Boteco: Cinco países, Dez Cervejas

por Marcelo Costa

BRASIL
Abrindo com duas representantes nacionais vindas do Rio Grande do Sul, ambas da cervejaria Tupiniquim. A primeira é a Enigma, uma Australian Pale Ale Single Hop que utiliza este lúpulo australiano que batiza a cerveja. De coloração âmbar caramelada com creme branco de média formação e permanência, a Tupiniquim Enigma exibe um aroma cativante sugerindo frutado cítrico (acerola, tangerina e manga) e leve herbal (pinho) sobre uma base suave de caramelo. Na boca, textura seca com leve picância. O primeiro toque age sob comando da lupulagem com frutado cítrico e herbal agradáveis se revezando. O amargor é médio (40 IBUs muito bem distribuídos) e abre caminho para um conjunto bastante refrescante que reforça o predomínio do amargor do lúpulo sobre a doçura do malte. O final é levemente amargo e seco. No retrogosto, herbal suave, cítrico e refrescancia. Boa!

A segunda da Tupiniquim (ambas criadas para o clube de assinaturas WBeer) é a Dunkel Weiss, que tenta replicar o estilo clássico alemão, infelizmente sem sucesso. De coloração âmbar acastanhada escura com creme bege clarinho de boa formação e média permanência, a Tupiniquim Dunkel Weiss apresenta um aroma decepcionantemente tímido que tenta unir as notas clássicas do estilo Weiss com as notas derivadas do malte tostado sugerindo doce de banana caramelada, doce de leite e semente de cravo, nada com muita profundidade. Na boca, textura cremosa com leve picância de levedura. O primeiro toque dilui um pouco mais o que fraco aroma adianta ao sugerir doce de leite e bananada sem muita profundidade. O amargor é bem baixo (12 IBUs) e, dai pra prente, surge um conjunto raso e ralo, que não honra a cervejaria muito menos o estilo. O final é maltadinho. No retrogosto, doce de leite e cravo.

DINAMARCA
Da cigana dinamarquesa Mikkeller, mas produzida na fábrica belga da De Proefbrouwerij, a Running Club é uma leve Pilsener inspirada na corrida que a cervejaria organiza em vários cantos do mundo (o Brasil já promoveu três edições). De coloração amarelo palha com creme branco de boa formação e média permanência, a Mikkeller Running Club apresenta um aroma levemente floral, cítrico e herbal, sugerindo capim-limão, casca de limão, grama e cereais. Na boca, textura seca. O primeiro toque oferece rápida doçura seguida de um agradável toque de frutas cítricas (limão), ervas (capim-limão) e grama. O amargor é baixo, mas eficiente para um conjunto mais voltado à refrescância do que a profundidade, que pelo caminho acentua sua pega cítrica e herbal (limão e capim-limão), levemente. O final é suavemente refrescante. No retrogosto, limonada e mais refrescancia. Boa!

A próxima é da Indslev Bryggeri, cervejaria de Nørre Aaby, cidade a duas horas de Copenhage, responsável pela famosa linha Ugly Duck, aqui marcando presença com a Imperial Vanilla Coffee Porter, uma Imperial Porter de 10% de álcool cuja receita utiliza os lúpulos Magnum e Nelson Sauvin mais maltes Pilsner, Chocolat, Black e Caramel além de centeio e aveia e adição de baunilha e café. De coloração marrom praticamente preta com creme marrom escuro de ótima formação e retenção, a Ugly Duck Imperial Vanilla Coffee Porter exibe um aroma que equilibra chocolate amargo, café e baunilha de uma maneira sedutora e instigante. Há ainda percepção de aveia e láctico. Na boca, textura sedosa com leve picância alcóolica. No primeiro toque, chocolate amargo e café praticamente juntos seguido de baunilha. O amargor é baixo e alcóolico (ainda que levemente torrado). Dai pra frente, uma baita cerveja que finaliza de maneira impressionantemente doce. No retrogosto, café, baunilha e alegria. Baita!

EUA
De Chico, uma cidade californiana de 90 mil habitantes próxima de Sacramento, surge a quarta Sierra Nevada a passar por este espaço (confira as outras três aqui), e também a mais famosa da casa, Pale Ale, cuja receita une maltes Two-Row Pale e Caramel com lúpulos Magnum e Perle para amargor e Cascade para aroma. O resultado é uma cerveja âmbar translucida com creme alaranjado clarinho de boa formação e média alta retenção. No aroma, cítrico e herbal elegantes sugerindo toranja, pinho e casca de laranja com caramelo e mel na base. Na boca, a textura levemente frisante. O primeiro toque coloca os lúpulos em primeiro plano oferecendo cítrico e herbal agradáveis seguido de rápido caramelo e amargor equilibrado (38 IBUs), que abre as portas para um conjunto exemplar, lupulado e maltado, que finaliza com amargor bem suave. No retrogosto, mais elegância com cítrico, herbal e caramelo. Ótima!

De Fort Collins , no Colorado, da badalada New Belgium, fundada em 1991, o xodó da casa, Fat Tire, uma Amber Ale cuja receita une maltes Pale, C-80, Munich e Victory com lúpulos Nugget, Willamette e Goldings. De coloração âmbar acastanhada clara com creme bege clarinho de boa formação e média permanência, a New Belgium Fat Tire exibe um aroma bastante discreto sugerindo caramelo e biscoito com distante presença herbal. Na boca, textura seca querendo soar cremosa. O primeiro toque traz suave caramelo seguido de herbal e algo que soa sabão (mas não faz espuma! – risos). O amargor é baixo (apenas 22 IBUs) e abre caminho para um conjunto simplesinho, que não conquista, mas também não decepciona. O final é meladinho. No retrogosto, caramelo fraco. Bem simples.

BÉLGICA
As duas belgas são da mesma cervejaria, a brilhante De Struise, de Oostvleteren, uma vila de pouco mais de mil habitantes na comunidade flamenga dos Flanders Ocidentais (pertinho de Bruges), e são variações da mesma receita. A primeira é a Tsjeeses X-Mas Ale Reserva 2013, que recebe adição de cana de açúcar, especiarias e descansa seis meses em velhos barris de Bourboun. De coloração âmbar caramelada com creme bege claro de baixa formação e rápida dispersão, a Tsjeeses X-Mas Ale Reserva 2013 exibe um aroma com bastante doçura de mel e caramelo, percepção de especiarias e amadeirado discreto. Na boca, textura sedosa, quase licorosa, e também picante. O primeiro toque oferece doçura caramelada, leve amadeirado e Bourbon assertivo sem, no entanto, mostrar as garras dos 10% de álcool. Dai pra frente, açúcar mascavo, mel, Bourbon e leve pinho. O final é melado e alcoólico. No retrogosto, calor e mel.

Variação da Tsjeeses X-Mas Ale Reserva 2013, essa não passou por barris de Bourbon como a anterior, mas sim descansou seis meses em velhos barris de vinho do Porto. De coloração âmbar caramelada um tiquinho mais escura que a versão Bourbon, a versão Port exibe um creme bege claro de boa formação (melhor que a anterior) e rápida dispersão. No nariz, muito mais caramelo e açúcar mascavo além de especiarias (pimenta do reino), sugestão de vinho do Porto e toffee. Na boca, a textura praticamente licorosa e também picante (de álcool). No primeiro toque, doçura de caramelo e açúcar mascavo embebidas em álcool e vinho do Porto altamente perceptível. O amargor é quente e totalmente alcoólico. Dai pra frente, um perfil para ser degustado com calma e atenção oferecendo madeira, caramelo, especiarias, vinho do Porto e álcool assertivos. O final é alcoólico e picante. No retrogosto, calor, caramelo e açúcar mascavo mais vinho do Porto. Excelente.

FRANÇA
De Aix-Noulette, no norte da França (próxima de Lille e da fronteira com a Bélgica) surge a Brasserie Saint-Germain, fundada em 2003 e com algumas medalhas no currículo. O carro chefe da casa é a linha Page 24, que chega ao Brasil em duas versões: a primeira é a Blanche, uma tradicional Witbier que recebe adição de casca de laranja e semente de coentro. Na taça, uma cerveja de coloração amarela suavemente turva exibe um creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, as notas clássicas do estilo sugerindo leveza e refrescancia através de notas cítricas (limão e laranja) e condimentação (semente de cravo). Na boca, textura seca e levemente picante. O primeiro toque oferece rápida doçura cítrica seguida de um azedinho tradicional e baixo amargor, que abre caminho para um conjunto simples e refrescante. O final oferece secura e refrescancia. No retrogosto, leve limão e cravo.

A segunda da Brasserie Saint-Germain é a Page 24 Réserve Hildegarde Blonde, uma tradicional Bière de Garde francesa que valoriza a ideia da utilização de ingredientes locais (incluindo malte e lúpulo). De coloração dourada com creme branco de boa formação e alta permanência, a Page 24 Réserve Hildegarde Blonde exibe uma aroma com destacada doçura de trigo sugerindo chiclete, caramelo e feno acompanhados de leve presença cítrica (limão) e herbal (capim-limão) e leve álcool. Na boca, textura levemente picante (dos 6.9% de álcool). O O primeiro toque traz doçura de calda de compota de frutas seguida de cítrico e floral. O amargor é alcoólico e abre caminho para um conjunto simples para o estilo, com álcool muito presente e final melado. No retrogosto, doçura de compota, álcool e azedinho.

Balanço
De Porto Alegre, Brasil, a Tupiniquim marca presença com uma Pale Ale deliciosamente lupulada, a Enigma, que coloca sorrisos amarguinhos na boca enquanto sugere cítrico e herbal, e uma decepcionante Dunkel Weiss, que não honra a cervejaria muito menos o estilo. Abrindo o duo dinamarquês com a Mikkeller Running Club, uma Pilsener que sugere uma limonada alcoólica, refrescante e saborosa. A outra dinamarquesa dá um salto na degustação: Ugly Duck Imperial Vanilla Coffee Porter, macia, alcóolica e com chocolate, baunilha e café na medida. Uau! Abrindo o duo norte-americano com a Sierra Nevada Pale Ale, um clássico do estilo APA que consegue equilibrar de modo magistral a pegada lupulada sem relegar o malte a segundo plano. Bela. Já a New Belgium Fat Tire, o xodó da cervejaria, é uma Amber Ale bem discreta e simples, que não conquista, mas também não ofende. Se só tiver ela, vai ela mesma. A Tsjeeses X-Mas Ale Bourbon Reserva 2013 é uma boa cerveja natalina, mas eu esperava mais (madeira, Bourbon e complexidade). Ainda assim impressiona como eles encobrem bem o álcool. O mesmo se aplica a Tsjeeses X-Mas Ale Port Reserva 2013, mas o vinho do Porto pareceu se casar ainda melhor com o perfil dessa cerveja alcoólica e doce. Muito boa! Partindo para a França com a boa Witbier da Brasserie Saint-Germain, que não acrescenta nada ao estilo, mas também não faz feio. É mais uma boa cópia no mercado. A outra francesa, Page 24 Réserve Hildegarde Blonde, não acrescentou nada ao estilo, e fica atrás de muitas outras Bière de Garde. Esperava mais.

Tupiniquim Enigma
– Estilo: Australian Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.3%
– Nota: 3.19/5

Tupiniquim Dunkel Weiss
– Estilo: Dunkel Weiss
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 2.52/5

Mikkeller Running Club
– Estilo: Pilsener
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.17/5

Ugly Duck Imperial Vanilla Coffee Porter
– Estilo: Imperial Porter
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3.71/5

Sierra Nevada Pale Ale
– Estilo: American Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 3.52/5

New Belgium Fat Tire
– Estilo: Amber Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3.08/5

Struise Tsjeeses X-Mas Ale Reserva 2013
– Estilo: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3.71/5

Struise Tsjeeses X-Mas Ale Port Reserva 2013
– Estilo: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3.81/5

Page 24 Blond
– Estilo: Witbier
– Nacionalidade: França
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3.05/5

Page 24 Réserve Hildegarde Blonde
– Estilo: Biere de Garde
– Nacionalidade: França
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 3.07/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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