Boteco: 10 cervejas brasileiras

por Marcelo Costa

Abrindo uma série Brasil pelo Rio Grande do Sul, mais propriamente Santa Maria, cidade que abriga a cervejaria Dado Bier, aqui representada por sua Craft American Lager, uma Premium American Lager que busca inspiração no estilo mais popular do mundo. A ideia da casa é produzir uma cerveja “para acompanhar e brindar” e o resultado na taça exibe uma coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, surpresa: café, que não devia estar aqui, mas coloca uma pulguinha atrás da orelha de interesse. Além ainda há leve papelão molhado e floral discreto. Na boca, textura metalizada com áspero suave. O primeiro toque traz doçura caramelada com… isso mesmo, café, sugerindo algo de toffee aliado a leve herbal. O amargor é baixo (12 IBUs) e, dai pra frente, o conjunto fica entre papelão molhado e (surpreendente) café discreto. O final é seco. No retrogosto, refrescancia. E silêncio.

Do Sul do país para o Sudeste com uma receita criada pela Wäls, em Belo Horizonte, visando festejar os 30 anos do restaurante carioca Sushi Leblon. Os mineiros escolheram o estilo belga Witbier acrescentando malte de trigo, flocos de aveia, gengibre, laranja, coentro e o lúpulo norte-americano Cascade. O resultado é uma cerveja de coloração amarelo turva com creme branco de boa formação e média alta permanência. No nariz, a Wäls Sushi Leblon mostra bastante cítrico (laranja e limão), doçura de trigo e leve percepção de gengibre, que acrescenta notas interessantes ao aroma. Na boca, a textura é suave, quase cremosa. O primeiro toque reafirma a postura cítrica com mais limão do que laranja seguidos de doçura de trigo e bem baixo amargor. Dai pra frente, um conjunto agradável unindo cítrico, trigo e cravo com leve pontada de gengibre. O final é seco e cítrico. No retrogosto, cítrico suave e refrescancia.

A terceira é outra novidade da Bohemia, de Petrópolis, que após investir em 2015 numa linha equivocada com um mestre de cozinha, encontrou o caminho numa linha mais tradicional em 2016, da qual a quarta integrante é esta Magna Pils, uma German Pilsener cuja receita utiliza os lúpulos alemães Hallertauer Tradition, Perle e Mittelfrüh e que, na taça, apresenta uma coloração dourada com creme branco de boa formação e permanência. No nariz, delicada sugestão floral seguida de suaves notas maltadas remetendo a pão e biscoito. Na boca, textura levemente frisante no início e, depois, suavemente cremosa. O primeiro toque oferece doçura leve de cereais seguida de amargor baixo (22 IBUs), mas eficiente na função de equilibrar o conjunto, que se baliza entre a doçura maltada e o amargor floral. Refrescante e correta, a Magna Pils finaliza seca. No retrogosto, leve traço herbal e refrescancia. Agradável.

De Petrópolis para Socorro, interior de São Paulo, com a segunda cerveja da Quinta do Malte a passar por este espaço (a anterior foi a Rubra Orange Wheat Ale), Krait Hop Lager, uma India Pale Lager que utiliza “lúpulos aromáticos”, segundo o site oficial. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção, a Quinta do Malte Krait Hop Lager exibe um aroma bastante discreto para uma India Pale Lager com notas florais lutando para saltar pra fora da taça. Há, ainda, notas herbais perdidas aqui e ali. Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque oferece o que é ausente no aroma: notas florais e herbais suaves, mas ainda assim facilmente perceptíveis. O amargor (25 IBUs) é bastante baixo e, dai em diante, surge uma cerveja refrescante e timidamente lupulada, que pode funcionar em dias quentes, ainda que o nome Hop faça esperar mais. O final é seco. No retrogosto, refrescancia.

Ainda no interior paulista, a próxima parada é Amparo, casa da Ashby, cervejaria que começa a se aventurar no território das cervejas especiais – metade dessa linha é bem interessante. Da linha tradicional da casa, essa Ashby Ale é a releitura do estilo English Pale Ale exibindo uma coloração âmbar caramelada e creme bege clarinho de boa formação e rápida dispersão. No nariz, doçura caramelada de malte com leve presença de tosta se porta com simplicidade ao lado de discretas sugestões herbais derivadas do lúpulo. Na boca, textura suave e levemente metálica. O primeiro toque traz doçura caramelada seguida de herbal discreto. O amargor é baixo (22 IBUs) e, dai pra frente, uma cerveja meio sem graça entre doçura caramelada e herbal suave. O final é maltadinho. No retrogosto, malte suave. Uma réplica ok do estilo.

A sexta da série continua no interior paulista, mais propriamente em Ribeirão Preto, casa da Colorado, aqui representada pela Eugênia, uma Session IPA que recebe adição de Uvaia, fruta típica da Mata Atlântica que eles já tinham usado na Saison Ybá-La. De coloração amarela meio dourada e turva com creme branco de boa formação e média retenção, a Colorado Eugênia exibe um aroma com notas herbais e frutadas (uvaia bastante presente remetendo a… ki-suco em pó) levemente cítricas sobre uma base quase imperceptível de malte. Na boca, a textura é picante e cremosa. O primeiro toque traz frutado cítrico e herbal (uvaia dominando) seguido de amargor interessante (40 IBUs) abrindo as portas para um conjunto um tiquinho mais robusto que o das Sessions tradicionais, ainda que bastante leve. O final é amarguinho. No retrogosto, uvaia e refrescancia. Interessante.

Ainda no interior paulista, desta vez em Itupeva, casa da Blondine, que marca presença aqui com sua Wit Acerola, mais pra American Witbier (Blue Moon) do que Belgian (Hoegaarden) numa receita que recebe adição de casca de laranja e acerola (mas não de condimentos). O resultado é uma cerveja de coloração amarela com turbidez suave e creme branco de média formação e rápida dispersão. No nariz, frutado cítrico suave sugerindo casca de laranja (a acerola é imperceptível no aroma) sobre uma leve base de trigo. Na boca, a textura é áspera e delicadamente frisante. O primeiro toque oferece frutado cítrico (casca de laranja e, agora, acerola) seguido de doçura suave e leve metálico. O amargor é praticamente inexistente e, dai pra frente, surge um conjunto agradável, leve e refrescante (quase um suco de laranja). O final é cítrico e levemente adstringente. No retrogosto, mais cítrico (casca de laranja). Ok.

De São Paulo para Curitiba, capital do Paraná, terra da Morada Cia Etílica, que provocou o mundo cervejeiro nacional ao criar uma antítese da Lei da Pureza Alemã: Bizarro, uma cerveja impura apenas com ingredientes proibidos pela Reinheitsgebot (e nada de malte, água e lúpulo) como malte de arroz e de aveia, chimarrão, água de coco e sidra mais zimbro, sementes de coentro e losna e, para fermentar, um blend de Saison com Brett. O resultado é uma não cerveja de cor amarela com creme branco de baixa formação e rápida dispersão. O aroma junta discreto herbal com leve láctico, cítrico e azedume suaves. Na boca, textura áspera e picante de sidra. O primeiro toque traz rápida doçura seguida de herbal, cítrico e azedume, todos suaves. O amargor é baixo e, dai pra frente, surge uma cerveja interessante e refrescante, ainda que… bizarra. O final é azedinho e herbal. No retrogosto, láctico, azedinho, herbal e cítrico. Gostosa.

De Curitiba para Porto Alegre com mais uma Tupiniquim, desta vez uma Berliner Weisse com ameixa e framboesa chamada Lógica Absurda, receita colaborativa entre a casa e a mestre cervejeira Amanda Reitenbach que ainda traz uma arte caprichada inspirada em “Alice no País das Maravilhas”. De coloração vermelha com creme branco exibindo traços vermelhos de boa formação e boa retenção para o estilo, a Tupiniquim Lógica Absurda apresenta um aroma com notas frutadas agradáveis remetendo a framboesa em destaque. Ainda é possível perceber leve acidez. Na boca, a textura é frisante. O primeiro toque oferece acidez e framboesa, que seguem juntos, de mãos dadas, num conjunto cujo amargor fica em segundo plano diante da acidez e que ainda deixa perceber levemente a ameixa adicionada. O resultado é um perfil caprichado, envolvente e delicadamente provocante. O final é seco e refrescante. No retrogosto, framboesa, ameixa e mais refrescancia. Palmas!

Fechando essa série de 10 cervejas nacionais, a Micro Cervejaria X, de Brasília (produzida em Goiânia) marca presença com seu terceiro rótulo a passar pelo Scream & Yell (antes tiveram por aqui a Blanche do Cerrado e a Oberkon), 61IPA, uma American IPA que, segundo o rótulo, alcança 70 IBUs. De coloração ambar caramelada translucida com creme levemente bege de boa formação e permanência, a X 61IPA exibe um aroma com frutado cítrico intenso trazendo sugestão de maracujá sobre uma base suave de caramelo. Na boca, a textura é quase cremosa e levemente picante. O primeiro toque oferece doçura caramelada rapidamente deixada para trás em favor de um amargor cítrico que não parece chegar aos 70 IBUs, mas deve ficar ali nos 40, 45. Dai em diante um conjunto clássico, ainda que simples, e eficiente de uma boa American IPA. O final é levemente amargo. No retrogosto, mais maracujá que caramelo. Boa.

Balanço
Para começar, passe longe da Dado Bier Craft American Lager. Existem coisas interessantes no capitalismo a se inspirar, e os gaúchos focaram no lado ruim. Uma pena. Esqueça. Já a mineira Wäls Sushi Leblon soa melhor que a própria Witbier da casa. Dá até vontade de ir ao restaurante. Já a carioca Bohemia mantém a boa pegada da linha deste ano (Aura, 838 e 14) com esta simples e correta Magna Pils. A paulistana do interior Quinta do Malte Krait Hop Lager decepciona no aroma, mas ultrapasse essa primeira impressão e encontre uma Lager com Hop discreto que cai bem num dia de calor. Já a Ashby Ale não é boa, mas também é ruim. Trata-se de uma replica meio sem graça do estilo English Pale Ale, uma cópia sem alma, e cerveja sem alma complica. A Colorado Eugênia, por sua vez, se sai bem melhor, mas a Uvaia traz uma aridez ao conjunto que remete muito à Saison, deixando o estilo Session IPA em segundo plano. Mesmo assim, vale muito experimentar. A Blondine Wit Acerola é refrescante, mas excessivamente comportada chegando a parecer um suco de laranja gaseificado. Agora em Curitiba com a Morada Bizarro, uma anti-cerveja que cisca na área das sours, e se sai bem com azedume, cítrico e herbal agradáveis. Simples e eficiente. De Curitiba para Porto Alegre com a melhor Berliner da Tupiniquim, que, enfim, acertou a mão nessa Lógica Absurda. Sensacional. Fechando a série, uma boa American IPA de Brasília, a X 61IPA.

Dado Bier Craft American Lager
– Estilo: Premium American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 1,99/5

Wäls Sushi Leblon
– Estilo: Belgian Witbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,1%
– Nota: 3,19/5

Bohemia Magna Pils
– Estilo: German Pilsener
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,8%
– Nota: 3,01/5

Quinta do Malte Krait Hop Lager
– Estilo: India Pale Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 2,91/5

Ashby Ale
– Estilo: English Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,8%
– Nota: 2,65/5

Colorado Eugênia
– Estilo: Session IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,19/5

Blondine Wit Acerola
– Estilo: Belgian Witbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,4%
– Nota: 2,95/5

Morada Bizarro
– Estilo: Spice Herb Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3,05/5

Colorado Lógica Absurda
– Estilo: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3,8%
– Nota: 3,50/5

Micro Cervejaria X 61IPA
– Estilo: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,20/5

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