Três CDs: Babasónicos, Cadillacs, Fargus

por Leonardo Vinhas

“Desde Adentro (Impuesto de Fé)”, Babasónicos
É chato ver os Babasónicos, que sempre se gabaram de jogar pelas próprias regras, incorrerem nos clichês da indústria musical. “Desde Adentro (Impuesto de Fé” é um álbum ao vivo e majoritariamente acústico, que segue o roteiro já mais que estabelecido de misturar os maiores hits (um ou outro levemente alterado) com algumas faixas obscuras, recuperadas ou para as rádios ou para fazer a alegria dos fãs mais xiitas. Dito isso, cabe também reconhecer que os Babas não chegaram onde estão sendo medíocres. Mesmo que seus últimos discos, “A Proposito” (2011) e “Romatisismico” (2013) sejam bastante irregulares (tanto que não contribuem com nenhuma faixa para este compilado), eles ainda logram apresentar um material mais consistente que a maior parte do mainstream pop do mercado latino. E qualquer um que ouviu seu catálogo sabe estar diante de uma das maiores bandas da história do rock latino-americano, então não dá para desprezar um disco que tem “Putita”, “Irresponsables” e “Los Calientes”. Também é ótimo vê-los recuperar “Natural”, melhor faixa de seu álbum de estreia, “Pasto” (1992), e juntar algumas de suas canções mais sacanas (que bem poderiam terem sido usadas na íntegra) em um medley: “Zumba/Yolí/¡Viva Satana!/La Roncha”. “Vampi” e “El Maestro” são as inéditas de praxe, corretas e anódinas. O uso parcimonioso de teclados e beats programados em alguns momentos dá um contraste interessante com a instrumentação predominantemente desplugada, mas não dá para perdoar as versões burocráticas de “El Colmo” e “Cómo Eran las Cosas”. No final, é um disco que faz sentido dentro da estratégia conjunta da banda e de sua gravadora (Sony México) para ampliar seu domínio no mainstream latino, especialmente na América do Norte: ter os hits em um formato mais “comportado” acaba ajudando como um cartão de visitas para o público mais massivo e acomodado. Para quem aprecia a inventividade dos Babas, porém, é um disco para ouvir e esquecer.

Nota: 5

“La Salvación de Solo y Juan”, Los Fabulosos Cadillacs
É possível encontrar paralelos entre os Fabulosos Cadillacs e os Titãs em relação a alguns aspectos de sua carreira: ambos são agremiações que começaram numerosas e foram perdendo integrantes ao longo de sua história; chupinharam descaradamente suas “influências” para depois adquirirem personalidade e relevância; tiveram que lidar com a morte de um de seus músicos, e também tiveram períodos longos de baixa exposição. As semelhanças param por aí, entretanto, porque, ao contrário dos brasileiros, os argentinos ainda não se tornaram uma instituição mais lembrada como motivo de piadas. Os Cadillacs ficaram parados entre 2003 e 2008, e “La Salvación de Solo y Juan” é o seu primeiro álbum composto apenas de inéditas desde esse retorno – “La Luz del Ritmo”, de 2008, misturava faixas novas a ousadas regravações, e “El Arte de la Elegancia” (2009) era composto apenas de preguiçosas releituras. “La Salvación de Solo y Juan” surpreende por ser diferente de tudo o que a banda já fez até o momento: é uma ópera rock (e como tal, grandiloquente), com influências evidentes de The Who nas inflexões vocais, viradas de bateria e nos arranjos. Sobra também para Pink Floyd e Café Tacuba, de quem se pega alguns nem sempre pequenos detalhes. Se por um lado é notável a ruptura com o passado, por outro fica a impressão de que a mudança não foi necessariamente para melhor. O disco não soa mal, porém é difícil entender porque uma banda tão capaz fez um disco tão derivativo. Uma das possíveis explicações pode ser o fato de as composições terem ficado todas nas mãos da dupla Vicentico (voz) e Sr. Flavio (baixo). Os demais compositores da banda – o tecladista Mario Siperman, o baterista Fernando Ricciardi e o saxofonista Sergio Rótman – não contribuíram com nenhuma canção, e essa centralização levou Rótman a desistir de tomar parte na turnê, mesmo dizendo que permanece na banda. Ao final, “La Salvación de Solo y Juan” pode ser um disco capaz de atrair um público novo para a banda, ou pode até apelar para o lado mais roqueiro dos fãs de primeira hora – “Averno, el Fantasma” e “No Era para Vos” são faixas interessantes, que transcendem o conceito do álbum. Porém, é difícil não sentir saudade da ponte polirrítimica que a banda estabelecia entre Caribe, América Latina e o pop anglo.

Nota: 6

“Pixel”, Fargus
De “Real”, de 2005, até esse segundo disco, foram 11 anos, no qual o rosarino Ariel Migliorelli acertou a formação do Fargus e burilou sua sonoridade de modo a adquirir uma força que mal se percebia nas primeiras gravações. Em entrevista ao Scream&Yell no ano passado, ele explicava que “era necessário amadurecer essa energia, deixá-la se concentrar e então mantê-la”, tal qual um time que almeja um campeonato ainda distante, e assim vai se preparando e fortalecendo os laços entre os integrantes. A sequência de abertura – “Sigo”, “Vivo” e a faixa-título – já trazem a comprovação de que a paciência e o planejamento a longo prazo valeram a pena, exibindo um power pop intenso, veloz e melódico, com timbres impressionantes de baixo e efeitos bem-colocados. Na sequência, “Espera” une a estética da banda com um quê de Charly García, e o resultado é uma das grandes canções do ano. Falando em sequência, os títulos das faixas, lidos consecutivamente, formam um conceito e artístico para a obra, que não é traído em nenhum momento. O que sim acontece são momentos em que o bom gosto vence a criatividade, e o que fica são faixas impecáveis, mas um tanto “corretas” demais – caso de “Secreto’ e “Fragil”. Longe de comprometer o resultado, porém. “Pixel” é um disco como o rock argentino não entregava há tempos: sofisticado, vigoroso e imprevisível, com os ouvidos voltados para o mundo (Brasil inclusive), mas a alma repleta das características mais significativas de sua identidade nacional.

Nota: 8

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell

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