Entrevista: Stanley Jordan

por Leonardo Vinhas

Quando, logo no início de sua carreira, um artista é chamado de “gênio” e “inovador”, esse peso pode cair como uma lápide sobre sua carreira. A pressão para superar a si mesmo pode ser danosa demais. Pense, então, que o primeiro álbum inédito de Stanley Jordan pelo legendário selo Blue Note, “Magic Touch” (1985), foi considerado uma reinvenção da guitarra jazzística, graças à sua técnica de “tapping” com as duas mãos. A técnica habitualmente consiste em tocar o braço, e não o corpo, da guitarra – a diferença é que Jordan tocava linhas diferentes com cada mão, como se estivesse dedilhando um piano. O músico tinha apenas 25 anos na época.

Porém, mais de 30 anos depois, Jordan segue em frente. E se nunca mais teve a exposição massiva do início, não dá para dizer que se acomodou: foram mais 11 discos solo, participações em discos de músicos tão diferentes entre si como a cantora soul Dionne Warwick ou o baterista Will Calhoun (Living Colour), turnês em mais de 70 países e várias atividades que usam a música como meio para fins mais ambiciosos (como a terapia médica ou projetos de proteção ambiental, inclusive o brasileiro TAMAR).

O último álbum de estúdio foi “Duets”, gravado com Kevin Eubanls. O disco adotava um repertório que mesclava releituras muito particulares de standards do jazz e até de pop radiofônico (“Someone Like You”, da Adele, por exemplo). O sucessor, ainda sem título, fora prometido para 2015, mas ainda não veio ao mundo. Já foi anunciado que será um álbum cheio de convidados (“Milton Nascimento está no disco”, adianta Stanley para o Scream & Yell), mas pouco se sabe a respeito.

Jordan passou várias vezes pelo Brasil – na sua conta, foram mais de 250 shows em terras verde-e-amarelas. Em outubro de 2016, a “visita” por aqui incluiu shows em Londrina (PR), o festival Ilhabela em Jazz (SP), Florianóplis (SC), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Recife (PE), sempre acompanhado por Ivan “Mamão” Conte (bateria) e Dudu Lima (baixo), com quem toca há mais de uma década. Numa das pausas entre um show e outro, concedeu por telefone a seguinte entrevista ao Scream & Yell.

Os músicos brasileiros que o acompanham, Ivan Conte e Dudu Lima.
Inicialmente, o produtor Stênio Matos achou que eu fosse compatível com esses caras e sugeriu que tocássemos juntos. Já no primeiro ensaio, parecia que nos conhecíamos há muitos anos, foi surpreendente. Isso foi há uns 15 anos. Eles tocaram no meu álbum, que está para ser lançado em 2017. Sempre tocamos coisas mais clássicas, mas agora estamos indo além, fazendo coisas realmente diferentes, as quais acredito que as pessoas ficarão entusiasmadas ao ouvir.

O atraso do novo álbum.
O atraso aconteceu porque eu tinha ideias diferentes sobre o material que vai entrar no disco. Eu quis fazer do jeito certo, sabe, porque um álbum tem que sobreviver ao teste do tempo. Assim, a data de lançamento não é tão importante, e meu selo, Mack Avenue Records, tem dado muito apoio nesse sentido, eles sabem que estará pronto quando estiver pronto.

Sobreviver na indústria musical vs fazer seu trabalho livremente.
É sempre difícil. Se você é um músico profissional, precisa pensar nisso de tempos em tempos. Mas se houver um conflito entre o lado comercial e o lado artístico, sempre vou escolher o artístico, porque foi isso que meus professores e meus heróis fizeram. Isso é o mais importante. É como quando você tem um jardim: naturalmente você quer que ele floresça, mas se o jardim crescer demais você começa a ter muita erva-daninha. Prefiro então que meu jardim musical não cresça demais e não ganhe essas ervas daninhas.

A diferença entre o music business de hoje e o de quando começou.
A indústria mudou muito, e os músicos hoje são mais independentes. É mais viável fazer as coisas por conta própria, e mais difícil conseguir a atenção de uma gravadora e partir pro mainstream. Não que fosse fácil antes, mas isso está mais difícil agora. O lance é que comecei como a maioria dos artistas de hoje, de forma independente. Não havia internet, mas eu lancei meu primeiro álbum (“Touch Sensitive”) em 1982 pelo meu próprio selo (Tangent), e eu realmente valorizei isso. Por ter começado como independente, a indústria não fez nada por mim. Quando vim a ter apoio de selos, eu já sabia como fazer as coisas por conta própria, então não ficaria dependente de que as gravadoras fizessem as coisas por mim. Provavelmente se eu começasse hoje, faria como fiz: tomaria o controle da minha carreira desde cedo e buscaria fazer as coisas do meu jeito. Está mais fácil fazer isso hoje, então eu certamente teria começado como independente.

Influência de seu estilo em outros guitarristas.
Já apareceram vários músicos jovens que vieram falar comigo e me dizer que eu os influenciei. Eu valorizo muito isso. Além disso, tenho ensinado online e pessoalmente há muito tempo. Acho que é importante passarmos o conhecimento que temos enquanto podemos fazê-lo. Há um esforço consciente de minha parte nesse sentido. Mas também devo dizer que, embora tenham aparecido músicos se dizendo influenciados pelo que fiz, não foram tantos, pois muitos me olham tocar e pensam que [minha técnica] é muito difícil, que eles não conseguiriam fazer. E essa é uma das razões pelas quais eu tenho lecionado: quero facilitar não para que os músicos me imitem, mas que possam ter as mesmas abordagens no instrumento.

A pluralidade de atividades envolvendo a música.
Sempre me interessei por muitas coisas. Quando eu tinha uns 13 anos, saquei que a música estava acima de todas. Então comecei a pensar em como ela me aproximaria de meus outros interesses. O que mais me fascina sobre a música é que ela funciona como um microscópio do universo, ela se relaciona com tudo que existe sob o sol e pode melhorar cada coisa. A música pode curar, pode promover paz e entendimento, pode representar informação da mesma forma que signos visuais. (nota: Stanley se refere ao processo conhecido como sonificação, que ele apresenta como “o equivalente auditivo da visualização”, e trata-se do processo de utilizar sons sem palavras para representar diferentes tipos de informação).

Sua pesquisa em sonificação.
Criei algumas ferramentas que permitem transformar a informação em sons, a partir de processos matemáticos, e esses sons podem ser usados para comunicar as informações, ou mesmo fornecer novos insights sobre elas. Não falo muito sobre isso porque não tenho nada neste momento que eu possa oferecer às pessoas, mas realmente espero no futuro apresentar coisas que as pessoas possam usar em seu benefício.

Musicoterapia.
Nessa turnê, toquei em um hospital em Londrina para crianças com câncer. Esse é um dos meus grandes interesses: o poder curativo da música. Estou estudando para meu mestrado em Musicoterapia, e é um projeto de longo prazo, porque estou sempre ocupado com as turnês e as aulas, mas fico realmente abismado com o poder da música, diariamente. É um grande prazer para mim poder levar isso às pessoas, mesmo que de uma maneira pequena.

Ser rotulado como “easy listening”.
Faço muitas coisas diferentes, e nem tudo o que faço é muito divulgado. Algumas coisas são mais próximas à música pop, e é isso que toca mais. As pessoas que não fazem seu dever de casa vão pensar que isso é tudo que eu faço. Com um pouquinho mais de pesquisa, os críticos já descobririam as outras coisas que faço. Muitas pessoas não sabem, mas eu fui aluno de Milton Babbitt na Universidade de Princeton, e ele foi, em minha opinião, um dos mais brilhantes compositores americanos do século 20. E não apenas um compositor, mas um teórico da música muito importante. Já gravei um tributo a ele no meu álbum “Friends” (2011), e é algo totalmente avant garde. Já gravei coisas influenciado por Ornette Coleman, por Albert Ayler… Adoro explorar a música de maneira profunda, mas você sabe, você não vai ouvir essas coisas no rádio (risos). É só o caso de fazer a lição de casa para sacar isso.

O trabalho de sua filha, a cantora e guitarrista Julia Jordan.
Ela chama sua música de “conscious acoustic soul” (“soul acústico consciente”), e eu adoro esse rótulo, pois descreve de fato o que ela faz. Ela é uma poetisa que transforma seus poemas em música, as letras são muito importantes no que ela faz. O sentimento que vem de sua voz, sua musicalidade, acho que tem um pouco de influência da minha música. Ela cantou comigo no Brasil na primeira vez que toquei com Mamão e Dudu, mas não era nada oficial. O legal é que no dia seguinte, nós nos sentamos num café e alguns caras vieram pedir autógrafo – e pediram para ela, passando direto por mim (risos). Ela claramente teve um impacto no público. Ela tem dois filhos e deu um tempo fora da música para cuidar das crianças, mas como eles estão um pouco mais crescidos agora, temos conversado sobre fazer mais coisas juntos. Eu adoraria trazê-la de vota ao Brasil, ela ama o país e tenho certeza que muita gente gostaria de nos ver juntos no palco.

O ato de ouvir música hoje em dia.
Existe um princípio básico de economia: a oferta e demanda. A oferta de música é maior do que nunca hoje em dia, e por isso o valor que as pessoas atribuem a ela despencou. Também creio que as pessoas tendem a ser visuais, e hoje em dia há um predomínio do vídeo, o cérebro das pessoas está tão ocupado com vídeo games e tantas informações visuais… O que eu venho tentando fazer é trazer música que realmente toque o coração e que seja diferente do que se ouve no mainstream, coisas que você realmente tem que parar para ouvir e não só passar os ouvidos por cima. Vou ser sincero: eu gosto quando as pessoas não conseguem colocar minha música como trilha de fundo. Geralmente até eu gosto de fazer algo tendo música como trilha de fundo, mas meu objetivo é realmente fazer uma música que requeira atenção. Vejo que muitos artistas estão redescobrindo os shows ao vivo, e as pessoas também: elas sentem a música de uma maneira que não conseguem com um CD ou um mp3. Isso traz uma dimensão maior à música. Nos últimos seis ou sete anos, fiz mais turnês do que nunca, e olha que eu já tocava muito. Sinto que esse é um bom momento para fazer isso, para ajudar a trazer de volta a apreciação musical e o poder da música. Quero continuar fazendo isso, tentando fazer meu melhor e trazer a melhor música possível para o mundo.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell

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