o conceito do disco. O Caetano não parou no tempo e está sempre ligado em tudo. Ele entendeu muito bem nosso idioma musical e gostou da música. Meses depois, ele estava no estúdio com a gente. Somos uma banda de rock do Rio Grande do Sul, tem um monte de ideias pré-concebidas sobre a gente, e o Caetano Veloso topou gravar no nosso disco. Isso nos deu uma puta injeção.

No “Maré Viva”, vocês já tiveram Lenine e Emicida como convidados. As participações vieram pra ficar no trabalho da Fresno?
Mais do que pra ficar, é pra somar. E pra passar uma mensagem pro nosso público, que às vezes não é familiarizado com os caras, de que as diferenças musicais que as pessoas enxergam quase sempre vêm de preconceito, que tentamos quebrar. Quando anunciamos que o Emicida iria cantar com a gente, havia fãs da Fresno que nem tinham ideia de quem ele é, das ideias que ele defende, da música que ele faz. E com certeza deve haver fãs do Emicida que questionaram ele cantar com uma banda “emo”. E aí, por uma curiosidade mórbida, a pessoa pode ir ouvir e achar legal, ou confirmar o preconceito mesmo. Mas passamos a mensagem de que há muita coisa pra se fazer dentro da música e que misturar é sempre muito saudável.

A ideia é continuar sem um baixista fixo?
Dados o momento e a idade da banda, ainda não fez sentido pra gente incorporar um baixista só porque tem que ter um. No novo disco, eu gravei o baixo. E temos um baixista contratado, que toca com a gente nos shows, que cumpre muito a função dele. Mas quando a pessoa entra na banda, ela vira sócia de um trabalho que está em andamento há muito tempo. A coisa é bem mais complicada que só colocar uma pessoa. O Natiruts, por exemplo, é uma banda de dois caras, e o resto é tudo contratado. E isso é mais normal do que se imagina. Como no rock tem essa noção de banda, muita gente estranha o cara estar no palco e não na foto. Mas pra gente é normal.

Vocês vêm emendando uma turnê na outra. Como está essa agenda?
Pela primeira vez, a gente parou um pouco entre uma turnê e outra, mas não deu nem pra descansar. Foram dois meses em que lançamos o disco digitalmente e trabalhamos bastante na internet. Agora lançamos o disco físico e começamos os shows. Já fizemos Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre. Em 2017, vamos rodar o Brasil inteiro com o disco novo. A ideia é nunca parar de fazer shows, porque é de onde a gente tira o nosso sustento. E também é o que faz a banda ter uma relação direta com o público. Os shows novos têm sido incríveis, os fãs querem muito ouvir as músicas do disco novo ao vivo, pedem até pra tocar inteiro, na ordem. Isso não rola muito, ainda mais numa banda que tem 17 anos. Normalmente, as pessoas querem ouvir os hits. Isso mostra que a galera curtiu mesmo o trabalho.

Marcos Paulino é editor do caderno Plug (www.mundoplug.com), da Gazeta de Limeira. A foto que abre o texto é de Jonas Tucci / Divulgação

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