Em Brasília, PicniK Festival 2016

por Marcelo Costa

Vivemos um momento meio maluco da vida em sociedade. Como observou sabiamente Décio 7, baterista do Bixiga 70, em entrevista recente ao Scream & Yell, “teoricamente era para a civilização estar evoluindo”, mas o avanço de partidos e ideias de extrema direita no mundo moderno colocam em xeque o sonho de viver em paz respeitando o próximo e suas diferenças. Ainda assim, numa sociedade cada vez mais movida por um capitalismo opressivo e competitivo, é possível vislumbrar pequenas ações que valorizam o indivíduo em todos os cantos desta golpeada Ilha de Vera Cruz e é dentro desse cenário que brilha o festival PicniK, belíssimo projeto itinerante que chegou a sua 23ª edição nos dias 02 e 03 de julho reunindo um grande público na Concha Acústica, em Brasília.

Obra de Oscar Niemeyer inaugurada em 1969 às margens do lago Paranoá, a Concha Acústica foi o primeiro grande palco da capital federal, mas, deteriorada, ficou alguns anos abandonada estando fechada entre 2006 e 2014, quando passou por uma longa reforma. Para um evento reflexivo como o PicniK, cujo lema é “uma cidade em movimento”, ocupar a Concha Acústica soava como uma declaração de intenções e a festa (de entrada gratuita) não poderia ter sido mais bonita, com milhares de pessoas circulando entre shows e dezenas de barracas de jovens empreendedores independentes de artes plásticas, moda, fotografia, decoração, artesanato, design e gastronomia.

Ainda que o foco da edição “Festival” seja os shows (o PicniK é trimestral, mas apenas uma vez no ano reúne um número  grande de bandas; as outras três edições contam com DJs e um número enxuto de shows num clima bacana de piquenique mesmo – normalmente o Parque da Cidade) torna-se impossível não circular pelas diversas barracas e admirar o trabalho da galera enquanto a trilha sonora do ambiente é feita ao vivo no palco. Neste quesito, por exemplo, uma parada na kombi da Corina Cervejas Artesanais pode custar ao visitante alguns shows, já que a carta da casa, entre importadas com a australiana Moa e excelentes receitas próprias como a Conic Double IPA (R$ 13 o copo de 300 ml), é viciante e o papo é bom.

Havia, ainda, hambúrgueres para todos os gostos (inclusive vegetariano), uma badalada feira de discos (tem gente aqui sonhando com um enorme box com a coleção completa de CDs de John Lennon) e uma série de atividades, debates e palestras, que também “concorriam” com o palco principal. No sábado, um longo e produtivo debate sobre o cenário musical alternativo brasileiro contemporâneo com a presença de Lucas Santtana e de representantes do selo gaúcho Honey Bomb Records e dos sites Scream & Yell e Tranquera “vitimou” cerca de dois. No domingo, a palestra cervejeira do Scream & Yell aconteceu durante a apresentação de Lucas Santtana. Mas nada de chorar sobre a cerveja artesanal derramada.

Com sol a pino e ainda pouca gente na Concha, o Magic Crayon mostrou seu bonito indiepop num de seus últimos shows antes de encerrar as atividades. Os chilenos do Trementina fizeram uma trilha sonora de fundo interessante para o debate sobre o cenário indie enquanto a new psicodelia da Bike embalou copos e copos de cerveja no estande da Corina. Bang Bang Babies também soou bacana. Boa surpresa local, a Joe Silhueta (praticamente um dream team da nova cena candanga) fez um dos shows mais legais do evento. Gasolines, como disco novo na praça, e Guizado botaram o povo pra dançar enquanto Gabriela Deptulski brilhou à noite com seu My Magical Glowing Lens.

Durante dois dias de festa, qualquer desavisado que aparecesse na Concha Acústica de Brasília seria contaminado pela grande vibe do evento, que celebrou a diversidade, a independência e o empreendedorismo de maneira exemplar. Nada como beber uma cerveja conversando com o próprio cervejeiro que a produziu, tirar dúvidas sobre os ingredientes de um hambúrguer (maionese, barbecue e outros molhos todos artesanais) e papear sobre vinis e música e artes e o mundo com uma turma interessada em valorizar a qualidade de vida. Sucesso de público, o PicniK mostra que, apesar do momento maluco da vida em sociedade, há gente decidida a ocupar a cidade com respeito ao próximo e boas ideias. Sigamos juntos!

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Fotos 1, 2 e 3 por PicniK (veja galeria completa); Fotos 4, 5, 6 e 7 por Scream & Yell

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