Entrevista: Around the World in 80 Music Videos

por Leonardo Vinhas

Sem dourar demais a pílula, dá para dizer que Leo Longo e Diana Boccara fizeram um projeto que congrega boa parte dos anseios (muitos diriam “desejos utópicos”) de uma geração: combinaram viagens, música e economia colaborativa em um projeto que consumiu, até o momento, 18 meses de suas vidas e os levou a viajar por 22 países realizando um sonho que alimentavam há tempos.

O projeto em questão é o Around the World in 80 Music Videos, um canal do Youtube cujo nome de batismo explica sua premissa e seu objetivo final. A primeira gravação foi realizada no dia 7 de março de 2015, com o Vanguart. No dia 30 do mesmo mês, o clipe foi ao ar, dando início a uma série que está próxima do final: o vídeo número 75 (de 80), filmado em Buenos Aires, foi ao ar no dia 03 de outubro de 2016 focando na artista argentina Marina Fages.

“A gente queria um nome auto-explicativo e marcante, e por isso aproveitamos o [livro do] Julio Verne”, conta Diana. “Só e uma pena que o Julio Verne não escreveu ‘A Volta ao Mundo em 30 dias’ ou em um prazo menor”, completa Leo, rindo. De fato, a empreitada não foi modesta nem livre de riscos: destinos tão diferentes quanto Moscou, Seul e Campos do Jordão estiveram no roteiro do casal, que foi definindo a escalação de artistas conforme o projeto ia avançando.

Leo é diretor de TV, com passagens por várias emissoras de TV aberta e paga, como Cultura, MTV, NatGeo e outras. Já Diana é produtora e roteirista. A experiência de ambos foi essencial para que pudessem executar o projeto por conta própria e com qualidade profissional. O casal não remunerava as bandas, que tampouco desembolsavam algum dinheiro pelos vídeos. Então, o espírito de cooperação e troca foi essencial, em muitos aspectos.

“O projeto seria impossível de se realizar não fossem por plataformas de economia colaborativa, como Uber, Airbnb e outros”, diz Leo. “As bandas também davam o trabalho deles em troca de um produto pronto, que era o vídeo. Outros profissionais que viessem a participar, como dançarinos, atores ou outros produtores, também vieram nesse espírito de colaboração”. Não foram poucas as vezes em que uma banda hospedou os cineastas nas casas dos integrantes, o que também ajudou a criar uma relação afetiva entre eles e as bandas.

Leo e Diana receberam o Scream & Yell em casa – mais especificamente, na casa da mãe de Diana, onde estão vivendo temporariamente. O papo, regado a muito café e abastecido com doces, ocupou metade de uma tarde quente de setembro, e tratou do conflito entre riscos financeiros e sonhos, curadoria artística e, claro, o papel do videoclipe hoje em dia, além de detalhar a feitura dos vídeos.

“Around the World in 80 Music Videos” é um projeto longo, caro – mesmo que com viagem de baixo orçamento – e que exige dedicação em tempo integral. Então é inevitável perguntar: como vocês o financiaram?
Leo: Uma coisa importante é dizer que esse é um projeto pessoal. Eu e a Diana estávamos dispostos, e ainda estamos, a fazê-lo sem ganhar dinheiro. Era uma iniciativa que não previa monetização, a ideia era só pagar o custo de vida: comer, dormir e se transportar. E isso, durante um ano e meio, chega a uma cifra muito alta. Tínhamos um dinheiro guardado, mas, mesmo com essa grana, procuramos comercializar o projeto. Até 2014 não tínhamos conseguido, então vendemos tudo o que tínhamos para fazer com nossa grana. Eu tinha acabado de vender um apartamento e uma moto, tínhamos montado um apartamento havia pouco e vendemos tudo também. Foi desse dinheiro que veio 60% do nosso orçamento. Quando o projeto estava em andamento, o mercado começou a ver que aquilo que parecia impossível estava mesmo acontecendo, e aí começaram a investir. Então, cerca de 40 ou mesmo 50% do projeto foi pago com permutas. A SwissAir, por exemplo, nos deu seis meses de passagens em permuta. O Airbnb da Austrália também foi parceiro, a HP, a Smirnoff, a Jack Daniels…

Diana: Ao longo desses 18 meses em que a gente estava na estrada, fomos fazendo esse trabalho comercial também.

Leo: A gente espera transformar esse projeto em vários outros subprodutos agora. Em abril ou maio de 2017, a gente vai lançar um livro do projeto pela Editora Sesi. Vamos tentar também fazer um formatinho de TV, algo simples, para colocar em algum canal. Pensamos ainda em palestras, talvez um documentário… É um projeto pensado para três anos, e ele foi financiado com essa mentalidade de longo prazo, não era o “consigo dinheiro e aí faço”, mas friso que isso só foi possível porque é um projeto nosso, que está muito atrelado à maneira que queremos viver daqui pra frente.

A variedade de linguagens empregadas chama a atenção. Imagino que isso também estava no projeto desde sua concepção.
Leo: Sempre foi uma necessidade nossa, do ponto de vista artístico. Queríamos colocar nossa criatividade, nosso know-how, em criar histórias diferentes. A única coisa que unia os videoclipes era o fato de serem todos em plano-sequência, e isso foi mais por uma questão técnica: eu não perco cinco, seis dias editando. Basta um dia.

Diana: E também a criação era colaborativa, das trocas com os artistas. Às vezes aparecíamos com uma ideia, a banda dava mais inputs e a identidade dela começava a definir o vídeo. Pode observar: todos os clipes têm uma identidade diferente, mesmo tendo sido feitos pela mesma dupla de filmmakers e sempre em plano-sequência. Tem muito clipe que você olha e vê: “puxa, é a cara da banda”. E foi porque eles se envolveram muito na concepção – alguns mais que outros.

A escolha das bandas foi sempre por critério pessoal? Não houve aquela lógica comercial de pensar em quem podia viralizar, dar mais visibilidade?
Leo: A gente não se preocupou em estar com bandas apenas por elas serem bem faladas ou por terem redes sociais gigantes. Fomos atrás de bandas das quais gostamos, e não só musicalmente. Elas tinham que ter um perfil próximo ao nosso esquema de trabalho, que é batalhar pela própria música, fazer as coisas de forma colaborativa, gostar desse lifestyle de colaborar e fazer coisas diferentes. Sempre que selecionávamos um artista, fuçávamos na vida dele antes de convidar. Convidamos, por exemplo, bandas gigantescas, mas que tinham esse perfil. Convidamos o Jack White, por exemplo. Estávamos em Nashville, sabíamos que ele mora lá, tínhamos alguns amigos em comum e fizemos o convite. Por uma questão de agenda, não foi possível. Mas ele tinha o perfil.

E, de qualquer maneira, houve diálogo com ele.
Diana: Exatamente. O pessoal dele deu um retorno super legal. Só não rolou mesmo por agenda.

É interessante essa mescla entre artistas “hypados”, outros totalmente grandes, e até aqueles que são totalmente obscuros. O elenco estava fechado desde o início?
Diana: Não. Fazíamos uma pesquisa uns três meses antes de chegar ao destino. Pesquisávamos em blogs de música independentes, lineup de festivais, revistas meios de comunicação em geral. Selecionávamos várias, escutávamos muitas, e íamos diminuindo a listinha até chegar em cinco que gravaríamos naquele país. A cada três meses, o Leo sentava e parava para fazer a programação dos meses seguintes. Aí fazíamos também essa pesquisa nas redes sociais para ver quem eles eram, se eles tinham a ver com nossa vibe de trabalho.

Nesse aspecto, que foi tão importante para vocês no projeto, chegaram a encontrar grandes diferenças nessa atitude de batalhar pela própria música? Há países com cenas mais ativas e colaborativas que outros?
Leo: Outro dia me disseram que, a julgar pelo nosso canal, o que está sendo feito no mundo é muito parecido. Isso é uma identidade da nossa curadoria. Buscamos músicas que, de uma certa forma, pudessem ser globais, mesmo que cantadas em árabe, coreano ou o que fosse.

Diana: Queríamos também pegar vertentes diferentes das cenas locais. Podíamos pegar uma banda indie, uma de blues rock, uma de folk… O que estivesse rolando naquele local naquele momento.

Leo: Dá para perceber que, em regiões que não fazem parte do circuito global mainstream, existe uma onda de bandas que tentam fazer sons e músicas parecidas com esse mesmo circuito mainstream. Por exemplo, gravamos com os coreanos Dead Buttons, que lembra muito o White Stripes.

Diana: A forma como o mercado se organiza é o que muda bastante de um país para outro. Tem país onde as bandas não têm manager, já em outros é a gravadora que cuida de tudo, é responsável pelo clipe, é dona do clipe… Na Coreia, o mercado todo funciona assim, até para as bandas pequenas. A cada novo país, tínhamos que mudar nossa postura e nossa abordagem. Fomos descobrindo diferentes formas de trabalhar. Mas basicamente os músicos que convidamos tinham a mesma vibe: gostam muito de música, querem viver dela, e pouquíssimos conseguem. E todos procuravam trabalhar em colaborações.

Em algum lugar vocês encontraram uma atitude sobre a qual pudessem dizer: “puxa, isso seria uma lição legal para os músicos brasileiros”?
Leo: A gente gosta muito do posicionamento dos artistas da cena de Melbourne (Austrália). Claro, tem artistas que tiveram impacto mainstream, como Courtney Barnett e Tame Impala, mas a maior parte das bandas que tocam lá toda semana são bandas pequenas que, por sua vez, são bem conhecidas no país. Há de se reconhecer que a cena da Austrália é pequena, é um país de 20 milhões de habitantes – não é uma cena gigante igual ao Brasil – mas é um posicionamento que nos chamou a atenção. A forma como eles cuidam das redes sociais, a qualidade que eles colocam em tudo, não só em vídeo, mas também em texto e foto…

Diana: É muito ruim quando você entra em uma página de uma banda e vê que está tudo desatualizado, não consegue encontrar links, não acha fotos boas. Chega uma hora que você desiste! Aqui a gente viu muito isso, principalmente com o concurso (nota do editor: para definir a banda que fecharia a série com o vídeo número 80, Leo e Diana promoveram um concurso vencido pela banda Vitreaux). É preciso que seja fácil encontrar as informações sobre a banda. Isso é algo que aprendemos na Austrália e que seria bem útil aqui.

Leo: Em termos de estrutura de mercado, o poder público nacional poderia bem olhar para o Chile. O governo e a estrutura do poder público trabalha bem com as bandas pequenas, eles realmente ajudam os artistas a levar sua música adiante. Você pode ter clipe pago pelo governo, o álbum, até a turnê fora do país… Tudo de uma maneira não tão burocrática quanto aqui.

Diana: Na Nova Zelândia também tinha isso. Os artistas chegavam a se surpreender com nossos convites, porque lá eles têm o clipe pago por um programa do governo local.

Leo: Esses são dois países que reconhecem que a música pode levar o nome do país para fora, e que esse tipo de subsídio pode ajudar a economia colaborativa do país.

Hoje em dia, mesmo um vídeo que viraliza cai rapidamente no esquecimento. É muito difícil criar um clipe que terá a relevância de um “Thriller”, um “Sledgehammer”. Claro, isso também porque antes havia um único meio de exibição, que era a TV aberta. Hoje você tem vários canais, mas isso tanto ajuda o acesso como dilui consideravelmente a penetração do vídeo. Como é possível que o clipe seja relevante hoje?
Leo: Para a maior pare das bandas que filmamos, acredito que o clipe era uma oportunidade de conversar com um público que não era o de seus países. Era um jeito de fazer a música deles chegar a outras pessoas do planeta, acreditando que o videoclipe é muito mais atrativo e mais fácil de ser achado que apenas a canção.

Diana: Acho que é isso, mas também uma oportunidade de mostrar a personalidade, o gosto, o estilo, as influências… Vimos muito isso. A banda chegava e dizia: “Queremos fazer algo estilo Wes Anderson, porque a gente gosta muito do cinema dele”. Você pode ouvir várias músicas de um álbum, mas quando você tem uma imagem junto à canção, ela fixa de outra forma. A junção de imagem e música dá à canção peso maior, e não fica só uma coisa imagética.

Leo: Pode ser, porque tem horas em que você lembra de uma canção, e procura o vídeo dela para fazer outros lembrarem. Mas até aqui estamos falando das bandas, e agora quero puxar a sardinha pra minha brasa. Quando se fala do filmmaker, do diretor, aí entramos num patamar diferente. O Youtube tem 11 anos de idade. Ou seja, numa realidade de dez anos para cá, o filmamaker, o artista visual, tem onde expor seu trabalho. Hoje existe acesso à tecnologia, ao bom equipamento, de forma muito mais simples e barata que antes. E tem também acesso a muito mais fontes de inspiração que antes: filmes, séries… Você acaba tendo ambições em várias plataformas, e o videoclipe acaba sendo a principal e a mais comum para um filmmaker começar a trabalhar. E você ainda pode juntar todas as expressões artísticas!

Diana: É um formato sem certo ou errado. Você pode criar o que quiser. Veja o OK Go!, uma banda que está sempre pensando no que podem fazer de novo.

Vocês falam muito do espírito colaborativo do projeto. Porém, contaram que esse projeto foi possível apenas porque vocês puderam economizar um valor significativo graças aos seus empregos na economia “convencional”. Não é uma realidade exclusiva do projeto de vocês – muitas iniciativas do tipo têm origem semelhante. Vocês creem que um dia essa economia “convencional” vai poder ser secundária, ou mesmo dispensada, e a economia colaborativa vai se consolidar como um caminho sustentável?
Leo: Só depende da ambição, do comportamento e da expectativa de cada um. Quando eu opto por não ganhar mais o salário que eu ganhava como diretor de televisão, eu monetizo metade do meu mês e com a outra metade [do tempo] eu vou fazer meus outros projetos. Se estamos conseguindo organizar nossa vida para captar menos recursos financeiros e dobrar nossos recursos criativos, ahco super possível. Se esse modelo funciona para gente, deveria funcionar para outros. Sabe aquela pergunta: “o que você precisa de fato para viver?” A gente se faz essa pergunta. Esse negócio foi uma mudança enorme para nós, um marco. Viver um ano com uma mala!

Diana: A gente queria ter no projeto pessoas que estivessem dispostas a fazer aquilo que gostam. Muita gente que veio participar era quem trabalhava em escritório durante o dia e tinha o sonho de pisar em um set de gravação. Encontramos muita gente que disse que fomos inspiração para elas. E nós não conseguíamos acreditar, como estávamos sendo inspiração para outros?! Bandas que viraram nossos amigos também nos deram um retorno desse tipo. Realmente acho que quando tem mais pessoas fazendo o que gosta, você tem uma sociedade mais feliz, menos consumista, que perde menos horas no trânsito.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Gracia Lee / Divulgação

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