Balanço: Abril Pro Rock 2016

Texto e fotos por Marcelo Costa

No último fim de semana de abril, o lendário festival Abril Pro Rock celebrou sua 24º edição com 23 shows divididos em dois dias: a primeira noite, mais pop e plural, aconteceu no Baile Perfumado; a segunda noite, celebrando o barulho, do hair metal ao thrash, reuniu um enorme exercito de camisetas pretas no gigante Classic Hall. Nas duas datas, a extensa programação dividiu o público, que na abertura alcançou o auge no meio da maratona (apenas metade da audiência que viu o grande show de Alice Caymmi, a quarta atração, ficou para ver o oitavo show, já na avançada madrugada, de Tiê). No sábado de metal, o cansaço da maratona espalhou corpos, bêbados de sono e álcool, pelos cantos do Classic Hall, com o Viper encerrando a “noitada de sábado” às vésperas do sol de domingo raiar.

Na verdade, o Abril Pro Rock 2016 já havia começado algumas semanas antes, com shows acontecendo no APR Club, no Recife Antigo, e quem deu às boas vindas à véspera da maratona oficial foi Daniel Groove, numa apresentação emocionante, voz e violão, em que ele mostrou canções de seus dois álbuns para uma plateia pequena, porém atenta e com letras na ponta da língua. Já no Baile Perfumado, no dia seguinte, uma boa novidade: a cervejaria local DeBron seria a responsável por abastecer a primeira noite com três chopes (Weizen, Pilsen e Pale Ale) e o ambiente ainda exibia uma feirinha (destaque para a banquinha da local e cada vez mais nacional Assustado Discos) e uma área de food trucks. Os shows, por sua vez, foram divididos em dois palcos, de forma que uma apresentação começava no segundo seguinte ao término de outra. Partiu maratona.

A primeira parte da primeira noite foi dedicada aos artistas locais, e eles mostraram personalidade. O performático Pierre Tenório abriu os trabalhos com uma bela apresentação sustentada por uma banda eficiente e por um repertório que merece ser ouvido com atenção (ouça “Choques Elétricos” e “Precipício”). De Serra Talhada e com um público fiel, a BandaVoou teria estofo para atrair os mesmos olheiros que “descobriram” os Los Hermanos no Abril Pro Rock de 1999: com um repertório autoral caprichado calcado numa junção de samba, MPB e pop com boas letras cantadas por quase todos os presentes, o grupo se divide na personalidade de seus dois líderes, Carlos Filho (vocais e cordas), mais agitado e entregue, e PC Silva (vocais e cordas), mais contido e poético, resultando num grande show. Na sequencia, a poesia do sertão numa bonita apresentação do Em Canto e Poesia, que honra seu nome.

Primeira atração “estrangeira”, Os Transtornados do Ritmo Antigo, de Curitiba, colocou todo mundo pra dançar com banjo, baixolão, metaleira e som de bigband de rua num clima que destoou tanto das primeiras atrações, mais focadas no folclore da região e na MPB, quanto das seguintes, exercendo um expediente interessante da curadoria por provocar o público que veio para ver esse ou aquele artista, e encontrar um bom show como o dos curitibanos. Jogada acertada. No palco principal, um dos shows mais festejados do fim de semana, Alice Caymmi, que mais uma vez mostrou que não há limites para sua musicalidade indo de Caetano (“Iansã”) a Stones (“Paint It Black”), de Maysa (“Meu Mundo Caiu”) a Led Zepellin (“Black Dog”), de Abba (“Lay All Your Love On Me”) a Lilian (“Sou Rebelde”), numa mistureba sonora que, em alguns momentos, soa exageradamente kitsch e indigesta, mas que em outros, como na versão matadora de “Homem”, de Caetano, alcançam o Olimpo pop.

De Porto Alegre, dois bons shows em sequencia: o pop folk de Jéf agradou o público em uma apresentação correta e eficiente enquanto Filipe Catto mostrou um repertório mais denso e performático, perfeito para que o cantor exibisse a força de sua voz sob a cama de uma ótima banda no segundo grande show da noite – vale observar que tanto Alice quanto Filipe são 90% interpretes, assinando canções próprias em seus repertórios, mas se utilizando bastante de versões para exibir seu talento. Ídolo cult local, a apresentação de Graxa foi tipicamente indie anos 90, com desleixo vocal e riffs ásperos rendendo um show morno. Para encerrar a noite, Tiê, em versão folk hippie rock, fez a felicidade do pequeno público presente com um show diferente das turnês anteriores, que faz sentir saudade do tempo das baladinhas folk simples e eficientes de “Sweet Jardim”, o disco de estreia.

Já no Classic Hall, no sábado, nada de fofura, muito pelo contrário. Cheguei a tempo de pegar as duas últimas músicas do Monticelli, trio hard rock eficiente formado por três irmãos que pediram: “Parem de tocar covers”. Aplausos. Ainda no palco secundário, a Maua, de Aracaju, fez um show digno de palco principal, com peso, vocal gutural e insanidade que colocam no bolso muitas “estrelas” da noite. Já em um dos dois palcos principais, o mesmo esquema do Baile Perfumado: uma banda começa o massacre no segundo seguinte ao fim da outra. A primeira foi a paulistana NervoChaos, metal profissa e eficiente. O psychobilly do Sick Sick Sinners, de Curitiba, veio na sequencia, e conseguiu agilizar umas rodas de pogo, mas o punk hardcore ativista da Questions, de São Paulo, foi além com discursos políticos conscientes, empolgação e entrega que se reverteu em rodas de pogo e muitos aplausos. Um baita show que encerrou a primeira e melhor parte da noite pesada.

A segunda parte da noite foi iniciada com o Terra Prima, banda local que carrega 11 anos de história e tem um séquito fiel de fãs na cidade, mas cujo show empilha os clichês mais toscos do hair metal. Se o Sepultura conseguiu revolucionar o thrash em “Roots”, o Terra Prima parece querer fazer o mesmo com o hair metal chocando o Bon Jovi com uma sonoridade terceiro-mundista. Não funcionou, mas iria piorar. Infelizmente, o pedido dos garotos do Monticelli não foi atendido, e Edu Falaschi subiu ao palco para um show de covers de Iron Maiden, Dio, Megadeth, Angra… O público adorou. Tentando colocar a noite nos trilhos novamente, o Oitão, que tem a frente o Master Chef Henrique Fogaça, fez uma apresentação vigorosa, concentrada no som e não em mãozinha nas madeixas (até porque Fogaça é careca) e nhém nhém nhém. Grande momento: a participação de Cannibal, da Devotos, numa grande versão de “Isto é Olho Seco”, da Olho Seco.

Considerado um dos maiores guitarristas do Brasil, Robertinho de Recife, aos 52 anos, trouxe para sua terra natal o show “Metal Mania”, que recupera o álbum lançado por ele em 1985 (três anos antes do sucesso nacional com o Yahoo). Descontando as letras, pueris quando não bestas, e concentrando-se na música, esse foi um dos melhores shows da noite pesada do Abril Pro Rock 2016, com som potente e encorpado e uma banda muito boa ao vivo. A minha despedida do festival foi com a eficiente banda belga Evil Invaders, trash metal seco e violento com uma excelente presença de palco do trio de moleques que forma a banda. Ainda faltavam os shows de Korzus (que eu havia visto no Goiânia Noise 2014) e Viper, que eu queria muito ver, mas o avançado da hora (a previsão pessoal era de que os paulistanos fossem encerrar a maratona pós 5 da manhã) vitimou o repórter. Partiu hotel.

O saldo final dos dois dias de Abril Pro Rock foi positivo, mas abriu o pensamento para dezenas de questões importantes sobre o futuro – não só do festival em si, mas do próprio calendário de festivais brasileiros em geral. Formando com o Goiânia Noise e o Porão do Rock (Brasília) a tríade de festivais que deveriam ser tombados pelo patrimônio histórico brasileiro e fixados no calendário oficial de suas capitais, o Abril Pro Rock é o mais plural dos três eventos, ainda que, neste momento da história, tenha na noite Metal sua grande reverberação. Surgindo em 1998, o Porão do Rock carece completamente de curadoria e repete atrações como se fosse uma versão diminuta do questionável Rock in Rio (grande modelo de negócio, péssimo modelo de curadoria), tendo um grande alcance no Distrito Federal; já o Goiânia Noise, criado em 1995, soa melhor focado: a maratona de shows é intensa e há pouca concessão a artistas não pesados, mas a curadoria é criteriosa e abastece uma cena que se criou em torno do festival e da Monstro Discos. Entre os três, o caso do Abril Pro Rock é o mais particular.

Surgido em 1993 em meio à efervescência da cena pernambucana com a badalação do Manguebeat, o Abril Pro Rock segue apostando no novo (“A programação da primeira noite foi totalmente inédita”, comemorava Paulo André, idealizador do festival, que divide a curadoria com Guilherme Moura), acertadamente, mas dialogando com um público menor do que nas edições anteriores, fruto, segundo Paulo André, de uma combinação de fatores, entre eles a crise, cortes em patrocínios e o cancelamento da banda de death metal Malevolent Creation, uma das atrações mais aguardadas da noite Metal. De qualquer forma, a maratona de shows diminuiu o público sensivelmente nas bordas (começo e fim das noites), o que acende a discussão sobre formato de festival: o Goiânia Noise tradicionalmente segue o mesmo padrão, mas com shows mais curtos; o Porão alterna três palcos, dois deles simultaneamente; mais “novato”, surgido em 2005 em Natal, o Festival DoSol aposta nos vários palcos simultâneos, e o resultado tem agradado; em sua primeira edição em 2015, o Festival Radioca, em Salvador, apostou num line-up compacto de oito shows em dois dias, e colheu bons frutos. Qual o caminho?

Como todo grande festival, o Abril Pro Rock teve shows excelentes (neste caso, Alice Caymmi, Filipe Catto, BandaVoou, Maua, Oitão, Robertinho de Recife), outros muitos bons e alguns dispensáveis (isso do ponto de vista do autor do texto, que não vê sentido em um show cover de Edu Falaschi, ainda que escalado de última hora para suprir a ausência da Malevolent Creation, e que cativou a atenção de um grande público na segunda noite, questões críticas à parte) numa maratona sonora para fortes e corajosos. Agora, o Abril Pro Rock já adentra o seu 25º ano, afinal, como diz o jargão do meio, “o festival do ano que vem começa quando o desse ano acaba”, festejando em 2017 suas Bodas de Prata, o que já injeta animo extra – não à toa, já há boatos de que o festival deve voltar a ter três noites – e aumenta as expectativas para uma grande festa. O Abril Pro Rock merece.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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5 thoughts on “Balanço: Abril Pro Rock 2016

  1. Oi Marcelo! Você sabe se existe na internet um calendário com as datas dos principais festivais de música independente / alternativa no Brasil?

  2. Também acho que deveria ter três noites no Abril,e voltar a ter shows no Centro de Convenções de Pernambuco,que deveria ser sempre o local ideal para a exibição dos mesmos.Sobre patrocinio,isso é sempre importante,mas acho que deveriamos dar água para a Petrobrás,que sempre patrocinou,hoje está na bancarrota e deveria dar espaço para a prospecção de novos apoiadores.Por mim,adoraria se o festival fosse transmitido na internet,com todos os shows.Certamente,daria visibilidade a todos os envolvidos.E isso vale pra todos os festivais do Brasil.

  3. Bruno, procura a página da FBA (Festivais Brasileiros Associados) no Facebook. Eles divulgaram há pouco tempo uma apresentação com alguns dos maiores festivais independentes e seus períodos de realização.

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