Entrevista: Vivian Benford

por Leonardo Vinhas

“Teve ano em que aconteceu muita coisa, teve ano em que nada aconteceu”, conta Vivian Benford, a respeito de sua carreira. E esse lado cíclico faz com que ela alterne períodos de maior visibilidade no universo independente com períodos de ostracismo.

“Jardim”, seu álbum de estreia, foi lançado em 2010. Seu sucessor só conheceu a luz do dia neste ano – ou quase, já que apenas a primeira metade de “Concreto” foi lançada. Por razões de orçamento e logística, explicadas na entrevista abaixo, Vivian lançou apenas quatro faixas. O material é mais luminoso e cativante que o álbum de estreia: a ligeireza de “Floricultura”, nunca mostrada em faixas anteriores, combina perfeitamente com a balada guitarreira “Casa Vazia”, com o tom algo shoegaze de “Sombras por Aqui” e a delicadeza de “No Meu Tempo” (baixe as quatro canções no Soundcloud).

Como sempre, a cantora carioca recorreu a compositores do circuito underground do Rio de Janeiro: Vinícius Castro, Rodrigo EBAI, Arthur Tofani e Manoel Magalhães. Porém, todos mirando alvos pop – um feito especialmente curioso numa época em que pop parece ter virado um infeliz sinônimo de brega, especialmente no circuito de festivais.

Essa opção pelo pop é o principal foco desse papo que o Scream & Yell teve com Vivian Benford numa tarde do fim de setembro. Há quem diga que o pop é um gênero que pertence ao passado. Para Vivian, ele é também presente e futuro.

Por que o disco está sendo lançado em duas partes?
Eu tô num momento da minha vida – pessoal, artística – que acho que mais importante que fazer um álbum inteiro é “fazer”. Tem que sair do papel, sabe? E como não tenho nenhum compromisso com gravadora, posso fazer na hora que quiser. Até pensei em lançar uma faixa por mês, mas consegui gravar e mixar quatro faixas, e estava esperando as outras quatro ficarem prontas. Por questão de agenda do produtor, do estúdio, dos músicos, foi demorando. Fui ficando com medo de ficar com essas coisas e não lançar… Depois que você grava, a música começa a envelhecer, então daqui a pouco o disco vai ficar velho, saca? Por um tempo, fiquei em dúvida se teria condições de terminar essas quatro músicas finais e pensei em lançar um EP com as quatro primeiras. Mas elas nasceram juntas, fazem parte do mesmo projeto. Assim, me comprometi a lançar as outras quatro, e lançar agora as que estão prontas. Pretendo lançar as que faltam até o final do ano, mas não sei se vai dar tempo, porque vou viajar, passar uma temporada fora do Brasil. Como não tenho compromisso com ninguém, faço quando puder e quando quiser. Ser um artista independente e com pouco recurso te coloca nessa condição de “fazer quando dá”. Sem dinheiro, você fica a mercê das pessoas e do tempo delas. Então o lance é relaxar, ficar sem estresse mesmo (risos).

“Jardim” é um disco mais melancólico, e que, apesar da roupagem roqueira, tem uma essência MPB. Esse é bem mais pop e mais essencialmente roqueiro. É essa primeira metade apenas que está assim ou é o disco todo? O que te levou a essa pegada diferente?
O disco todo é assim. A ideia do “Jardim” é mesmo aquela coisa melancólica do jardim, aquelas áreas verdes dos grandes centros urbanos. E o “Concreto” tem essa pegada mais rock, preto e branco. Fora isso, eu acho que tem a ver com o momento em que estou, porque não foi uma coisa muito pensada. Saiu assim

Por “esse momento” você diz um momento pessoal ou de criação?
Um momento artístico. Eu tô com vontade de estar mais roqueira. Mas tem músicas como “No Meu Tempo”, mais suaves. O disco tem uma maturidade, não só minha, mas também do meu produtor, Gustavo Krebs (também baterista). A gente evoluiu para isso. Eu acho que o “Jardim” tem até uma certa inocência, e esse agora tá mais maduro.

O Krebs é inclusive teu parceiro nos arranjos, não?
Sim. E também tá produzindo, gravando, mixando…

Dá para dizer que é um disco a dois, de certa forma? São vocês dois que determinam toda a sonoridade da coisa.
Na verdade, é uma banda. Apesar de levar meu nome, os meninos da banda (o guitarrista Pedro Limão, o violonista Geraldo Côrtes e o baixista Pedro Dourado) participam muito dos arranjos e da concepção. A última palavra sempre é minha (risos), mas todo mundo colabora. Tem ideias de todo mundo ali. O primeiro foi todo do Gustavo, eu mesmo interferi muito pouco, mas esse é um processo colaborativo entre todos, e o Gustavo coordena. É bem gostoso.

Ainda sobre o disco: ele é bem roqueiro, mas ele é pop.
Ele é bem pop. Eu sou pop, cara, não adianta.

Recentemente, falei com dois grandes produtores de festivais no Brasil e ambos tocaram no mesmo ponto. Artistas como você, Lara Rossato, Nevilton, Ayla, Bruno Souto, fazem – segundo eles – um pop que não tem mais espaço no mercado. Como se não houvesse público para esse tipo de som, assumida e diretamente pop. Um deles chegou a falar para um dos artistas citados: “Se seu som tiver mais batuque, tiver uns apliques eletrônicos, eu te coloco no meu festival”. Isso, basicamente, quer dizer: “Se você se tornar outra pessoa eu te contrato” (risos). Parece que o pop virou uma coisa de nicho, de gueto brega. Você acha que as pessoas estão olhando pop com preconceito atualmente?
Acho que elas sempre olharam. Desde que comecei minha carreira como cantora na banda Clarim, isso já acontecia conosco. Tudo que fiz sempre foi muito pop para o underground e undergound demais pro pop. Sinto que não tem muito lugar pra esse pop que tenho feito, corro por fora mesmo. Se bem que agora tenho escutado rádio e pesco algumas canções que têm relação com as coisas que eu faço. Chego a pensar: “Poxa, eu poderia estar tocando nessa rádio”. Mas parece que o pop, apesar do nome, não anda muito popular (risos).

É interessante constatar que, modismos à parte, você e outros tantos estão fincando pé nesse som como parte de suas identidades. É uma escolha consciente. Então imagino que se você for fazer um terceiro disco, um quarto disco, ele vai continuar passando por aí. Talvez investigando novas coisas, mas mantendo essa essência.
Não tem como fugir. É o tipo de som que eu gosto. Na minha carreira solo, eu nunca fiz música para ganhar dinheiro. Aliás, acho que nunca ganhei dinheiro (risos), sempre invisto muito mais do que tenho retorno. Faço o que gosto, tanto nas letras como nos arranjos. Não tô muito preocupada com mercado. Hoje em dia tem tantas opções de estilo que tem público pra todo mundo. Tenho meu público e eles curtem esse estilo. Me acho radiofônica. São baladas, não são canções difíceis. Acho que não chega a mais gente mais por falta de oportunidade do que por ser “difícil”.

Você tem seu lado intérprete, nos discos não há nenhuma canção sua…
Não. Eu até tentei compor, mas não fiquei satisfeita.

Enfim, as escolhas como intérprete também são uma identidade artística. E aí entra também a tua participação em tributos. O tributo ao Raça Negra, “Jeito Felindie”, em especial, te deu muita projeção.
Sim. Até hoje esse tributo rende para mim. Uma amiga minha me escreveu há uns dias dizendo que ouviu na MPB FM, no programa Samba Social Clube. Tocou na rádio, sabe? (ri) Tocou, e cinco pessoas me adicionaram no Facebook logo em seguida. Um deles me disse: “Não acredito que só te conheci agora”. Teve uma agência de publicidade em São Paulo que me chamou para um jingle só por causa dessa versão. É surpreendente, porque foi feita totalmente sem pretensão.

Suas escolhas de versões são sempre de temas populares. Mesmo para o tributo “Somos Todos Latinos”, você escolheu o Jorge Drexler, um cara mais cult no Brasil mas que é muito popular no Uruguai. Essa verve popular seria alvo grande de preconceito antes. Agora não mais?
(risos) No caso do Raça Negra, as pessoas gostaram muito. É difícil para algumas pessoas admitir, mas todo mundo que estava nos anos 90 ouviu Raça Negra. Não tinha como ficar imune (risos). Acho que o que fez as pessoas gostarem tanto dessa versão e do tributo como um todo é que todo mundo fez a sério. “Cheia de Manias” tem uma letra superengraçada e eu a tratei a sério. Acho que as pessoas podem esperar que você faça um cover mais cult, mas se você consegue dar uma cara diferente a uma musicam muito popular, é sucesso.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é um autorretrato de Vivian / Divulgação.

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