Entrevista: Onda Vaga (2016)

por Leonardo Vinhas

É curioso notar como o Onda Vaga conseguiu crescer sem se alienar da imagem que lhe deu notoriedade. A “banda de Cabo Polônio”, que na verdade é de Buenos Aires (ou seja, argentina, e não uruguaia), conseguiu manter em seus fãs de primeira hora o imaginário de andarilhos, vagabundos praianos capazes de tocar uma música tão “latina” quanto universal, trazendo a tradição acústica dos países austrais para os tempos atuais. E os novos fãs se aproximam atraídos por essa mesma imagem e, claro, pela música.

Na verdade, Marcelo Blanco, Nacho Rodriguez, Tomás Gaggero, Marcos Orellana e Germán Cohen estão longe da condição de “meninos de rua” que sua imagética (e o imaginário dos fãs) consagrou. Todos eram jovens de classe média que já tinham carreira no undergound portenho. A ligação com o balneário uruguaio de Cabo Polonio se estabeleceu devido ao fato de a banda ter se formado ali, quando todos (menos Cohen) viajaram juntos e acabaram decidindo montar uma banda durante às despretensiosas sessões acústicas que faziam na praia. Cohen entrou em seguida, e foram construindo sua sonoridade com essa formação. A exploração de ritmos de toda a América do Sul (zamba, murga, vallenato, cueca), explicitada em arranjos que combinam instrumentos de diferentes origens (a guitarra criolla, o cuatro venezuelano, o cajón peruano e assim por diante), permitiu ao Onda Vaga forjar um som único, que já encontra no continente bandas que os têm como referência (pergunte aos gaúchos da Cuscobayo, ou aos mexicano-brasileiros Francisco, El Hombre).

“Fuerte y Caliente” (2008), “Espiritú Salvaje” (2010) e “Magma Elemental” (2013) trazem em comum os arranjos totalmente acústicos e os vocais em uníssono. As estruturas evoluíam a cada nova composição, assim como a sonoridade ao vivo se expandia, graças a turnês cada vez maiores e à adição dos músicos convidados Facundo Flores e Jano Seitún. Mesmo mantendo seu apuro melódico, o Onda Vaga abdicou do clima de “banda que faz canções para tocar em volta da fogueira” para entregar um som cheio, capaz de preencher grandes espaços e funcionar muito bem em festivais, sem que para isso perdesse sua riqueza harmônica.

O último show do Onda Vaga foi para 1.500 pessoas, em Porto Alegre, como headliner da segunda noite do festival El Mapa de Todos de 2015. Os shows de 2016 agora estão com vendas boas, o da capital gaúcha praticamente esgotado. O que parece ser a razão para essa comunicação tão boa com o público brasileiro?
Boa pergunta. A verdade é que não sei, é difícil para maior parte da produção musical argentina chegar ao público brasileiro. Penso que tem a ver com uma rede de pessoas amigas que vai recomendando mutuamente a banda, e quando acontece essa recomendação de uma pessoa próxima, funciona de uma maneira diferente de quando chega por TV ou por rádio. O boca a boca sempre foi a forma pela qual tivemos nossa melhor difusão.

As duas bandas que dividirão palco com vocês, Cuscobayo em Porto Alegre e Francisco, el Hombre em São Paulo, têm influência assumida do Onda Vaga. No caso da Cuscobayo, há até quem os chame, a sério ou jocosamente, de “Onda Vaga brasileiro”. Como é para uma banda tão jovem, que não tem nem 10 anos, saber que tem influência até entre artistas de outros países?
Não conheço muito a música deles, mas me parece bom que um artista possa se contagiar com coisas contemporâneas, e não só pelos nomes consagrados da música. Nós escutamos muita música nova, e a verdade é que me parece importante abrir a percepção e se permitir admirar os contemporâneos, com quem você talvez até possa vir a dividir o palco em algum momento.

Neste momento, vocês não são nem mainstream – no sentido “Babasónicos” da coisa – nem undergound, do tipo que toca para poucos. Onde se localiza o Onda Vaga no cenário musical argentino?
Estamos aí, nesse espaço cinza entre o under e o mainstream. Somos bastante conhecidos e temos um público importante que nos permite fazer shows em todo o país e lotar salas, mas não somos uma banda de estádios tampouco tocamos nos grandes meios, nas grandes rádios. De alguma maneira, continuamos tendo uma pegada under, só que com um público maior.

Como vocês cresceram mais que a média das bandas independentes, evidentemente têm mais recursos. Os vídeos de “Magma Elemental”, por exemplo, são bem mais profissionais que os dos dois discos anteriores, vocês têm músicos contratados, gerente de turnê… Como conseguem manter essa estrutura tão pouco comum às bandas independentes?
Isso é parte do que falamos antes. Nós temos a pegada e a forma de nos movimentar que são típicas do underground, mas a estrutura já é maior, temos recursos que podemos investir em vídeos e em músicos sem que nos faça falta. Mesmo sem selo ou multinacional, e de uma maneira meio familiar, nós conseguimos fazer isso. Agora, no caso dos vídeos, é relativo. Existem vídeos de melhor e de pior qualidade em todos os discos. Agora estamos para sair com um disco novo e já temos dois vídeos quase prontos. Tem um com uma qualidade muito profissional, e o outro foi feita de maneira mais relaxada, menos “ideal”.

Aliás, quando deve sair esse disco? Ainda em 2106?
A ideia é que saia em novembro. Temos que terminar de ajustar umas coisas, mas musicalmente já está pronto. A previsão é novembro mesmo.

Em que ele difere dos três anteriores?
O disco novo tem a peculiaridade de termos gravado com um produtor, Ezequiel Kronenberg. Os dois primeiros foram produzidos por nós, “Magma Elemental” fomos nós com o engenheiro de gravação. Agora é como se tudo que nós gravamos tenha passado pelo filtro de um produtor e isso é novo para nós. Tem muitos timbres novos, creio que é o mais distinto de todos que fizemos. A questão acústica já não é tão importante. Para nós, o principal é a canção, e isso não mudou. Mas o som, a produção, não é tão acústico. (nota: em entrevista a Rolling Stone argentina, Tomás Gaggero adiantou que o disco terá “guitarras elétricas, sintetizadores e programações” e que há canções que se aproximam do dub e da música africana).

Todos vocês têm projetos paralelos, e alguns tocam em mais de um deles. Em 2011, na primeira entrevista da banda ao Scream & Yell, Germán Cohen disse que Onda Vaga era a agrupação “com a qual vemos algum dinheiro, de modo que tudo isso já a coloca em uma posição prioritária”. Agora, a banda está muito maior do que naquele momento, como já falamos. Como fica essa pluralidade de bandas e discos solo agora?
Isso não mudou muito. Continuamos com muitos projetos paralelos. Michael Mike, de Tomás y Marcos, vai voltar a tocar, por exemplo. Nacho continua solo, eu tenho um trio de rock, todos continuamos o que fazemos. A gente vai acomodando, porque os projetos paralelos nutrem Onda Vaga com uma diversidade e também evitam que nos aborreçamos com nossas coisas.

No primeiro show que fizeram no Brasil, vocês tocaram uma versão de “Augusta, Angélica e Consolação”, de Tom Zé. Não é uma canção óbvia, e isso chamou atenção. Durante o El Mapa de Todos, encontrei com alguns de vocês procurando vinis de música brasileira em lojas de Porto Alegre. Como vocês se relacionam com a música daqui?
No meu caso, o que mais escutei foi Mutantes. Através de Nacho, conheci o Tom Zé e por muito tempo tocamos essa faixa dele nos nossos shows. Tom Zé é um mestre. Obviamente, gostamos muito de Caetano, é muito forte a influência brasileira em nós. Jorge Ben Jor, também. São coisas que nos tocam e são uma influência importante.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell

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