Entrevista: João Donato

por Rafael Donadio

Digo ao telefone: “João Donato. Uma honra conversar com o senhor. Eu queria falar um pouco sobre o disco novo, ‘Donato Elétrico’”. E João Donato responde perguntando: “Espetacular, né? Você já ouviu? Foi bom ouvir?” Então, digo: “Bom demais, Donato. Ficou excelente.” E ele sacramente: “Então, rapaz. Fica mais fácil você gostar do que não gostar. Aí você já sai gostando, você sai ganhando. Ganha melhor sonoridade, ouve melhor as palavras, os sons, as cores. Você sabe que sai gostando, mas não sabe do que, mas sabe que gosta do que é bom. Aí você sai gostando e descobre que gosta mais ainda do que pensava.”

Depois de 15 anos sem produção de material inédito, o mestre João Donato retorna ao cenário musical mais elétrico que nunca, relembrando os memoráveis discos das décadas de 1960 e 1970, “Donato/Deodato” (1969), “A Bad Donato” (1970) e “Quem é Quem” (1973). “Os melhores momentos são os melhores para ser lembrado. Então você lembra do melhor em vez de ficar botando defeito no pior. Então, assim é melhor do que assado. É para falar só sobre o disco, né? Me desculpe, eu não consigo me controlar. Eu falo o que eu quero”, relata Donato, atribulado.

Enquanto subia as escadas da casa em que mora no Rio de Janeiro, concedia a entrevista e tentava atender a mulher, Ivone Belém, pedindo que fosse objetivo e falasse apenas do novo lançamento. Donato, elétrico literalmente, arriscava-se a comer uma salada de fruta em meio a tudo isso.“To subindo a escada, falando com você e comendo salada de fruta. Difícil não é, né? Mas acabei derrubando salada de fruta na escada”. Para sorte de todos, a objetivação durava apenas alguns segundos após a “puxada de orelha”. E assim, falando sobre o que queria, a conversa foi dos dizeres e desdizeres, das drogas à religião, dos discos antigos, da iluminação pessoal e musical, bossa nova e amor, raiva e ignorância colocada na música.

E deixa Donato falar: “Quem paga o pato é quem está ouvindo, porque você grava sua raiva, sua ignorância, sua malcriação. O cara que vai ouvir é quem leva aquela pancada e acaba gostando daquilo.” Com ajuda do jornalista e produtor do disco Ronaldo Evangelista, o mestre entrou em estúdio com expoentes do cenário musical brasileiro atual, fortemente influenciados por ele. Resultado dos ensaios informais e quase improvisados e das trocas de influências, “Donato Elétrico”, lançado pelo selo Selo Sesc, é essencialmente rítmico. Remonta com o que há de mais atual, vertentes pelas quais Donato surfa com tranquilidade. Música brasileira, jazz, latina, funk e afro-cubana se reúnem nas faixas do disco.

Aos novos parceiros – a maioria de São Paulo –, Donato deu o apelido carinhoso de “paulistinhas”. Entre eles, integrantes da banda Bixiga 70 e outros músicos que acompanham nomes como Céu, Anelis Assumpção, Curumin, Tulipa Ruiz, Metá Metá, Otis Trio e o percussionista, baterista e produtor musical Guilherme Kastrup. “Todos maravilhosos. Você ouviu as coisas que eles gravaram? Nunca ouvi um troço tão bonito. Eles participaram de tudo, de todas as ideias, eu ficava só olhando. Eles colocam lá no disco que tudo é meu, mas não é não. Eu fiz 50% e eles fizeram os outros 50%”, diz, maravilhado, o jovial músico octogenário.

Dentro desses 50%, Donato voltou a tocar instrumentos que não tocava há anos e experimentou alguns que nem sequer conhecia, como alguns sintetizadores. “É que nem andar de bicicleta, se aprendeu, não esquece mais. O que tiver teclado é a mesma coisa. Eu não conheço esses sintetizadores, mas eu sei o que é música, então nada me assusta. Não é porque você nunca fez uma determinada coisa que ao fazê-la pela primeira vez não faça bem-feito”, relata Donato, que aproveitou para explicar o motivo de não entrar de cabeça na bossa nova, como entrou o amigo João Gilberto. “Não me prendi a bossa nova para não parar de experimentar. Eu acho que bossa nova é muito pouco para definir a beleza divina da música. Bossa nova é só um ramo da grande árvore da música divina.”

Donato agora se prepara para turnês nacional e internacional. Algumas apresentações já estão marcadas para junho, no interior de São Paulo. O músico ainda se apresenta na Virada Cultural, na capital paulista, que acontece durante os dias 21 e 22 de maio, e na Inglaterra, em julho. Maringá, a cidade do jornalista, por enquanto só foi lembrada por ser a cidade natal do juiz Sergio Moro, e não de forma amigável, para dizer o mínimo. Garantia de shows por aqui, nem Donato garante. “Tudo que você disser, desdiz aquilo que você disse e diz para todo mundo que você disse aquilo ontem e hoje você não diz mais porque amanhã você vai voltar a dizer. Então, eu não garanto nada.” Entendeu? Importante: “A lei é o amor. No amor você não erra. Você cai, mas não quebra”. Play no disco.

– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista do Diário do Norte do Paraná
– As duas fotos de João Donato que ilustram o texto são de Marcelo Costa (@screamyell)

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