Três discos: Liniker, Lineker e Bruno Capinan

por Renan Guerra

“Remonta”, Liniker e os Caramelows (Pommelo Distribuições)
Depois do sucesso veloz feito pelo EP “Cru” (2015), Liniker aproveitou a visibilidade alcançada para, através de um crowdfunding, agilizar seu disco de estreia, “Remonta”, assinado agora por Liniker e os Caramelows. Precedido por altas expectativas, “Remonta” é um balde d’água fria: na pressa de entregar um disco ao séquito de fãs conquistado em tão pouco tempo, Liniker soa acomodada em sua poética frugal. De cara é desanimador ver como faixas que haviam encantado o público antes surgem agora sem vida e diminuídas em suas versões oficiais. Também fica claro que não há algo de realmente distinto ou tão provocativo em “Remonta” quanto a própria persona de Liniker, o que decepciona, pois sua figura pública, seus discursos de gênero e suas falas apaixonadas provam que ela seria capaz de um trabalho mais complexo e seguro. Os momentos em que ela se une aos seus pares geracionais são os mais instigantes do álbum, seja ao lado de Xênia França, Tássia Reis, Tulipa Ruiz ou das meninas d’As Bahias e a Cozinha Mineira, mas o resultado final, como um todo, não cumpre as expectativas. “Remonta” é um disco sincero que consegue se comunicar muito bem com uma parcela de público jovem – a tal geração empoderada do “lacre” –, mas perde fôlego para ir muito além. Se musicalmente o presente decepciona, é bom ficar atento ao que os novos encontros e o sucesso comercial devem propiciar ao futuro de Liniker. A expectativa continua.

Nota: 5

“LINEKER”, Lineker (Lineker/Tratore)
Um álbum que abre com o verso “cantar é a minha nudez”, em uma pequena faixa que acaba-se com vocais marítmos à la Björk + Dirty Projectors, já deixa bem claro que o ouvinte irá encontrar pela frente um artista suficientemente destemido, que não busca caminhos fáceis e que atira suficientemente alto. Terceiro trabalho de Lineker, depois de “Ele” (2012) e “Verão – EP” (2016), este álbum autointitulado é, certamente, seu passo mais maduro e acertado. Com uma estética repleta de influências e interconexões, Lineker se apresenta mais definido e preciso em sua poética incisiva. Anterior a Liniker, porém sempre confundido com eu (quase) homônimo, Lineker sempre flertou mais com o rock e com o pop e, mesmo comparado à Ney Matogrosso, suas referências pairam sobre Elis Regina, Maria Bethânia e Björk, provando sua marca para a heterogeneidade. “LINEKER”, o álbum, embebe-se em todas as outras presenças artísticas de Lineker: a dança, a performance e mesmo seu visual, andrógino. Entre guitarras, batidas eletrônicas e vozes sobrepostas, Lineker cria um ritual apaixonado, que traz fôlego ao que quer que chamemos pop brasileiro.

Nota: 8 (download gratuito)

“Divina Graça”, Bruno Capinan (Joia Moderna / Tratore)
Baiano radicado no Canadá, Bruno Capinan chega ao seu terceiro e mais sólido disco, “Divina Graça”. Imerso em cenários comuns da nossa MPB – a Bahia, o Ilê Ayiê, o carnaval, o mar, o sincretismo religioso –, Capinan consegue dar novo viço aquilo que parecia já empoeirado, trazendo ares cosmopolitas ao que há de mais tradicional em seu estado natal. Gravado em Toronto e produzido por Domenico Lancelotti, Bem Gil e o próprio Capinan, “Divina Graça” tem sua maior riqueza na construção de camadas sonoras delicadas, que vão bem além do banquinho-e-violão da MPB, abrindo espaço para tramas mais complexas, que mesclam o misticismo africano com uma potencialidade excentricamente pop das canções. De temas aparentemente clássicos, as canções de Capinan são recheadas de símbolos que propõem novos caminhos sexuais e sociais, bem expressos na linda capa do álbum. “Divina Graça” é um álbum pontual, certeiro e deve servir como ponto de referência para que a carreira de Bruno se torne mais sólida dentro de sua terra natal.

Nota: 9 (download gratuito)

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites You! Me! Dancing! e Scream & Yell.

12 thoughts on “Três discos: Liniker, Lineker e Bruno Capinan

  1. O Liniker que veio primeiro não poderia entrar com um processo para que o outro Liniker mudasse de nome? Porque deve dar a maior confusão, não é um nome comum tipo Zé e se alguém for procurar na net vai achar trampo só do Lineker que tá mais na moda, não vai achar o do outro

  2. Pois é, Cap Troz. Outro dia, eu pensei nisso, nessas “confusões” de nome, e sei que elas não são novas no cenário alternativo. Por exemplo:”Ludov” de “Ludovic”, apesar das bandas serem BEM distintas. “Mombojó” de “Monjolo” também é outra coisa bem interessante, digamos. Se alguém tiver outros exemplos, podem colocar a vontade, não deve faltar. Mas eu acho engraçado isso, as vezes soa como se houvesse uma vaidade e pegasse o nome do outro para alavancar a carreira. É tétrico isso.

  3. Então mas Mombojó e Monjolo são parecidos mas tem diferença. Liniker e Lineker sonoramente é a mesma coisa. Se eu fosse o Liniker menos badalado e que veio primeiro tentaria um acordo para o outro Liniker mudar o nome

  4. Cap Tropz, o que eu sei é que eles se conheceram logo no início e conversaram, decidindo manter os nomes, pois nenhum dos dois é um nome artístico, ambos foram batizados com esses nomes em homenagem ao jogador de futebol Gary Lineker, que fez sucesso na seleção inglesa nos anos 80. O que eu percebi já na internet é que, apesar da confusão, muita gente chega ao Lineker menos famoso, digamos assim, pelo Liniker mais famoso, e no final das contas é algo bom, pois ambos possuem um público parecido.

  5. Valeu pelo esclarecimento, Renan. Se os dois já conversaram e ficou interessante para os dois então é válido sim. Lembro que o Natiruts no primeiro cd chamava “Nativus” e teve que mudar de nome no segundo cd porque já tinha uma banda gaúcha com esse nome. Aí não teve jeito.

  6. Descordo completamente da crítica ao Remonta. Acho que faltou sensibilidade do crítico em perceber a força do processo de reconstrução das composições.
    O aspecto “mais comercial” como diz, não tira em nada a força do disco, e que reside justamente na sua potente jovialidade. Faltou escutar mais atenta e sensivelmente.

  7. Na frase: “seu passo mais maduro e acertado” qual a referência para que um álbum seja considerado “acertado”?
    E o que é maduro e acertado no meio musical? Ainda mais no meio independente, onde os artistas pouco ligam para acertos, a não ser é claro aos que almejam fama e dinheiro.
    Acredito que na música esses termos: sucesso, maduro, acerto, grandeza, seminal, etc… pouco importam aos que fazem música pela música.
    Pelo contrário devem ser evitados para que não contamine seus trabalhos.
    A vaidade toma conta desse universo internet, o artista puro e simples perde valor nesse meio e a música acaba perdendo voz para a estética e opiniões rasas.
    Escute a música, se ela é “acertada” pra mim, pode não ser pra vc e pra sua turma e isso não quer dizer absolutamente nada, pois a música continua ali, dando a mínima para os que os outros pensam.
    Como diria o Piva: “O dia em que eu vencer alguma coisa vou me perguntar onde foi que eu errei” “Estarei sempre ao lado dos vencidos, nunca dos vencedores”

    1. Junior, respondendo (como editor) em nome do Renan, “a referência” no caso é a própria carreira do artista. No texto, o jornalista acredita numa evolução do artista e que esse álbum em questão é o mais acertado. Isso é uma coisa.

      A outra diz respeito a antiga questão sobre “artista x crítica”: você diz “pouco importam aos que fazem música pela música” e creio que o artista não tem que pensar na crítica, no público, no universo, e sim em sua obra, mas a função da crítica é tentar entender esse espaço/tempo em que a obra existe. Ou seja, sua questão é muito mais entrincheirada na existência e validade da crítica do que na obra do artista em si.

      Partindo da ideia do parágrafo anterior, há um erro enorme na sua avaliação por confundir crítica com gosto. Sim, qualquer pessoa pode ouvir qualquer música (de Lineker a Anitta, de Wilco a Taylor Swift) e ela soar acertada pra ela. Isso é gosto. Crítica é outra coisa. Acho que essa confusão de distinção permeia seu comentário.

      1. Octavio Paz em um ensaio sobre Duchamp escreveu: “não sei como a palavra “melhor”pode ser aplicada em relação a um artista”.
        Não estava me referindo a crítica nem muito menos a gosto, só queria entender qual a finalidade do “acertado”?
        Qual seria o objetivo do acerto do álbum? comercial? sonoro?
        Obrigado por elucidar a questão, mas continuo acreditando que essas palavras grandiosas como “evolução”, “carreira”, “sucesso” não podem ser aplicadas a um artista.

        1. Você tem todo o direito de não acreditar nisso, Junior. E eu de acreditar. Por isso escrevemos sobre o que acreditamos. Se você acha que não se aplica, direito seu. A gente acha que se aplica.

    2. Essa frase do Piva é um juízo de valor dos mais sofríveis: usar moralismo cristão como base e gosto e qualidade é uma escolha pessoal, claro, mas daí a transformar isso em axioma…

      1. O Piva termina dizendo “o dia em que eu vencer alguma coisa, vou me perguntar onde foi que eu errei”
        Não estou transformando em axioma, só deixando claro que não me importo se o “artista” venceu algum tipo de prêmio ou não, ou se ele é bonito na foto.
        Se eu curtir é pelo o que ele é.

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